Os 40 anos de carreira da dupla Kleiton & Kledir não puderam ser comemorados como os irmãos gaúchos gostariam, pois a pandemia ceifou a agenda cultural em 2020. Nada menos de três projetos foram interrompidos, além da comemoração: a turnê com a banda conterrânea Nenhum de Nós (que estreou em BH), shows com o grupo catarinense Expresso Rural e o disco do coletivo Casa Ramil reunindo Kleiton, Kledir e o caçula Vitor em parceria com sobrinhos e filhos, todos músicos.
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O repertório será uma retrospectiva, trazendo o melhor da dupla, promete Kledir Ramil. “Além dos sucessos, vamos lembrar canções que consideramos importantes em nossa carreira, mesmo que não tenham sido tão divulgadas”, diz. Claro, não vão faltar “Deu pra ti” (aquela do “vou pra Porto Alegre/tchau”), “Maria fumaça”, “Vira virou”, “Paixão” e “Nem pensar”. Entre as “lado B”, ele cita “Autorretrato” e “Roda de chimarrão”.A novidade é “Paz e amor”, single lançado com o MPB4 durante o confinamento social. “A letra fala de esperança em meio a essa loucura que estamos vivendo”, revela Kledir. “Estamos vivendo tempos de escuridão total. Não falo só de pandemia, mas também da ignorância do nosso Brasil e do planeta. Tudo indo numa direção meio sem rumo. A letra fala disso, mas com esperança, pois no meio da pandemia comecei a perceber muitos movimentos de solidariedade”, conta. “Vi várias pessoas preocupadas com as outras. Isso é algo transformador, capaz de mudar o mundo.”
De acordo com o cantor e compositor gaúcho, as pessoas reclamam do mundo, mas sempre põem no outro a culpa pela crise. “Pergunto: o que cada um de nós pode fazer para mudar? Pra mim, essa letra é muito importante, pois neste momento em que estamos todos angustiados, a maioria trancada dentro de casa, ela traz a mensagem de retomar o sonho de paz e amor que vem lá de outros tempos.”
Nesses 17 meses longe dos palcos, a dupla vem se apresentando na internet. “Até nos encontramos para fazer duas ou três lives. Fui à casa do Kleiton e cantamos de lá, mas só voz e violão”, diz o compositor. “No início, foi estranho cantar olhando para o celular, mas acabamos nos acostumando. Futuramente, acho que teremos algo com formato híbrido: show presencial e transmissão on-line.”
A festa dos 40 anos deveria ocorrer em março de 2020, na capital gaúcha, com Kleiton, Kledir e a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa). A turnê passaria por São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York, entre outras cidades norte-americanas. Também estavam previstos lançamento de biografia, exposição multimídia e uma cinebiografia para a TV, dirigida por Edu Felisto.
NO PALCO
Feliz em voltar a fazer show ao vivo com o irmão, Kledir comemora: “Estou animado em me encontrar com a banda e toda a equipe”.Os gaúchos vão relembrar casos de sua extensa trajetória, que começou na década de 1970 com a Almôndegas, banda fundamental para o pop gaúcho e nacional. Criado em Pelotas, terra natal da dupla, o grupo reunia garotos atentos às novas sonoridades e também à tradição regionalista.
“Chegamos a gravar quatro discos. Quando surge Kleiton & Kledir, no início dos anos 1980, é também o início das rádios FM, de toda uma transformação. Passamos pelo LP, fita cassete, CD, DVD e agora estamos na nuvem”, diz Kledir. “Historicamente, estamos registrados no primeiro CD lançado no Brasil, uma coletânea da Universal, que na época se chamava Polygram”, revela.
Kledir, de 68 anos, gosta tanto da nuvem quanto das outras novidades que o século 21 trouxe para a música. “Cada lançamento que você faz já está no mundo inteiro. É muito democrático o acesso de qualquer um às plataformas para escutar o que quiser”, afirma. Kleiton Ramil fará 70 anos em agosto.
