O dia 28 de junho de 1969 ficou marcado pela invasão violenta e discriminatória do bar Stonewall Inn pela polícia de Nova York. A resistência dos frequentadores à truculenta abordagem homofóbica entrou para a história, e a data passou a ser celebrada em todo o mundo como símbolo da luta pelo respeito à diversidade e à tolerância. Nesta segunda-feira, Dia do Orgulho LGBTQIA%2b, artistas que movimentam a cena cultural de Belo Horizonte contam como buscam fazer a diferença em favor de uma sociedade mais representativa, mesmo em tempos de pandemia.
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Nova edição de 'Elvis & Madona' se adapta ao avanço do movimento LGBTExposição 'Aqueles (In)visíveis'; retrata visibilidade LGBTQIA+ nos séculosCinecipó destaca filmes de indígenas, negros e artistas LGBTQIA+Peças do projeto on-line 'Entre homens' discutem a violência homofóbicaLua Zanella lança clipe 'Iara' e canta o orgulho de ser mulher transPESQUISA “A companhia surgiu por conta do trabalho de conclusão de curso do ator Rafael Bacelar. Dali veio a nossa primeira peça, 'No soy un Maricón'. Desde ali a gente já entendeu que isso não seria uma simples composição da companhia, formada em sua maioria por homens gays, mas também um tema de pesquisa”, explica David Maurity, ator e um dos fundadores da Toda Deseo. Atualmente, a companhia é formada também por mulheres bissexuais, travestis e pessoas de outros gêneros.
Nessa caminhada, a Toda Deseo ocupou diversos espaços por meio das artes cênicas, especialmente as ruas. A “Gaymada” é consequência disso. “Com ela, atingimos público muito maior, que não era necessariamente o do teatro. Na verdade, a 'Gaymada' funcionou como instrumento de formação de novos públicos e tornou a Toda Deseo ainda mais conhecida, a ponto de levar nossos trabalhos para outras cidades”, diz Maurity.
“Começamos falando de como as figuras LGBTQIA entendem esse corpo na sociedade, mas houve a virada no nosso pensamento, pois só falar da questão do corpo e das vivências não seria suficiente para as pessoas entenderem as nossas urgências e necessidades”, explica o ator.
Alguns espetáculos procuram questionar o papel das instituições que colaboram para a manutenção do pensamento arcaico e preconceituoso. “Tivemos o 'Nossa Senhora (do Horto)' e o 'Glória', sobre religião, confrontando a ideia reproduzida por alguns de que ser LGBT é errado, pecaminoso ou algo que não deveria existir”, diz David Maurity, referindo-se a montagens lançadas entre 2016 e 2018.
Em 2019, o grupo encenou “Quem é você?”, a primeira peça infantil da Toda Deseo. A temática é ligada ao autoconhecimento e ao enfrentamento dos medos inerentes à infância.
Maurity se orgulha do trabalho da companhia. “Claro que não conseguimos falar de todas as vivências LGBTQIA , mas as que incluímos no teatro fazem com que as pessoas entendam essas existências, como elas são múltiplas e estão presentes em todas as áreas da sociedade”,afirma. “Não somos minoria. Tentamos trazer questões para mostrar como a violência está muito presente, destacando como essas pessoas são parte fundamental na construção social”, argumenta.
Estreia Durante a pandemia, a Toda Deseo também ocupa espaços virtuais. O grupo adaptou e gravou algumas de suas peças para exibição on-line, além de estrear a performance solo “Conselheira”, de Juliana Abreu.
Além disso, deu sequência ao projeto “Chá das primas”, agora realizado via plataforma Zoom, promovendo encontros e conversas entre pessoas envolvidas com as artes cênicas.
O efervescente carnaval de rua de BH também deu lugar a experiências voltadas para a inclusão das diversidades. Em 2018, foi criado o bloco Truck do Desejo, que logo expandiu suas atividades e se configurou como “coletivo de mulheres lésbicas e bissexuais, cis ou trans, feministas, antirracistas, antifascistas e trans-inclusivas”. A definição extensa condiz com a proposta abrangente e transformadora empreendida pelo grupo.
Isabella Figueira, coordenadora e uma das regentes do bloco, conta que tudo começou entre amigas que sentiam falta de espaço para mulheres LBT (lésbicas, bissexuais e trans) “carnavalizarem sem medo e sem preconceito”. Assim que as primeiras oficinas musicais surgiram, outras se juntaram e logo o bloco ultrapassava 100 integrantes.
