Um pai que leva uma vida inteira para saber se acertou ou errou. Um filho que vive sempre no limite. É essa a jornada do policial civil Victor Lomba (Flávio Tolezani) e de seu filho, Pedro Dom (Gabriel Leone), personagens centrais de “Dom”.
Criada por Breno Silveira (“2 filhos de Francisco”, “Gonzaga: De pai para filho”), a primeira série dramática brasileira da Amazon Prime Video, com estreia nesta sexta-feira (4/6), apresenta em oito episódios de alta combustão uma história baseada em fatos.
Droga, funk, favela, temas quase onipresentes na produção nacional, surgem aqui sob o viés do afeto, ainda que mais de uma vez apresentados de uma maneira torta. “Entendemos que boa parte da relação dos dois é de conflito, embate, briga, às vezes até com certa fisicalidade. Ficar só no lugar do confronto poderia ser uma armadilha. Nosso desejo foi contar uma história em que, mesmo que os dois vivam em lados opostos, houvesse cumplicidade, amor, e mostrasse a não desistência um do outro”, afirma Leone.
“Dom” tem trama ambientada no Rio de Janeiro, entre as décadas de 1990 e 2000. Pedro Machado Lomba Neto, o Pedro Dom (1981-2005), foi um viciado em drogas de classe média alta que chefiou uma quadrilha especializada em assaltar edifícios de luxo. Era um astro do submundo carioca, com destaque na imprensa.
Seu pai, Luiz Victor Dantas Lomba (1944-2018), policial civil aposentado que atuou no combate às drogas e integrou o Esquadrão da Morte, procurou Silveira há 12 anos querendo que ele fizesse um filme a respeito de sua trajetória.
“O Victor se recusava a entender essa história como a de um tabloide sangrento. A série partiu da ótica dele, como pai, depois virou um livro do Tony Bellotto (“Dom”, décimo romance do guitarrista dos Titãs, lançado ano passado). A mensagem é muito forte, com personagens mais complexos do que estamos acostumados a ver”, afirma o diretor.
“Você está falando de um policial e de um criminoso e, quando entra na vida deles, entende o quão humanos eles são. Acho que hoje há muitas histórias se repetindo sobre o narcotráfico. Mas como a gente enxerga isso de dentro?”, comenta Silveira.
“Dom” foi rodada entre o final de 2019 e o início de 2020. As filmagens terminaram em março, justamente no início da pandemia da COVID-19, o que fez com que a série, prevista para estrear no ano passado, fosse adiada.
“Sempre tive curiosidade de entender o que o dinheiro do narcotráfico fez com a cidade do Rio de Janeiro, fez com o Brasil. O Victor foi testemunha da chegada ao país do primeiro carregamento de cocaína, em 1973. Ele viu a cidade se transformar, viu o filho dele se transformar”, diz Silveira, admitindo que teve medo de contar a história devido ao seu peso. “Mas entendi que ela não é só importante de ser contada, como também bonita.”
ZONA SUL
Com elenco numeroso, “Dom” tem uma narrativa atravessada por décadas e vai e vem no tempo. A cena inicial se dá em 1999, quando Pedro Dom, um garotão da Zona Sul carioca, mal entrado nos 18 anos, está sumido de casa.
Em um morro em Copacabana, nós o vemos em um baile funk cheirando cocaína e tendo um encontro às pressas em um beco com uma garota. O pai, desesperado, deixa o apartamento da família e, de moto, sobe o morro. No meio do baile, dá um tiro para o alto, chamando a atenção dos chefes do tráfico e exigindo a presença do filho. O garoto aparece, é levado pelo pai a contragosto e, chegando em casa, é algemado por ele em sua própria cama. A cena termina com o garoto dizendo “te amo, pai” e retirando do bolso um pacotinho de pó.
Entremeando esta longa sequência, acompanhamos a escalada de Victor no meio policial. Nos anos 1960, o garotão mergulhador (na juventude, o personagem é vivido por Filipe Bragança) que não se envolvia com política acaba se tornando colaborador dos militares no início do combate às drogas no Brasil. Os flashbacks acompanham toda a série.
“Cheguei a fazer exercícios de cenas que seriam do Filipe, no passado do personagem, até para entender essa relação. Muitos personagens têm mais de um ator (no passado e no presente), então precisávamos de uma unidade. Mesmo assim, na fase em que é interpretado pelo Filipe, o Victor era mais solar. Quando o bastão foi passado para mim, o personagem já estava em um lugar de descrença”, observa Tolezani.
ESTREIA INTERNACIONAL EM MÚLTIPLAS LÍNGUAS
“Dom” estreia simultaneamente nos mais de 200 países em que a plataforma Prime Video está presente e com dublagem em 30 línguas. “Quando a série ficou pronta, mandamos para nossos parceiros. Foi impressionante. Na Índia, falaram que parecia uma história ambientada em Mumbai. Tanto que dublamos a série em hindi, tamil, entre outras línguas que falam lá”, comenta Malu Miranda, chefe de conteúdo original para o Brasil da Amazon Studios.
Ambiciosa, “Dom” reúne oito horas de uma narrativa rodada em quatro estados, 170 locações e com elenco e figuração de 3,2 mil pessoas. Além de comandar a produção, Silveira codirigiu a série com Vicente Kubrusly. Com o selo da Conspiração Filmes, conta com nomes expressivos na ficha técnica, como Antonio Pinto, autor da trilha sonora.
Pela primeira vez, Silveira atua como showrunner. “Só depois desse processo todo entendi a função. No primeiro encontro com a Amazon, me disseram que para ser showrunner eu teria que ter a ideia da série. Ok, a história eu sei. Disseram que tinha que produzir também. Também produzo. Aí falaram que tem que ser roteirista. Isso eu não era ainda”, conta ele, que passou uma temporada na Inglaterra estudando com Robert McKee, um dos papas do roteiro.
No início da produção da série, Silveira encontrou uma mesa com oito roteiristas. Teria que trabalhar com pelo menos quatro. “A série é tão complexa que não consegui ficar nenhum dia fora do set, acabei dirigindo quase como um todo com o Vicente”, diz.
Silveira traz no currículo filmes sobre relações intensas entre pais e filhos. Seu principal cartão de visitas é a cinebiografia de Zezé di Camargo e Luciano, “2 filhos de Francisco”, que rendeu 5 milhões de espectadores em 2005, figurando ainda hoje como uma das maiores 20 bilheterias nacionais. O diretor avalia que não conseguiria contar a história de “Dom” em duas horas, como pedido pelo próprio Victor no primeiro encontro que tiveram, mais de uma década atrás.
“Sou apaixonado por cinema, mas não acho possível, hoje em dia, transformar algumas histórias que chegam para mim em filme. Um longa é um fio e uma série é uma teia”, diz Silveira, que vê “Dom” como uma espécie de “pós-graduação”.
A partir de agora, a Prime Video lança outras séries brasileiras. No próximo dia 25, entra no ar “Manhãs de setembro”, da O2 Filmes. A protagonista é Cassandra (Liniker), uma mulher trans que atua como cover de Vanusa (o título da série foi tirado de uma das canções da intérprete, morta em 2020).
Sua vida vira de cabeça para baixo quando Leide (Karine Teles), mulher com quem teve um envolvimento no passado, a apresenta para Gersinho (Gustavo Coelho), garoto que pode ser filho de Cassandra.
“As outras séries foram filmadas durante a pandemia. Tem ‘Desjuntados’, com Gabriel Godoy e Letícia Lima, ‘Sentença’, com Camila Morgado. Neste momento, estamos filmando ‘L.ov3’ (produção de Felipe Braga, das séries ‘Sintonia’ e ‘Samantha!’, da Netflix)”, conta Malu. A executiva estima que até o fim do ano alguns desses títulos estrearão.
DOM
Série em oito episódios. Estreia nesta sexta (4/6), na Amazon Prime Video.