Costuma-se aprender na escola que palíndromos são palavras ou frases cuja leitura se repete com o mesmo sentido de frente pra trás ou de trás pra frente, a exemplo de “radar” e “amor a Roma”. O escritor Ricardo Cambraia, mineiro de Campo Belo radicado em Brasília, recorreu a essa forma para sintetizar o complexo vaivém do cotidiano sociopolítico nacional. Popularizado nas redes sociais nos últimos três anos, “O palindromista” agora vira livro, lançado pela Editora Avá.
A afeição pela peculiar categoria narrativa vem de mais de 30 anos, quando o historiador, formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), trabalhava no Sindicato dos Bancários, em Belo Horizonte. Ele se mudou para Brasília, onde se aposentou como funcionário do Tribunal de Contas da União (TCU), levando com ele o hábito de criar palíndromos.
TWITTER
Há três anos, Cambraia passou a compartilhar suas criações no Twitter, sob a alcunha de O Palindromista. O livro reúne as principais delas, divididas em 16 temas, que vão (e voltam) da boemia ao amor, da pandemia à filosofia, da política à poética.
O interesse por palíndromos se deve a Chico Buarque, autor de “Até Reagan sibarita atira bisnaga ereta”. O escritor mineiro, de 59 anos, começou a elaborar suas criações nos tempos de sindicato, depois de ver a frase do compositor. Com o tempo, os palíndromos se tornaram uma forma de aliviar as dores de cabeça decorrentes de uma síndrome genética. A entrada no Twitter, em 2018, foi a convite do amigo Marcelo Bemerguy.
“Cheguei ao Twitter desavisado. Sabia o que era, mas não conhecia a dinâmica, os haters, toda a treta que rola. Comecei a postar alguns isolados, um por dia, e quase ninguém via. Até que veio o insight de comentar as notícias com palíndromos”, relata Cambraia, seguido por mais de 12 mil pessoas na plataforma. Algumas bem influentes, como os jornalistas Guga Chacra e Xico Sá, cujos depoimentos estão na contracapa do livro.
A criatividade das frases chama a atenção. Foi o caso de “Ame a danada ema”, publicada junto da marcante foto do presidente Jair Bolsonaro “oferecendo” cloroquina a uma ema. “A chave é o treino e a rede social me permite treinar bastante. A técnica básica é dominar as palavras palíndromas, como trama e Marta, lobo e bolo, vida e diva, que, associadas, facilitam o palíndromo”, ensina. Cambraia dá como exemplo a homenagem à jogadora de futebol Marta: “A diva é a loba da Marta e a trama da bola é a vida”.
“Com o tempo, isso se internaliza. Hoje é automático”, diz. E aponta a formação de uma comunidade de palindromistas na rede social em torno de sua página como o principal legado de sua produção. Recentemente, seu trabalho foi incluído em “Arara rara – Antologia de palíndromos”, de Fábio Aristimunho Vargas, lançado pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana. O volume inclui um estudo sobre essa arte.
“No começo, eu não tinha a habilidade que tenho hoje. Quando passei a comentar notícias, adquiri essa performance. Já cheguei a comentar 60 num só dia, e as melhores vão para a página no Instagram. Em três anos, tive um reconhecimento que não esperava”, afirma o palindromista, que se define como uma “espécie de cronista”.
“Alguém já disse que faço com o palíndromo o que o cartunista faz com o traço. Trabalho um pouco com o impacto da frase curta, que gera o riso associado a uma notícia, com mão mais crítica. Sou um cronista cartunista palindrômico da realidade”, diz Cambraia, que classifica seu livro como “o que há de melhor na minha palindromia construída nas redes sociais nos últimos três anos".
“O PALINDROMISTA”
.De Ricardo Cambraia
.Editora Avá
.140 páginas
.R$ 33