“À medida que fomos crescendo em alcance e visibilidade, o bloco se entendeu como plataforma política, de educação e produção de conteúdos, para além do carnaval. Cresceu muito o número de envolvidas, foi marcante a variedade de experiências. Várias mulheres saíram pela primeira vez para tocar e se divertir. Conseguimos criar um espaço de apoio mútuo, resistência e confiança”, explica Isabella.
Fernanda Polse, cantora e diretora artística do Truck do Desejo, diz que “representatividade pode ser uma palavra batida, mas é real, ela salva vidas”. Isso ficou evidente em três anos de atividades. “Isso é um legado para a história de BH, na medida em que ajudamos outras mulheres a sobreviver neste mundo que não quer que a gente exista e festeje”, diz Fernanda, destacando o acolhimento às mulheres trans e outras diversidades.
REDE Truck do Desejo participou de festivais, shows e gravou músicas, entre outras iniciativas. Mas o principal, segundo as integrantes, é a rede de fortalecimento. Durante a pandemia, com a impossibilidade de realizar eventos presenciais, o coletivo pôs em prática o apoio a outras mulheres.
“Quando falamos de pandemia, as mais impactadas são as mulheres marginalizadas, negras, trans, chefes de família”, lembra Fernanda. O grupo se organizou como espaço de proteção à vida, explica ela.
A campanha Truck Solidária arrecadou cerca de R$ 20 mil, convertidos em cestas básicas para 214 mulheres em situação de vulnerabilidade e suas famílias. “A meta era R$ 5 mil, mas em 45 dias arrecadamos mais. Isso mostra a força do coletivo”, ressalta Isabella. “Nosso próximo passo é criar um programa de amparo psicoterapêutico para mulheres do bloco e as que convivem com elas, como familiares, namoradas e companheiras.”
plataforma A expansão das atividades também foi o caminho da @Bsurda, criada em 2009 como festa itinerante em boates, mas que logo ganhou as ruas de BH. Atualmente, o produtor e fundador Ed Luiz prefere defini-la como “plataforma”, devido à pluralidade de ações, sempre tendo como foco a promoção da diversidade LGBTQIA .
“Hoje, a gente pode falar com orgulho que somos assumidamente uma proposta LGBTQIA que contempla todas as letras da sigla”, afirma o DJ. Além das festas, que ocorriam em lugares abertos e no carnaval, o grupo encampa ações afirmativas. Durante a pandemia, foi criada uma clínica virtual de atendimento psicoterapêutico, com cinco profissionais à disposição do público.
Depois de 12 anos na ativa, Ed vê a ocupação de espaços como grande conquista. “Fomos a primeira festa a fazer evento LGBTQIA no Mineirão. Saímos no carnaval, mesmo sem ter bateria. Saímos com trio financiado de forma independente e sem patrocínio, com a ajuda do público, numa campanha de arrecadação. Já estivemos na Parada do Orgulho LGBT de BH. Isso tudo sem um foco específico, abraçando toda a diversidade”, argumenta o DJ e produtor.
Impossibilitada de voltar às ruas, a @Brsurda segue atuando em ambientes virtuais. Reforçando campanhas para que as pessoas fiquem em casa e se protejam da COVID-19, o grupo promove discotecagens virtuais. A última ocorreu neste fim de semana, durante a 2ª Parada Virtual LGBTQIA realizada em Belo Horizonte.
NAS REDES
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Saiba mais - Entenda a sigla lgbtqia
Mais que sigla, LGBTQIA é símbolo da luta em favor da diversidade. O “L” representa a lésbica, mulher que sente atração por outra mulher. “G” vem de gay, homem que sente atração por outro homem. “B” remete ao bissexual, homem ou mulher que sente atração tanto pelo gênero masculino quanto pelo feminino.
“T” se refere à transexualidade – pessoas que não se identificam com o gênero atribuído a elas quando nasceram. “Q” remete às pessoas queer, como drag queens, para quem a orientação sexual e a identidade de gênero não decorrem da biologia, mas da construção social. “I” está relacionado à pessoa intersexo, que está entre o feminino e o masculino e não se enquadra na norma binária (masculino/feminino). “A” contempla quem não sente atração sexual por outras pessoas, independentemente do gênero. O sinal “ ” inclui outros grupos – como os pansexuais, que sentem atração por outras pessoas, independentemente do gênero.