Jornal Estado de Minas

Homenageado da CineOP, Chico Diaz protagoniza filme que abre a mostra


Uma honra, mas também um acinte. Essas são as palavras que Chico Diaz, de 62 anos, utiliza para falar do convite para interpretar o personagem-título do filme de abertura da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, que começa a sua 16ª edição na quarta-feira (23/06) e, pelo segundo ano, exclusivamente virtual. A produção portuguesa “O ano da morte de Ricardo Reis”, de João Botelho, traz o ator – nascido na Cidade do México, filho de uma brasileira e um paraguaio – como protagonista da adaptação do romance homônimo de José Saramago. O longa fica disponível das 22h de quarta até o final da mostra.





“O convite partiu da Pilar (del Río, viúva do Nobel de Literatura) e do João Botelho. Foi muita ousadia e coragem terem me escolhido. Por que não um ator português? Um heterônimo de Fernando Pessoa inventado pelo Saramago e filmado em Portugal é prova de maturidade e um desafio muito alto”, afirma Diaz.

O ator é o homenageado da mostra, que vai exibir 10 títulos, curtas e longas, que abrangem sua produção desde a década de 1980 até os dias atuais. Diaz está no elenco de longas importantes, como “Os matadores” (1997), de Beto Brant, e “Amarelo manga” (2002), de Cláudio Assis.

A seleção ainda traz um filme da fase inicial da sua carreira, o drama “A cor do seu destino” (1986), de Jorge Durán, até seu primeiro protagonista de destaque no cinema, em “Corisco e Dadá” (1996), de Rosemberg Cariry. Ainda que não integre a mostra homenagem, “Baile perfumado”, que está na programação da CineOP, conta com Diaz no elenco.



Inédito, "O ano da morte de Ricardo Reis", de João Botelho, com Victoria Guerra (Marcenda) e Chico Diaz (Ricardo Reis), abre a mostra. Longa é inspirado em romance homônimo de Saramago (foto: CineOP/Divulgação Na foto, filme)

RENOVAÇÃO
“Eu sou da época da Kombi, das estradas poeirentas, das equipes pequenas e do filme como suporte. Nitidamente, quando comecei (no início dos anos 1980), tínhamos poucos núcleos de cinema. (Depois) Vi um desabrochar fundamental no país, com a chegada do suporte digital, que fez com que pipocassem festivais no Brasil e começassem a florescer centros de discussão, faculdades. De 2000 a 2020, vimos a realidade audiovisual no país. Histórias fundamentais para a gente se reconhecer como povo vieram à tona. Chegamos a 400 filmes por ano. (Atualmente) Parece que a nossa inteligência, a nossa cara, ofendem o poder. O Brasil que passamos a conhecer através do cinema está em tempos de espera. Agora é questão de espera e renovação”, afirma.

Ainda falando sobre “Ricardo Reis”, Diaz comenta que a maneira como João Botelho, veterano realizador português, trabalha foi surpreendente. “É um diretor extremamente rigoroso na questão da imagem. A psicologia dos atores não lhe interessa muito. Mas o rigor do quadro, da luz, o claro e o escuro, a posição em frente à câmera, sem interpretação nenhuma, permitiram um aprendizado muito interessante. E atento à realidade de 1936, quando os totalitarismos se aproximaram da Europa, com Salazar, Franco, Mussolini, Saramago colocou esse heterônimo de Fernando Pessoa como testemunha daquele ano, logo após a morte de Fernando Pessoa. A curva dramática é extremamente sofisticada, e exigiu estudos e anotações que eu nunca tinha atingido.”

Depois deste filme, o ator realizou outros projetos em Portugal, incluindo as filmagens de “Vermelho Monet”, de Halder Gomes, inédito. Na última semana, retornou àquele país, onde apresenta temporada do espetáculo “A lua vem da Ásia”, adaptação do romance homônimo do autor mineiro surrealista Campos de Carvalho. Encenado primeiramente há 10 anos, o espetáculo, que trata dos limites do poder e das hierarquias, foi remontado pelo ator neste ano para uma temporada on-line. O espetáculo terá duas sessões virtuais na CineOP, no domingo (27/6), às 19h e às 21h.



