Várias cenas de nudez masculina, sequências extensas de sexo, algumas com extrema violência. Aparentemente, “Sauvage” é um filme sobre a difícil vida de um garoto de programa na França. Mas não é essa a questão central do primeiro longa-metragem do cineasta francês Camille Vidal-Naquet, que estreia nesta quinta-feira (24/06), na plataforma Reserva Imovision.
“Meu ponto de partida foi tratar da liberdade. Queria fazer um filme sobre o pária, alguém que não tem qualquer coisa e não pertence a lugar nenhum. Por um lado, isso dá medo. Mas também dá sensação de liberdade, pela qual se paga um preço muito caro”, afirma o diretor.
''O corpo é essencial no filme, porque é o instrumento de trabalho dos personagens. O protagonista tem o corpo marcado, as pessoas batem nele, sua vida é extremamente difícil nas ruas. Ao mesmo tempo, no entanto, esse corpo é objeto de desejo''
Camille Vidal-Naquet, diretor
CRACK
Lançado no Festival de Cannes em 2018 e inédito no circuito brasileiro, o longa acompanha Léo (Félix Maritaud, que ganhou o prêmio Louis Roederer Foundation, da Quinzena dos Realizadores), garoto de 20 e poucos anos que se prostitui nas ruas, onde mora. Vive sozinho, mal toma banho, é viciado em crack e tem também problemas respiratórios.À sua maneira, no entanto, essa é uma vida satisfatória. Quando o colega oferece a Léo um celular roubado, ele dispensa o “presente”. Para que telefone, se não tem para quem ligar? Passando de cliente para cliente e convivendo com outros que vendem o corpo por dinheiro, Léo sente falta de carinho, que pensa encontrar na figura de um colega, por quem fica obcecado.
“No início do projeto, pensei na história sobre um sem-teto, personagem à procura do amor em um mundo violento”, explica Vidal-Naquet. Porém, o diretor mudou o foco para tratar da vida dos garotos de programa por causa da invisibilidade desses personagens, tanto na vida real quanto no cinema.
“As prostitutas são tratadas de maneira natural. Mas quando se fala em homem nas ruas, é mais complicado, há pessoas que negam essa realidade, o que me surpreendeu”, comenta.
Filmando com a câmera muito próxima dos atores e várias sequências ambientadas na rua, quase de forma documental, o cineasta deu particular atenção aos corpos. Não somente ao corpo nu, mas também machucado.
“O corpo é essencial no filme, porque é o instrumento de trabalho dos personagens. O protagonista tem o corpo marcado, as pessoas batem nele, sua vida é extremamente difícil nas ruas. Ao mesmo tempo, no entanto, esse corpo é objeto de desejo. Para mim, é uma contradição”, afirma Vidal-Naquet.
Duas sequências, rodadas em um clube com luz estroboscópica mostram o corpo livre. “Ali você vê a resistência desses corpos, fortes, poderosos e com energia”, continua o cineasta. Antes das filmagens, os atores que interpretam garotos de programa fizeram workshop com um coreógrafo.
“'Sauvage' é um filme violento, difícil de fazer. Queria que os atores entendessem que, apesar das dificuldades, eles teriam que demonstrar um pouco de ternura. Então, todos passaram por um processo com o coreógrafo, o que não ocorreu com aqueles que interpretam clientes. Esses são pesados, sem graça, enquanto os atores que fazem os garotos de programa sabem como lidar com seus corpos.”
CANNES “Sauvage” foi rodado em Estrasburgo, Norte de França – no filme, não há referência a nenhuma cidade ou local específico. Para selecionar seu protagonista, Vidal-Naquet pensou que teria dificuldade. Mas não. Por sugestão de um colega, fez contato com Félix Maritaud, que havia terminado de filmar “120 batimentos por minuto” (de 2017, sobre a epidemia da Aids nos anos 1990, vencedor de vários prêmios César, além do Festival de Cannes).
“Quando ele leu o roteiro, foi surpreendente como entendeu tudo. Félix considerou tudo de maneira normal. Achei que teria de convencê-lo a fazer o papel, mas ele vibrou com o personagem. Não julgou, em momento algum, as ações de Léo. E me disse que achava interessante falar dos homens na rua, tema de que ninguém fala”, finaliza Vidal-Naquet.
“SAUVAGE”
• O filme de Camille Vidal-Naquet está disponível no Reserva Imovision (reservaimovision.com.br).
Plataformas exibem raridades
Plataformas de streaming voltadas para o cinema autoral oferecem lançamentos semanais, boa parte deles inéditos ou raros no circuito comercial. A Reserva Imovision lança na sexta-feira (25/06) sete títulos do cineasta japonês Hirokazu Koreeda, autor de “Assunto de família” (2018), filme vencedor da Palma de Ouro, em Cannes.
Além desse título, estarão disponíveis “Boneca inflável” (2009), “O que eu mais desejo” (2011), “Pais e filhos” (2013), “Nossa irmã mais nova” (2015), “Depois da tempestade” (2016) e “O terceiro assassinato” (2017).
Em seus filmes, Koreeda aborda fraturas da sociedade japonesa por meio de dramas familiares que tratam de temas como a solidão e a morte.
Também amanhã, a Supo Mungam Plus (supomungamplus.com.br) disponibiliza o francês “Algo acontece” (2018), de Anne Alix, inédito no Brasil.
O filme destaca o encontro de Irma, que não acha seu lugar no mundo, com Dolores, mulher livre que escreve um guia de viagem numa região esquecida da Provença.
HUNGRIA
Os outros lançamentos da semana da plataforma integram a grade “Clássicos da Hungria”, que reúne títulos restaurados. “O meu século 20” (1989), da cineasta Ildikó Enyedi, vencedor da Câmera de Ouro do Festival de Cannes, acompanha gêmeas separadas na infância, que se reencontram adultas.Já “Praça Moscou” (2001), de Feren Török, é uma comédia dramática sobre adolescentes que vivem seu cotidiano alheios ao ano de 1989, quando a Hungria rompeu a Cortina de Ferro, abrindo-se para o Ocidente.