Fazer a releitura de um dos maiores clássicos da literatura brasileira, subvertendo sentidos propostos por ninguém menos que Machado de Assis. Adicione-se a isso desenvolver um espetáculo performático no formato virtual em plena pandemia. Estes foram os desafios enfrentados por Nadiana Carvalho, Priscila Rangel e Graziê, as realizadoras da websérie “Ressaca”.
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“Dentro das realidades de cada mulher, dessas pluralidades, todas elas, de alguma forma, vivenciam o processo que a gente chama de Capitu”, diz Nadiana Carvalho, responsável pela direção de arte da websérie.
“É o estado de embate contra toda uma estrutura que caracteriza a violência, as invisibilidades e as repressões pelas quais a mulher passa”, explica.
A cantora Grazie, responsável pela trilha sonora, lembra que, no livro de Machado de Assis, o termo ressaca remete ao fenômeno marítimo. “Machado usa o adjetivo para caracterizar Capitu como alguém que enfrenta o caos interior em meio à calmaria exterior. A gente subverte esse conceito, trazendo a ressaca da embriaguez. Ou seja, a ressaca do cansaço, de não se permitir a pausa, de estar sempre na labuta. Isso é um pouco da Capitu que temos em todas nós”, afirma Graziê.
Cada idealizadora conferiu seu próprio toque artístico à websérie, que alterna momentos de áudio, dança e música.
A trilha sonora se baseia no álbum “Prefácio”, da banda autoral mineira Projeto Capitu, integrada por Graziê, Arthur Leonel, Pamela Mel e Hugo Vaz. Uma das canções imagina a visão da protagonista sobre os acontecimentos de “Dom Casmurro”.
“Os olhos que falavam as verdades/ Na sua cara me fizeram dissimulada/ Julgados pela fala de quem nunca soube nada/ Sobre o que é ser mulher (…)/ Bentinho seja inteiro/ Porque um gesto corriqueiro não quer dizer nada/ Penteia o meu cabelo para essa trama não me cansar”, diz a letra de “Ressaca”.
Priscila Rangel, que cuidou da coreografia da websérie, enfrentou o desafio de criar e visualizar os movimentos a distância. “A maioria do grupo vem das danças de salão, que é a dança do contato. Por isso foi muito difícil fazer tudo através da tela. Por conta disso, a gente foi muito para a linguagem do improviso”, revela.
Priscila, Nadiana e as dançarinas buscaram relacionar o movimento dos corpos com o conceito de ressaca, de cansaço. “Tentei trabalhar com a pesquisa corporal de cada Capitu. A proposta era ter liberdade para trazer o subjetivo de cada dançarina, construindo o diálogo com o embate diário que a gente trava com uma sociedade opressora”, diz Priscila Rangel.
DIÁLOGO
“É um espetáculo performático por dois aspectos: o diálogo de diferentes linguagens artísticas e por trazer um contexto que evidencia as vivências reais de cada dançarina”, observa Nadiana Carvalho.
Conduzindo o roteiro da websérie, os capítulos trazem falas gravadas de mulheres das famílias dos artistas envolvidos. Servindo como fio condutor do espetáculo, as falas revelam a realidade vivida por mães, tias e avós.
“Os áudios tinham o intuito de ser complemento, mas ganharam papel de destaque e acabaram servindo como o norte para toda a série”, conclui Graziê.
*Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria