Jornal Estado de Minas

NA ESTANTE

Cinema autoral inspira livros de Quentin Tarantino e André Novais Oliveira


Ao longo da história do cinema, livros deram origem aos mais variados tipos de filmes, inclusive alguns dos mais premiados com o Oscar. Contudo, histórias originalmente criadas por cineastas se mostram fascinantes a ponto de trilhar o caminho contrário, ganhando as páginas de publicações após o sucesso nas telas. É o caso de “Era uma vez em...Hollywood”, escrito, dirigido e agora publicado por Quentin Tarantino.





Lançado no Brasil pela editora Intrínseca, com tradução de André Czarnobai, o primeiro romance de Tarantino expande a trama principal do longa-metragem vencedor de duas estatuetas do Oscar em 2020: Melhor ator coadjuvante, para Brad Pitt, e Melhor direção de arte, para Barbara Ling e Nancy Haigh.

Não se trata de mera adaptação da história para outro formato, declarou Tarantino em entrevista ao Pure Cinema Podcast, apresentado por Elric Kane e Brian Saur.

“Não foi apenas um repensar jogando (no livro) algumas cenas que ficaram fora da sala de edição. Fiz muita pesquisa, eu o escrevi por cinco anos. Havia tanta coisa que escrevi e explorei e nem mesmo digitei, porque não havia nenhuma maneira de isso ir para o filme. Mas foi uma edificação, que me fez entender os personagens, me fez aprender coisas sobre eles”, explicou Tarantino, que já trabalhava no romance antes mesmo de levar a ideia para o cinema.

Romanesco
 “Estou tentando contar uma versão romanesca dos personagens. Se o livro existisse primeiro, então o filme seria eu fazendo um longa a partir desse material. Sabe quando você pega um romance pesado e tenta transformá-lo em um filme? Bem, para mim, o filme é isso. Esta é a versão pesada do filme”, escreve ele.





A definição usada por Tarantino bate com o tamanho do livro: 560 páginas. Na maior parte, há muitos diálogos – característica recorrente de seus longas. Parte deles entre Rick Dalton, o astro decadente de faroeste em profunda crise existencial, interpretado por Leonardo DiCaprio, e seu dublê e amigo Cliff Booth, papel de Brad Pitt.

No romance, a dupla dialoga com personagens que não aparecem no longa, mas de grande importância na Hollywood dos anos 1970, cenário da trama. Se as cenas do longa contam com vários recursos de figurino, edição e da premiada direção de arte, no livro toda essa construção se dá por meio de palavras e conversas.

Algumas passagens mais curtas do filme ganham profundidade no romance. E os personagens, novas possibilidades. Sobretudo Booth, cuja trajetória, no longa, é cercada de mistérios sobre o passado, não totalmente revelados. No romance, o leitor conhece mais sobre as origens do dublê, entende como ele se tornou amigo de Dalton e o que esconde. Com o personagem dissociado da interpretação de Brad Pitt, surge outra percepção sobre suas motivações.





Por outro lado, a ação das figuras ligadas a Charles Manson é muito mais detalhada no livro. Se em sua filmografia Quentin Tarantino surpreende com reviravoltas e finais inesperados, na estreia como romancista há nova configuração relacionada ao desfecho de “Era uma vez...”.

MINAS 
Nos últimos anos, o cinema mineiro extrapolou fronteiras e ganhou o mundo, especialmente por meio de produções da Filmes de Plástico, sediada em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Temporada”, um dos longas da produtora, escrito e dirigido por André Novais Oliveira, teve grande trajetória em festivais internacionais – entre eles, Locarno, na Suíça; Torino, na Itália; e IndieLisboa, em Portugal. O longa acompanha a nova fase da vida de Juliana (Grace Passô), que se muda de Itaúna, no interior de Minas Gerais, para Contagem, onde arruma novo emprego.

A base da trama foi registrada pelo cineasta nas páginas de “Roteiro e diário de produção de um filme chamado 'Temporada'”, que chega ao mercado pela Editora Javali.