O primeiro disco da dupla, “Kleiton & Kledir”, saiu em 1980 pela BMG Ariola. “A gravadora entrou no Brasil a mil, isso foi um dos fatores fundamentais para o nosso começo. Ela foi contratando grandes nomes, não só artistas, mas pessoal da área técnica, vendas, divulgação e escritório. Naquele momento, contrataram aqueles gaúchos, até então desconhecidos do público. Éramos dois guris no meio de um monte de estrelas”, relembra Kledir.
“VIRA VIROU”
Quando o MPB4 gravou “Vira virou”, o sucesso da canção impulsionou a carreira dos jovens de Pelotas. Kledir afirma que a preocupação dele e do irmão sempre foi fazer músicas relevantes. “Tanto é verdade que já se passaram 40 anos e as nossas canções continuam aí.”Cláudia Leitte, por exemplo, gravou “Paixão” em ritmo de reggae, enquanto Fábio Júnior deu a ela interpretação delicada e intimista, com direito a violino.
“Para nós, é bom olhar para esses 40 anos e ver que nossa obra está se perpetuando. É a realização de qualquer artista, o que nos mantém cheios de vida”, conclui Kledir Ramil.
“KLEITON & KLEDIR 40 ANOS”
Quinta-feira (3/6), às 21h, no Teatro Claro Rio (RJ). Transmissão ao vivo no YouTube (nos canais da dupla e do Teatro Claro Rio) e no canal da 500 da Claro TV
PAZ E AMOR
“Ah, eu continuo o mesmo sonhador
Que ainda acredita em paz e amor
E o meu sonho vai virar realidade
Depois que enfim passar a tempestade
E essa loucura toda terminar
É, a gente errou e entrou na contramão
E desinventou a civilização”
Trecho da canção de Kleiton & Kledir
Quarentena criativa
Os irmãos gaúchos têm aproveitado a quarentena para compor e lançar projetos ligados a trabalhos anteriores. “No começo, ficamos assustados, como todo mundo”, comenta Kledir Ramil a respeito do avanço do novo coronavírus.
Diante da impossibilidade de fazer shows, a dupla caiu na real. “Pensamos: vamos lançar o que temos na mão.” É o caso de 'Kleiton & Kledir ao vivo', produzido há mais de 10 anos para a Som Livre, fora de catálogo. “O material era nosso, o DVD chegou agora às plataformas pela Biscoito Fino”, informa o compositor.
Os dois também mandaram para plataformas e YouTube o DVD “Par ou ímpar”, seu show infantil em parceria com o grupo Tholl e a atriz Fabiana Karla. “As crianças estão ficando em casa sem poder sair, e os pais atrás de uma programação de conteúdo para a garotada”, observa Kledir.
Outro projeto antigo que voltou a circular é “Kleiton & Kledir em español”, disco lançado originalmente em 1985, com as participações dos argentinos Mercedes Sosa (1935-2009) e León Gieco.
Por outro lado, a gravação de “Casa Ramil” já está “engatilhada”, assegura o compositor. “Vamos esperar as coisas se acalmarem um pouco. Não dá pra gente se juntar e ir para um estúdio agora. Vamos aguardar o momento certo.”
Sete integrantes da família Ramil são parceiros nesse coletivo: os irmãos Kleiton, Kledir e Vitor, veteranos da MPB, e a nova geração: Ian (filho de Vitor), João (filho de Kledir), Gutcha e Thiago (filhos de Katia, irmã dos compositores).
Apresentado em Pelotas, Porto Alegre e São Paulo, o projeto surgiu como homenagem a dona Dalva, a matriarca dos Ramil, e rendeu lives recentemente. Nos bastidores atuam Branca, produtora e irmã da dupla, e os jovens Isabel (vídeos), Karina (direção cênica) e Kaio (produção).
Enquanto o clã não grava o primeiro álbum coletivo, vem aí o single de Kleiton & Kledir com Expresso Rural, banda de Santa Catarina. A nova canção é homenagem ao estado vizinho de seu querido Rio Grande do Sul.