Recém-chegado aos 68 anos, já vacinado, Lulu Santos está vendo a vida melhor no futuro. “Assistir às pessoas começando a tirar a máscara nos Estados Unidos e aos turistas ingleses desembarcando em Portugal me deu ânimo. Percebi que em outros lugares do mundo as coisas estão começando a acontecer. Por outro lado, a pandemia tem um efeito inexorável e irreversível, que tem que ser tratado com seriedade extrema. Algo que não se vê com o desdém e o descaso dessa administração. Mas não podemos perder a sanidade e ficar imersos na tristeza.”
É com uma alegria imensa que ele lança, nesta sexta-feira (28/5), o single “Hit”. Declaração de amor não só à vida, mas ao marido, Clebson Teixeira, a canção foi gravada durante a pandemia com o parceiro profissional de longa data, Liminha. O single antecede o lançamento de um EP com cinco faixas que sairá ainda neste ano.
No próximo domingo (30/5) será lançado o clipe de “Hit”, no qual Clebson, que assumiu a administração da nova empresa de Lulu (Pancho Sonido), atua como um pugilista. Letícia Novaes, a Letrux, também participa, como uma cartomante. “Eu tive sorte na vida”, diz Lulu, repetindo o verso que dá início ao single.
Desde o início da crise sanitária, Lulu se divide entre sua casa, no Rio de Janeiro, e o sítio em Sertão do Calixto, bairro de Paraíba do Sul, no interior fluminense. Foi de lá que ele conversou com o Estado de Minas. Na conversa, comentou sobre seu reencontro com Liminha, falou de seu amor por Rita Lee e revelou que a suspensão forçada dos shows teve um efeito benéfico para ele. “Para mim, com 68 anos e pelo menos 40 plus de estrada, é um respiro.” Leia a seguir.
Da composição ao primeiro registro, “Hit” foi feita num tempo recorde. Como autor de dezenas de hits, dá para saber o que vai funcionar ou não?
É raro acontecer isso (uma música nascer quase pronta), mas não é inteiramente incomum. “Tudo bem” foi mais ou menos assim: quando acordei, ela ‘desceu’ igual a uma ficha. Esta nova parece um hit, tem todos os elementos sonoros, os ganchos que estamos acostumados a identificar como sendo. Mas nada garante que vá ser. Neste caso, a rapidez foi maior porque eu aprendi: gravei e postei em menos de 40 minutos depois que tinha feito a música. Para mim, é o menor tempo entre o produtor e o consumidor. Postei a gravação caseira, eu no celular com meu violão. Fiquei tão entusiasmado porque a palavra hit é mesmo uma analogia. Quando canto ‘Você é meu maior hit’ falo da maneira como essa relação (com o marido, Clebson Teixeira) foi se desenvolvendo. Quando a gente se conheceu, fazíamos ligações interurbanas de quatro, seis horas. Na época, ele tinha 25 anos. Em 26 de abril (passado), fez 29. Eu sempre dizia que queria muito a oportunidade de observá-lo em sua segunda volta de Saturno. O planeta Saturno leva 28 anos para dar a volta no Sol. Essa questão está ligada à maturidade do homem, que tipo de adulto ele vai ser. Se terá o amadurecimento como ganho ou ficará preso à eterna juventude. Então eu dizia que queria ver o processo dele. Estamos há um ano e pouco morando juntos, e ele já reformou um cômodo da casa ao gosto dele, livrou a casa de 20 anos de entulhos, enfim, adaptou a situação à vida dele. Acabou se tornando o administrador da nossa empresa. “Hit” é nosso primeiro lançamento.
De onde tirou o nome Pancho Sonido?
Pancho é cachorro-quente em espanhol. Virou uma brincadeira, está até no logotipo. Além do nosso selo, é também nossa agência, quem nos toca e representa. Como o Clebson não tem experiência na área artística, ele administra, enquanto o Raphael Pulga continua como meu empresário.
Em “Hit” você retoma a parceria com Limi- nha. Como foi esse reencontro?
