“Se é difícil para um artista viver de arte, como dizem por aí, não faz ideia do quanto é difícil viver sem arte!”. Com esta declaração, a atriz Mileide Moura, membro da companhia teatral Ovorini Carpintaria Cênica, de Sete Lagoas, resume a resistência de fazer esta arte na cidade da Região Central de Minas, que fica a 72 quilômetros de BH.
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Com as restrições e o isolamento social impostos para conter o avanço da COVID-19, há mais de um ano os artistas lutam para enfrentar as barreiras da distância.
Assim, a companhia Ovorini Carpintaria Cênica se manteve ativa de forma on-line, por meio de transmissões ao vivo de apresentações, lives com participantes dos grupos e interações nas redes sociais.
“Mas ainda bem que existe o “on-line” para ajudar a gente. Tive um professor uma vez que disse que em casos extremos, como guerras, por exemplo, a cultura é a primeira área a ser cortada, o que é verdade. Mas é justamente nesses momentos que a gente mais precisa ser lembrado dessa possibilidade de sonhar”, completou Mileide.
A companhia Ovorini Carpintaria Cênica, fundada em 13 de julho de 2012, prestes a completar seus 9 anos de existência, hoje conta com 11 integrantes. Recentemente foi premiada no Festival Nacional de Teatro de Guaçuí (ES).
Em sua 21ª edição, o grupo teatral sete-lagoano foi contemplado com o prêmio de Melhor espetáculo, pelo júri popular, com a peça “Estação Torrete” e de Melhor Ator na categoria Teatro para Infância e Juventude, para o ator Erick Pinguim.
Para o artista, que está na companhia desde 2013, este é o fruto de um esforço para o reconhecimento do teatro não apenas como entretenimento, mas uma ferramenta de transformação social.
“É de muita satisfação receber estes prêmios, principalmente o de melhor espetáculo da categoria eleito pelo júri popular. Reflete muito para nossa essência, que é trabalhar para um povo, fomentar um público que aceite nosso trabalho. E que sinta além da forma de entreter sabe, que compreenda nossa indignação e questionamentos”, disse.
Oficinas e intervenções
De modo semelhante, a Preqaria Cia de Teatro também segue na batalha para sobreviver em meio ao cenário difícil.
O grupo, fundado em 2006 em Belo Horizonte, atua fixamente em Sete Lagoas desde 2014 e encontrou nas intervenções e nas apresentações on-line a forma de se manter perto do público.
“Demos início a dois projetos: a "Quarentena PoetiQa", com vídeos no Youtube, e o "Sarau PoetiQo", que são reuniões por vídeo conferência, que acontece em todos os domingos desde março de 2020, e já forma 65 edições.”, explicou o ator e diretor João Valadares.
E as ações on-line estão a todo o vapor. No mês de julho, o grupo dará início à 8ª Temporada de Teatro de Sete Lagoas on-line, com apresentações ao vivo, além da retomada de aulas e ensaios presenciais no município.
Claro que tudo depende do cronograma de vacinação na cidade.
Claro que tudo depende do cronograma de vacinação na cidade.
“Estamos em processo de um novo espetáculo on-line. Sinto que estamos inventando um mercado. Formando público, empresas investidoras, artistas, entre outras, e por isso continuamos as atividades”, destacou João.
Cena teatral em ascensão
Sete Lagoas ainda apresenta uma cena teatral tímida, mas com potencial de ascensão. Atualmente, pelo menos quatro grupos estão ativos, mesmo com a pandemia e outras dificuldades, como a falta de apoio do poder público e investimentos na área de cultura.
“Em 2016, tínhamos 12 grupos ativos entre profissionais e amadores. Hoje, me parece que são quatro grupos ativos. Sim temos contato com todos eles, nos ajudamos muito. O que é bem difícil, mas talvez, como em todo lugar, em BH também não era nada mais fácil, apesar de ter mais gente fazendo”, afirmou Valadares.
Nascido por meio de uma oficina pedagógica na periferia, a companhia Ovorini Carpintaria Cênica é resultado de um projeto municipal feito pelo diretor, e professor na época, Alex Fabiano, que sentiu a necessidade de manter os alunos que saíam das oficinas e perdiam o contato com o teatro.
“Esse ano, o grupo completa 9 anos de existência e ainda passamos pelas mesmas dificuldades e até nos surpreendemos, descobrindo que temos a mesma fome de arte, de fazer algo, de agir, porque a gente sabe, pessoalmente, vindos de bairros periféricos, o quanto o fazer artístico, o teatro, pode mover a vida de alguém”, enfatizou Mileide.
A falta de políticas públicas em Sete Lagoas, cidade de 270 mil habitantes, mas que não tem um teatro físico, é a principal barreira do grupo, que encontrou nas ruas o palco para explorar e divulgar o trabalho.
“Por não existir este ponto de referência, então, sempre nos preocupamos com o que iríamos levar para rua, já que ali estávamos também neste trabalho de fomentação”, lembrou Erick Pinguim.
E por esse sentimento de união e resistência, desde 2014 os grupos teatrais sete lagoanos participam da temporada de teatro, uma programação gratuita que se estende ao longo de todo o ano, inclusive com cursos e oficinas em todo o município.
“Graças a iniciativas como essa, somadas com a força de trabalho dos espaços culturais da cidade, nossa cena vem fomentando um público diverso e interessado”, disse Rafa Martins.
Mas, felizmente, a aceitação do público é positiva, segundo o grupo. E tudo graças ao trabalho base de formação, como lembrou Mileide.
“A aceitação do público, ao meu ver, sempre foi muito boa, numa sensação de ‘uai, tem isso em Sete Lagoas?’. De alguma forma, aqui o trabalho é de base, de formação de público. Ao mesmo tempo que o público reage bem”, concluiu.