Mostra vai exibir 118 filmes, alguns deles estreantes, como o longa "Kunhangue Arandu: A sabedoria das mulheres", de Alberto Alvares e Cristina Floria (foto: Cristina Floria/Divulgação)

CURTA 
Além do longa português, outra produção recente que a mostra vai exibir é “Girassol vermelho – Filme em processo” (2021), de Eder Santos. O curta foi gerado a partir do longa “A casa do girassol vermelho”, adaptação da obra de Murilo Rubião rodada por Santos há alguns anos em Minas Gerais, mas que ainda não teve lançamento.

16ª CINEOP – MOSTRA DE CINEMA DE OURO PRETO
De quarta (23/06) a segunda (28/06) no site www.cineop.com.br. Gratuito

"Mata", de Fábio Nascimento e Ingrid Fadnes, também faz sua estreia na mostra de Ouro Preto (foto: CineOP/Divulgação)

Memória como eixo central da CineOP

 A memória, tanto como reverência ao passado, tradução para o presente e possibilidade de futuro, sempre foi o viés da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, que trabalha tais questões em uma extensa programação baseada em três eixos: preservação, história e educação.

Até a próxima segunda (28/06), serão exibidos 118 filmes, entre pré-estreias e mostras temáticas. Serão 32 longas, seis médias e 80 curtas-metragens do Brasil, Chile, Colômbia e Portugal. As sessões em ambiente digital serão gratuitas, assim como a programação periférica, que abrange debates, mesas-redondas, lives musicais, oficinas e masterclasses.





A Mostra Contemporânea, com longas inéditos no circuito, tem quatro programas, cada um com três títulos: “Indígenas e as imagens: Entre o passado e o presente”; “Os espaços e os vestígios da história”, sobre longas que evocam o passado, seja no ambiente em que foram filmados ou em sua própria relação com fatos já ocorridos; “Passado em investigação”, com trabalhos que têm a ditadura militar (1964-1985) como tema; e “Memórias das artes brasileiras”, com documentários sobre o diretor e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, a cantora e compositora Alzira Espíndola e o casal de pesquisadores e cineastas Conceição e Orlando Senna.

RETOMADA 
A Mostra Histórica, outro destaque da programação, vai se debruçar sobre a cinematografia nacional da década de 1990 por meio de 10 títulos. Alguns deles bastante conhecidos, como “Carlota Joaquina – Princesa do Brazil” (1995), de Carla Camurati, filme-símbolo da chamada retomada do cinema nacional pós-extinção da Embrafilme (1969-1990); e “Baile perfumado” (1996), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, que marcou o renascimento da produção pernambucana.

Fundadora e coordenadora da CineOP, Raquel Hallak comenta que a despeito das dificuldades da produção cultural em meio à crise sanitária, a realização de eventos virtuais tem ganhos que terão que ser levados em conta no cenário pós-pandemia.





“Um é a escala que o evento toma. Ele se torna mais abrangente, já que o público não precisa sair de onde está. A segunda é o compartilhamento de conteúdo, fazendo com que a mostra não termine quando acaba. Presencialmente, era muito caro filmar, editar e disponibilizar o material, e a demanda (pelo conteúdo de debates) já existia (antes da pandemia). E a terceira é que você passa a conhecer quem frequenta seu evento, sabe que filmes foram assistidos do início ao fim, ter um perfil do usuário”, diz ela.

PÚBLICO VIRTUAL 
Desde a pandemia, a Universo Produção, que realiza a CineOP, a Mostra CineBH e a Mostra de Cinema de Tiradentes, já comandou quatro eventos virtuais de cinema, além deste, que começa esta semana. Ao contrário da maior parte dos festivais do gênero, geralmente com o streaming restrito ao território brasileiro, os coordenados por Raquel são exibidos em todo o mundo.

No formato presencial, a CineOP tinha, em média, um público total de 15 mil pessoas. Na versão virtual de 2020, em setembro, o evento teve, durante cinco dias, 116 mil visualizações de 54 países. A Mostra de Tiradentes, em janeiro, teve 550 mil visualizações de 92 países em nove dias.  “A tendência não é só ampliar o número, mas também criar uma nova cultura. O próximo desafio é achar um equilíbrio entre o que será presencial e o que será on-line”, finaliza ela. 

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