Liminha e eu nos conhecemos há 51 anos. Ele e a Rita Lee são as relações mais antigas que mantenho até hoje. Eu o conheci nos Mutantes; ele com 17 anos, eu com 16. Ele foi o produtor dos meus três primeiros álbuns e, muitos anos depois, em 1999, fizemos “Calendário”. Ainda acho este o meu melhor álbum em termos de sonoridade. Soa bem até hoje, é profundo, mas não foi um trabalho bem-sucedido (comercialmente). Agora, no estúdio Nas Nuvens, com meus músicos inventando moda, revirando, depurando o trabalho, percebi que não gosto mais de me produzir, preciso de um interlocutor. Fato é que preciso ter uma relação de confiança para a produção. Liminha e eu temos uma formação semelhante, muitas coisas em comum.
O que, além de “Hit”, o reencontro rendeu?
Mais três singles e um remix em reggae de “Hit”. A segunda música, “Inocentes”, é em certo sentido uma sombra para a sonoridade feliz de “Hit”. Mostra meu sentimento em relação ao que estamos vivendo, em todos os sentidos. Convidei o Melim para participar da gravação. Um vocal de três vozes que têm uma marca própria, de irmãos cantando juntos, ficou com jeito de leite condensado gelado e espesso. É doce, mas não enjoa. “Cá pra nós” é uma canção que brinca com situações contemporâneas citando frases de efeito. E depois de tantos anos, Liminha e eu fizemos uma música juntos. “Haikai” tem o refrão “quero espalhar o amor para espantar o pavor”. Acho que esta é a minha missão; trazer alento, respiro e alegria.
Você, como todos os artistas, está há mais de um ano sem ter um encontro direto com o público, fazendo exclusivamente lives. Sente falta dos shows?
Desde que o David Bowie morreu (em janeiro de 2016), tenho revisitado a obra dele, vendo programas e shows que nunca tinha visto. No último que vi, de uns 15 anos, ele responde a uma pergunta sobre gostar de turnês: “Os primeiros 40 anos até curti”, disse. Estou fazendo 40 anos de palco. Claro que (a pandemia) é desastrosa para a nossa classe, um bocado de gente trabalha comigo, tanto que minhas lives tiveram recursos direcionados para a chamada “gente da graxa”. Mas, por outro lado, não poder viajar, não ficar em aeroporto, não me submeter à malha aérea brasileira, em que você para ir para o Norte tem que ir para o Centro-Oeste antes, te tira um pouco do piloto automático. Não é sempre que vejo uma performance minha e acho que está boa. Às vezes, vejo que estou no piloto automático. Esta parada te dá uma perspectiva, ainda que desacelera os ganhos, pois basicamente minha grana vem quando faço show. Mas, para mim, com 68 anos e pelo menos 40 plus de estrada, é um respiro. Minha voz voltou inteiramente. Quando fui cantar no estúdio, ela não estava gasta, sofrida. As lives me satisfazem porque estou com o meu elemento, que é a banda. Minha primeira live teve 3 milhões de pessoas. Na minha cabeça, na hora em que estou fazendo sei que estou sendo assistido.
No início da conversa você falou que Liminha e Rita Lee são as pessoas próximas que conhece há mais tempo. Como recebeu a notícia de que ela está em tratamento contra um câncer?
Tenho todo o amor do mundo pela Rita, que continuará sendo nossa nave-mãe. Tive uma ligação com os Mutantes que foi fundamental para eu me tornar artista, pois foi através deles que experimentei a realidade da vida artística. Era recebido por eles em casa desde muito menino. Fiz um álbum dedicado à obra e à vida de Rita (“Baby baby!”, de 2017), influenciado pela leitura do livro dela (“Rita Lee: Uma autobiografia”, de 2016). Acho que toda mulher deveria ler. Acho que ela vai ficar boa rápido, o estágio não é avançado, e todos nós temos muito amor por ela.
“HIT”
• Lançamento do single nesta sexta (28/5)
nas plataformas digitais. No domingo (30/5) será lançado o clipe
Hit
(Lulu Santos)
Eu tive sorte na vida
Isso não posso negar
Não quer dizer que foi fácil
É necessário remar
Às vezes contra a corrente
Às vezes é só boiar
E deslizar numa onda
Até arrebentar
Na parada
Estive num naufrágio
E à deriva no mar
E foi num transatlântico
As voltas que a vida dá
Foi um sinal luminoso
Que acendeu seu radar
E um bote salva-vidas
Veio me salvar
Aha!
Você é meu maior hit
Meu pote de ouro
Número um no meu paradão
Na boca do povo
O meu maior hit
estacionado no topo
E quando toca no rádio do
carro
E mais um estouro
Eu caio no choro