Na primeira página, Oliveira explica o que pretendia com o trabalho: “Este diário parte de três coisas. Primeiro, da vontade de escrever um livro (plantar uma árvore, ter um filho…). Segundo, porque eu sempre achei que se aprende muito com o relato de alguém da sua área, seja para tentar fazer algo parecido ou querer fazer exatamente o contrário. Ou, no mínimo, para refletir sobre o pensamento ou ação de alguém que trabalha com a mesma coisa que você. Terceiro, porque um dia eu li os diários de Carolina Maria de Jesus (mais precisamente, 'Quarto de despejo' e 'Casa de alvenaria') e fiquei muito comovido, quis tentar ser mais um negro a engrossar esse caldo e escrever algo”.





Em 224 páginas, André Novais Oliveira expõe a rotina da pré-produção de “Temporada”. A cronologia do diário começa em 18 de janeiro de 2018, quando ele confidencia suas primeiras impressões sobre o roteiro que ainda desenvolvia. Em seguida, outros detalhes vão sendo revelados, como o acerto com a atriz Grace Passô para o papel principal e a citação do filme “Patterson”, de Jim Jarmusch, como referência.

Outras minúcias do dia a dia, marcado por encontros com os parceiros da Filmes de Plástico, também fazem parte da linha do tempo, assim como revelações sobre outros trabalhos do cineasta naquela época, além de detalhes do momento em que o tratamento final do roteiro foi concluído, em julho de 2017. O texto é publicado na íntegra, em cerca de 80 páginas, cena a cena.

Nas páginas finais, o cineasta volta a compartilhar seu diário, inclusive os registros feitos por ele sobre os dias de filmagem e pós-produção até a estreia, no Festival Internacional de Cinema de Locarno.





“O livro acrescenta ao filme essa abertura dos processos, de contar tudo do jeito que foi”, comenta André Novais Oliveira. Segundo ele, a ideia é possibilitar ao público acesso a informações detalhadas do processo produtivo.

“Quem assiste ao meu filme, ou a qualquer filme, tem a curiosidade de saber como ele foi feito, como foi filmado, como foi o processo de elenco. É por aí: mostrar de maneira sincera a visão do diretor”, explica.

Livro de André Novais Oliveira explica como foi a contratação de Grace Passô para "Temporada" (foto: Thiago Macedo Correia/divulgação )


FORMAÇÃO 
Embora seja destinado ao público em geral, Oliveira destaca o papel do livro para a formação de realizadores. “Na Filmes de Plástico, temos experiências diversas, bem variadas, de ministrar oficinas, participar de laboratórios de criação, dar consultorias, etc. Nesses processos, sempre vamos conhecendo pessoas que estão começando e têm curiosidade específica sobre, por exemplo, como um filme é finalizado. Ou sobre o simples fato de conhecer as angústias que encaramos ao escrever um roteiro. Meu livro é nesse sentido, ele traz detalhes de um processo que, às vezes, não são falados em um curso de cinema”, esclarece.





O cineasta enfatiza que não se trata de um manual com “o jeito certo de fazer roteiros”, mas o compartilhamento da experiência genuína de um diretor e de uma produtora inseridos na delicada situação política e econômica do Brasil, sobretudo em relação à produção cinematográfica dos últimos anos. Fruto das anotações pessoais de André Novais Oliveira, o livro foi viabilizado pela Lei Aldir Blanc.

“ERA UMA VEZ EM... HOLLYWOOD” 
.De Quentin Tarantino
.Intrínseca
.560 páginas
.R$ 49,90 (livro)
.R$ 34,90 (e-book)

“ROTEIRO E DIÁRIO DE PRODUÇÃO DE UM FILME CHAMADO TEMPORADA”
.De André Novais Oliveira
.Editora Javali
.224 páginas
.R$ 35
.À venda no site https://www.editorajavali.com

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