Cassandra não pode reclamar da vida. Depois de muita labuta, conseguiu seu próprio apartamento. O emprego, como motogirl, dá para pagar as contas enquanto ela sonha alto. Quer mesmo é fazer sucesso como cantora. Enquanto a fama não chega, diverte-se com os amigos e com o namorado, Ivaldo. Até que o passado bate à porta, na figura de um garotinho.
Esse é o mote de “Manhãs de setembro”, série nacional em cinco episódios da Amazon Prime Video que estreia nesta sexta-feira (25/06). Cassandra é mulher trans, primeiro papel na TV da cantora Liniker.
O garoto que bate em sua porta é Gersinho (Gustavo Coelho), filho de Leide (Karine Teles) e da própria Cassandra – as duas tiveram um relacionamento antes da transição, quando a personagem se chamava Clóvis. A reviravolta na vida da protagonista é enorme com a chegada do filho que só foi conhecer passados 10 anos de seu nascimento.
MARGEM
“O que mais me atraiu foi criar a personagem com uma relação humana e social que não está encaixotada nas narrativas que colocam as pessoas trans sempre à margem, em situação de perigo e violência”, afirma Liniker.O título da série foi tirado de uma canção de Vanusa (1947-2020), musa da protagonista. Em início de carreira, Cassandra tenta emplacar as músicas da cantora nas boates.
A equipe da série conta com profissionais trans, entre elas a roteirista Alice Marcone. “É uma produção pautada pelo afeto, que chega aos lares dos brasileiros e de todo o mundo. Ao construir uma ideia de família, ela cria a inclusão, mostra que é possível ser quem eu sou”, diz Marcone, acrescentando que a vida de uma pessoa trans não termina quando ela faz a transição. “Não é reduzida a processos cirúrgicos e hormonais.”
“Manhãs de setembro” foi rodada no segundo semestre de 2020. A trama é ambientada no Centro de São Paulo, mas as gravações ocorreram em Montevidéu, no Uruguai.
“Estávamos prontos para filmar em São Paulo quando veio a pandemia. Não queria a cidade dos cartões-postais, mas o centro de prédios superpopulosos, da multiplicidade de imigrantes, das colisões estéticas”, afirma o diretor Luís Pinheiro.
Na impossibilidade de gravar na capital paulista, toda a produção foi transferida para o país vizinho, cuja área central se assemelha ao cenário que Pinheiro imaginava para a série. “Filmamos em Montevidéu com uma tranquilidade incrível, mas não buscando retratar o belo, e sim texturas desgastadas, que convinham para a nossa história”, completa.
A metrópole brasileira é reconhecível em algumas cenas, feitas com planos gerais realizados posteriormente.
Com a crise sanitária, todos os contatos iniciais entre equipe e elenco ocorreram a distância. A Leide de Karine Teles é uma sem-teto que vive como camelô e mora num carro velho com o filho Gersinho.
“Minha personagem reflete a realidade de milhões de brasileiros. (Com a pandemia) Mais pessoas estão desempregadas, morando na rua”, afirma Karine. A série ainda traz participações de Gero Camilo e Paulo Miklos.
No meio das gravações, a equipe recebeu a notícia da morte de Vanusa, em 20 de novembro de 2020. “Ela não é só uma cantora para a Cassandra, é um porto seguro. A personagem cria uma relação bastante familiar com a 'ídola'”, conta Liniker, que pesquisou o repertório e a trajetória da artista. “Quando soubemos da morte dela, tivemos uma experiência muito intensa no set”, revela.
CLIPE
Liniker gravou canções do repertório de Vanusa, entre elas “Como vai você” (Antônio Marcos e Mário Marcos), que ganhou clipe para promover a série.“Manhãs de setembro” será lançada simultaneamente em todo o mundo. Atrizes trans dublam a protagonista em italiano, alemão e japonês.
“Espero que esta seja a primeira de muitas narrativas em que personagens trans possam ser humanizadas. A responsabilidade disso é de quem está à frente do audiovisual, porque a nossa responsabilidade (das pessoas trans) diária é sobreviver”, finaliza Liniker.
“MANHÃS DE SETEMBRO”
• A série, com cinco episódios, estreia nesta sexta-feira (25/06), na Amazon Prime Video