O que aconteceria se Brasil e Argentina tivessem que se enfrentar em campo pela última vez? No futebol profissional, apesar das confusões nos bastidores nos últimos dias, é difícil imaginar que essa rivalidade um dia se encerre. Porém, na trama fictícia de "O último jogo" é possível ver como seria esse cenário a partir do microcosmo do esporte amador.
A comédia, que chega nesta quinta-feira (10/06) às plataformas digitais, se passa em duas cidades fronteiriças imaginárias, onde o embate entre seus times vai muito além da bola.
O longa é uma adaptação do romance "O fantasista" (2006), do chileno Hernán Rivera Letelier. Fascinado pela história, o diretor brasileiro Roberto Studart decidiu transportar a trama, originalmente ambientada entre dois vilarejos no Deserto do Atacama, para o contexto da rivalidade secular entre Brasil e Argentina, vivida nos municípios inventados Guapa, do lado de lá, e Belezura, do lado de cá.
"Eu me encantei por essa literatura. Não enxerguei como um filme logo de cara, mas ficou na minha cabeça, por ter uma narrativa peculiar, um surrealismo, um humor diferente, com personagens muito únicos”, diz ele. Studart conta que, anos depois de ter se encantado por essa história, resolveu “transformá-la em um filme que explorasse a rivalidade entre brasileiros e argentinos no futebol”. "O último jogo" é o primeiro longa de ficção do diretor.
Antes dele, Studart dirigiu dois documentários, "Pra lá do mundo" (2013) e "Mad dogs" (2015). Ele assina o roteiro de "O último jogo" junto com Ecila Pedroso. A adaptação, ele diz, foi desafiadora, sobretudo pelo grande número de personagens do romance original. "Em alguns casos, pegamos quatro ou cinco personagens e os transformamos em um", conta.
FÁBRICA
O protagonista, no entanto, se manteve intacto. "Expedito, o Fantasista, era o nosso leme. Seu desenvolvimento é muito parecido com o do livro", comenta o diretor sobre o personagem interpretado por Bruno Belarmino. Ele surge quando a cidade de Belezura está prestes a se tornar despovoada por causa da desativação da fábrica de móveis que emprega quase todos os cidadãos locais.De origem desconhecida, o misterioso homem se apresenta pela alcunha de "O Fantasista da Bola Branca", como se fosse um artista circense, cujos números apresentados em praça pública são truques com bola feitos com sua notável habilidade. Ele logo se torna a esperança belezuerense para aquele que será o último jogo contra o time de Guapa, na Argentina.
A rivalidade entre as cidades é cultivada há décadas, em muitos aspectos, mas especialmente no futebol, com várias disputas violentas entre as equipes locais.
A trama do filme começa numa segunda-feira e se desenrola dia após dia pela semana que antecede esse jogo final. Com seu time combalido por lesões e subjugado pelos rivais argentinos, o treinador Arlindo (Norberto Presta) tentará de tudo para convencer Expedito a ficar na cidade até domingo e reforçar o time no embate. O que não será tarefa fácil, já que o artista da bola é pressionado a ir embora por sua esposa, chamada apenas de "A Ruiva" (Betty Barco).
Para dissuadi-lo de ir embora, a população local aposta em vários artifícios, inclusive a sedução. O processo de convencer o craque forasteiro a jogar vira uma debochada rede de armações e traições. Nela entram Lola (Juliana Schalch), casada com o goleiro do time, mas nada fiel a ele, e Califórnia (Pedro Lamin), camisa 10 de Belezura, que vê seu prestígio ameaçado pelo novo jogador, embora tenha grande importância nessa articulação "extracampo".
"Todo lugar muito pequeno, e eu já visitei muitos produzindo documentários pelo Brasil, tem um universo particular. As pessoas giram em torno de uma ou duas coisas que movimentam a cidade. A paquera, as traições, isso faz parte, porque as opções de entretenimento são poucas numa cidade pequena. Procuramos trazer esses elementos e demos uma fantasiada para inserir nesse ambiente do filme, que é um pouco irreal, feito com metáforas", diz Studart.
Dessa forma, a história filmada em dois municípios do interior gaúcho (Santa Tereza e Monte Belo do Sul) ganha uma ambientação pitoresca, desprendida de uma época específica, mas com elementos que remetem a décadas passadas. Segundo o diretor, o local também tem pujante tradição nos campeonatos de futebol de várzea, o que colaborou com a representação dos bastidores do esporte amador construída no filme.
Califórnia, por exemplo, é o craque indomável, intransigente, que fuma enquanto joga e vive no bar. Aliás, as cenas passadas no ambiente da boemia são até mais numerosas que aquelas vistas no campo de jogo.
Apesar dessa trama tipicamente brasileira, o diretor diz que buscou inspirações no futebol americano e no basquete dos EUA para a construção de um jogo com mais contato corporal e espetacularizado nas cenas em que a bola rola. "Pesquisei e tentei trazer a intensidade do futebol americano para nosso futebol e elementos do basquete da NBA, como o jogo físico, marrento, com jogadores discutindo e falando. Esse clima fez muita diferença nas cenas do futebol do filme", diz ele.
"O último jogo"
• Disponível nas plataformas Now, VivoPlay, Sky, Looke a partir desta quinta-feira (10/06), e no Belas Artes à La Carte a partir de sexta-feira (11/06)