Jornal Estado de Minas

GASTRONOMIA

No 'Mestres do sabor', chef mineira Bruna Martins ganha fama nacional

Bruna Martins tinha 22 anos, uma graduação interrompida em gastronomia na Faculdade Estácio de Sá e outra em curso em música na UFMG, quando alugou uma casinha geminada na esquina das ruas Silvianópolis com Divinópolis, em Santa Tereza. Parte da herança do avô paterno foi empregada no investimento inicial, que não passou dos R$ 50 mil. Naquele momento, Bruna queria criar um espaço que unisse suas duas paixões: música e gastronomia.



“Como o ponto era muito barato, pensei em abrir um espaço para jantares com música. Mas quando fizemos a obra, o salão ficou grande. Então pensei: ‘já que estou aqui mesmo, vou abrir um restaurante.’” Naquele 2013, sem muito planejamento, foi inaugurado o Birosca S2. Oito anos mais tarde, Bruna, hoje com 31, mãe de Inácio, de 1 ano e cinco meses, tem plena consciência de que fez a aposta certa.

Na quinta-feira passada (10/06) ela ouviu um comentário que a deixou “chocada”. “O Claude (Troisgros) falou que o menu que a gente tinha feito foi o melhor da vida dele. Foi um marco para a gente”, conta Bruna, sobre sua participação no reality “Mestres do sabor”. Integrante do time do também mineiro Léo Paixão, ela foi a responsável por preparar a entrada do menu que encantou o chef francês, apresentador do programa da Globo.

Estar na televisão semanalmente desde maio passado tem feito uma boa diferença. O mais importante é que a participação veio na hora certa. “No início de fevereiro, quando estava tudo fechado e nem o delivery pagava o gasto da galera que trabalha, os insumos, achei que iria fechar. Mas preferi manter as portas fechadas e fui avaliando (o andamento da crise sanitária e a reabertura dos bares e restaurantes). No começo da pandemia também foi desesperador, com neném pequeno, meu marido me aguentando dentro de casa descabelando, chorando. Peguei empréstimos gigantescos, me endividei e vendia o almoço para pagar a janta.”






Criações para manter atividade

Mesmo que o pior momento tenha passado, ela assume o agora com cuidado, dando um passo após o outro. Para manter o restaurante em atividade,  Bruna inventou de tudo. Kits gastronômicos, promoções, almoços com menu executivo e até mesmo um clube de assinatura mensal (o chamado Clube do Birex, com delícias semanais que eram entregues em um pirex).

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“Isto dá um desgaste muito grande, pois você está acostumado com a produção da cozinha. Aí tinha a parte que tinha que vender, se comunicar, já que todo mundo estava vendendo tudo na internet”, acrescenta. A visibilidade garantida pela televisão tem levado ao Birosca novos frequentadores. Mas o momento é bem diferente do pré-pandemia.

“O programa tem me trazido o que sempre quis, reconhecimento nacional. Além de clientes novos, tenho recebido convites para dar aula, jantares, estou fechando parcerias. Agora, o restaurante não ficou mais cheio por causa disto. A pandemia mudou o ticket (o valor de consumo médio de um restaurante). Vejo isto nos sábados, em que a casa está cheia, mas vende um terço do que vendia antes.”






Visita de Anthony Bourdain 


Muito antes de ser conhecida no Brasil, Bruna foi vista mundo afora. Em 2016, Anthony Bourdain (1956-2018) veio a Minas Gerais gravar um episódio da oitava temporada do programa “Parts unknown”, então exibido na CNN. 

Por opção da chef, cozinha do Birosca é ocupada apenas por mulheres (foto: Luiza Ananias/Divulgacao)
O Birosca entrou no roteiro, motivo de alegria e honra para Bruna, que serviu a Bourdain pescoço de peru com feijão branco e cupim com molho de café. “Foi quase um processo de seleção, fiquei um mês respondendo entrevista da produtora por e-mail. E como não falo inglês, ficaram em dúvida se me colocavam ou não”, ela conta. 

