Com a presença física em teatros, casas de shows, galerias, salas de cinema e afins restringida – quando não impossibilitada – pela pandemia, o setor cultural sofreu, desde a chegada do coranavírus, um enorme baque.
Produtores de eventos, artistas e coletivos tiveram que se reinventar para oferecer, no formato remoto, experiências relevantes para o público. Esse movimento tem promovido, cada vez mais, uma aproximação entre diferentes expressões artísticas.
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E criadores em geral, de todas as áreas, têm apresentado obras que ignoram fronteiras – teatro, dança, música, performance, literatura, cinema, circo têm, muitas vezes, se fundido em espetáculos híbridos (as ferramentas do audiovisual, nesse aspecto, têm se tornado imprescindíveis, já que estamos falando de apresentações mediadas por uma tela).
A 10ª edição do festival Giro na Cidade, em curso até o próximo dia 20 em de Gonçalves, no Sul de Minas, reúne em sua programação cerca de 30 atrações, com shows, teatro, serestas, oficinas, mesas literárias e muito mais.
Com sua 4ª edição sendo realizada desde 4 de maio, e com programação que se estende até o fim deste mês, o Festival Cultura & Cidadania, que tem sua base em São João del-Rei, aposta em teatro, contação de histórias e oficinas de diferentes expressões, como artes visuais, música e literatura.
O Festival de Artes Integradas Pá na Pedra, criado em Ribeirão das Neves pelo Coletivo Semifusa, traz já em seu nome o propósito de abarcar uma variedade de manifestações artísticas. Sua 8ª edição foi realizada em maio deste ano.
O grupo Ponto de Partida, de Barbacena, está com as inscrições abertas para a edição 2021 de sua residência artística para atrizes e atores, que acontecerá de 5 de julho a 10 de setembro.
Os encontros especiais programados para os residentes, com nomes como Mônica Salmaso, Djamila Ribeiro, Tião Rocha, Márcio Abreu, Marina Colasanti, Andrea Nogueira, Wagner Moreira, Luís Melo, Éder Santos e Maurício Tizumba, dão uma ideia da interdisciplinaridade que o processo propõe.
"Sempre trabalhamos com uma estética multifacetada, a maioria dos nossos espetáculos são fincados na literatura, e como pesquisamos a cultura brasileira, a música também é um elemento fortíssimo. Na pandemia, a tela te restringe. A gente pesquisou muito e, claro, as ferramentas do audiovisual se tornaram fundamentais. O que acontece na pandemia é que a gente está descobrindo outros caminhos. Na residência, estamos pesquisando uma linguagem que funcione na telinha, que não seja uma coisa só gravada, como se fosse apenas um vídeo, e nem uma coisa teatral, porque não é, não tem o fundamental, que é a presença, o ator falando para alguém. Estamos tentando encontrar esse lugar. Esse é o desafio, encontrar uma linguagem que não existia ainda, que é uma mistura", diz Regina Bertola, diretora do Ponto de Partida.
Os encontros especiais programados para os residentes, com nomes como Mônica Salmaso, Djamila Ribeiro, Tião Rocha, Márcio Abreu, Marina Colasanti, Andrea Nogueira, Wagner Moreira, Luís Melo, Éder Santos e Maurício Tizumba, dão uma ideia da interdisciplinaridade que o processo propõe.
"Sempre trabalhamos com uma estética multifacetada, a maioria dos nossos espetáculos são fincados na literatura, e como pesquisamos a cultura brasileira, a música também é um elemento fortíssimo. Na pandemia, a tela te restringe. A gente pesquisou muito e, claro, as ferramentas do audiovisual se tornaram fundamentais. O que acontece na pandemia é que a gente está descobrindo outros caminhos. Na residência, estamos pesquisando uma linguagem que funcione na telinha, que não seja uma coisa só gravada, como se fosse apenas um vídeo, e nem uma coisa teatral, porque não é, não tem o fundamental, que é a presença, o ator falando para alguém. Estamos tentando encontrar esse lugar. Esse é o desafio, encontrar uma linguagem que não existia ainda, que é uma mistura", diz Regina Bertola, diretora do Ponto de Partida.
O hibridismo como marca
A busca pelo cruzamento de expressões artísticas está não só na programação de festivais, em workshops ou residências, mas também presente na concepção e no cerne de obras que, nos últimos tempos, têm vindo à público.A soprano Nívea Freitas, por exemplo, fechou recentemente o ciclo de seu projeto "Ophelia, a Histérica: 3 Canções, 3 Reflexões em 3 Episódios", que se consistiu em recitais camerísticos em roupagem audiovisual concebidos a partir da personagem presente em "Hamlet", de Shakespeare.
"Sou da área do canto lírico e sempre percebi uma dificuldade do público para se engajar com esse tipo de repertório. Desde quando estava no bacharelado, busquei criar meus recitais de uma forma mais conectada com o mundo atual, trazendo, por exemplo, elementos audiovisuais. Em certo momento da minha formação, fui estudar na Alemanha e desenvolvi um projeto que misturava uma peça de teatro grega, canções e uns filminhos de animação que a gente desenvolveu para essa apresentação. A ideia era para reformular esses conceitos estanques de concerto. Isso, que já vinha desde antes da pandemia, agora, com ela, se alastrou, porque todo mundo teve que se adaptar, para estar presente também através de outras linguagens", diz Nívea.
Duna Dias é outra artista que tem apresentado, em trabalhos esparsos e com seu Grupo Contemporâneo de Dança Livre (GCDL), que tem bases em Contagem e Belo Horizonte, diversos trabalhos que primam pelo hibridismo de expressões.
Uma de suas criações de videodança mais recente, "apto. 15", postado no canal do YouTube do GCDL, é um exemplo, na medida em que lida com experimentações envolvendo movimentações de câmera – incluindo planos sequência –, o uso de filtros analógicos, o desenvolvimento da fotografia com iluminação caseira e o flerte com a linguagem fantástica, do suspense e do terror.
"Uma das nossas características como grupo – e que vem muito antes da pandemia – é o gosto pelo não definível, pela fusão de linguagens, e também a valorização nos nossos processos de criação das múltiplas formações, experiências e histórias que nos constituem como artistas. Isso contribui para, cada vez mais, encontros entre expressões artísticas durante nossas criações. Com a pandemia, esse olhar para o virtual e a impossibilidade do encontro presencial intensificou esse nosso caminho. Ao trabalhar principalmente com videodança, vídeo arte e experimentos ao vivo, estamos nos aventurando e mergulhando num oceano de possibilidades que atravessam a dança, a performance, o audiovisual, a poesia, o som, a iluminação, tudo isso com uma intensidade muito maior", ressalta a artista.
"O que temos percebido é que muitas das nossas criações neste período são difíceis de classificar, colocar em caixas muitas vezes impostas pelos editais. E nos interessa muito esse entre – quando existe essa dúvida em onde a obra se encaixa, o que ela é. E é muito bom quando nós mesmos não decidimos totalmente. É uma provocação constante", completa Duna.