A gravação teve um acaso infeliz. Quando Bourdain e sua equipe estavam no restaurante, um carro roubado desceu a rua. Em momento algum os ladrões fizeram menção de entrar no restaurante. “Eles fizeram a curva e os caras estavam com um pé de cabra. Desceram do carro, todo mundo viu. A produção quis aumentar, mostrou o Anthony olhando, um produtor se abaixando. Isto me machucou e, para mim, foi olho gordo, não tem explicação, pois nunca aconteceu nada do tipo no Birosca.”





O restaurante, já há alguns anos, ocupa todo o imóvel em que nasceu. Remodelada, mas sem perder a ternura, a velha casa foi decorada com móveis antigos e objetos de brechó, alguns com uma pegada kitsch. 
Um piano completa o cenário – o instrumento voltará a ser utilizado assim que a música ao vivo for liberada na capital mineira. A varanda, com vista para a pracinha Joaquim Ferreira da Luz, garante um clima ainda maior de cidade do interior sempre que se ouve, ao fundo, o trem passar.

Hoje, com os protocolos sanitários, o Birosca conta com 25 mesas – de duas, quatro ou seis pessoas. Bruna acredita que tem pelo menos umas 40 guardadas no sítio do pai. São 15 funcionários, sete na cozinha. Esta área é ocupada só por mulheres, uma opção que a chef fez logo no início da empreitada. “Teve homem só nos primeiros meses, depois fui aprendendo que não fazia sentido.”

Coerência na cozinha 

Nestes 15 meses de pandemia, Bruna deu uma guinada em sua cozinha, que sempre primou por uma culinária que ela chama de afetiva. “Deixei o Birosca mais coerente, porque mesmo crescendo profissionalmente, tecnicamente, em alguns momentos, eu entregava pratos contemporâneos demais para a minha proposta. Entendi que a minha comida é afetiva e doméstica, que é diferente da regional.”





Com sua experiência, técnica e criatividade, Bruna incluiu no cardápio pratos considerados simples, como bife a rolê. O cardápio do Birosca, desde o início, sempre foi sazonal, com novos pratos a cada estação. “Sirvo o bife a rolê de uma carne em baixa temperatura com um molho superlegal de cogumelo. Minha referência forte se tornou a gastronomia de verdade, raiz, do caderninho da avó, da vizinha. Transformei esses pratos para um restaurante mais autoral.”

A cozinha afetiva de Bruna vem das receitas da mãe. “Ela não é boa cozinheira, mas tinha muitos cadernos de receita, das minhas avós e minha bisa, que eram excelentes.” Afeto, para Bruna, é o suflê de chuchu com queijo do pai, “um clássico da comida doméstica que é sucateado pela alta gastronomia. Cheguei até a servir suflê de liquidificador no restaurante.”


Desde muito nova, Bruna gostava de cozinha. Quando adolescente, estudou no Sebrae. Na época, com não mais do que 15 anos, pediu autorização e conseguiu um estágio no Taste Vin, desde sempre o mais respeitado restaurante francês de Belo Horizonte. Mais tarde, fez um novo estágio, no Vecchio Sogno. Mas diferentemente de outros jovens chefs, não estudou nem trabalhou fora do país.





Deixou o curso de música pela metade e abraçou todas as possibilidades do Birosca. “Tenho um trabalho de estudo e pesquisa extensos, o que foi me dando escola, pois pesquiso a partir dos maiores do mundo. Outra coisa que acontece são as trocas internas. Aprendo todo dia com a Mari (Mariana Schurt), que é minha subchef. Estamos formando um time muito forte.”

Bruna ainda fala do orgulho em receber novos vizinhos. Há dois anos foi o Capitão Leitão, que ocupou uma casa no quarteirão seguinte ao dela, na mesma rua Silvianópolis. Agora é o Mercado da Boca, que está inaugurando um novo espaço exatamente em frente ao Birosca.

“Santa Tereza sempre foi um bairro boêmio, mas de bares. A gastronomia estava meio adormecida. Penso que eu trouxe certo movimento para o bairro, algo que me dá muito orgulho”, afirma.

BIROSCA
Rua Silvianópolis, 483, Santa Tereza, (31) 2551-8310. Funcionamento: sábado (12/06), das 12h às 23h; domingo (13/06), das 12h às 16h. A partir da próxima semana: quintas e sextas das 18h às 22h; sábados, das 12h às 22h; e domingos, das 12h às 16h. 

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