Jornal Estado de Minas

'ELE TEM QUE SAIR'

Protestos: 'Se opor a Bolsonaro é higiene moral', diz Lobão, que apoiou presidente e hoje é a favor de manifestações



 

Para o cantor e compositor Lobão, que votou em Jair Bolsonaro e foi um dos artistas mais engajados na eleição de 2018, o impeachment do presidente deveria ser a "prioridade zero" do Brasil no momento.





Segundo ele, o governo federal é uma "virtuose na merda" e se opor a ele é uma questão de "higiene moral".

"Chegou uma hora em que a gente precisa tirar esse cara. Ele tem que sair de qualquer jeito", disse, em entrevista à BBC News Brasil, por telefone.

Nos últimos dias, Lobão está produzindo um novo disco triplo, a ser lançado nos próximos meses. Já em sua conta no Twitter ele tem compartilhado diversas mensagens de apoio às manifestações que pedem a saída do presidente. Segundo a organização, estão previstos atos em mais de 160 cidades do Brasil neste sábado (3/7), além de dezenas no exterior.

Partidos e movimentos de centro-direita ou direita, como o PSDB e o Movimento Brasil Livre (MBL), não devem participar das manifestações. Nesta semana, parlamentares de esquerda e de direita, como Gleisi Hoffmann (PT) e Kim Kataguiri (DEM), se uniram para apresentar um novo pedido de impeachment contra o mandatário.





Dessa vez, o pedido imputa a Bolsonaro 23 crimes previstos na lei 1.079/50, conhecida como Lei do Impeachment. Entre eles, cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, tentar dissolver o Congresso Nacional, atrapalhar investigações, violar o direito à vida dos cidadãos na pandemia, incitar militares à desobediência à lei e não agir contra subordinados que agem ilegalmente.

Até o momento, o presidente Jair Bolsonaro tem minimizado os atos contra si e participado de atos pró-governo, como demonstração de força. Em sua live mais recente, em 1° de julho, ele ironizou o "superimpeachment". "Quem não tem o que fazer fica tentando atrapalhar a vida de quem produz", declarou.

Já Lobão afirma que apoia os protestos deste sábado, mas não vai comparecer por receio de se infectar com a covid. "Não vou porque tomei só uma dose da vacina. A mãe da minha mulher está morando com a gente. Não posso bobear. Quando eu tomar a segunda dose, ainda vou sair de casa com todo o cuidado. Mas agora não vou sair, não."





Ele diz acreditar que esquerda e direita podem caminhar lado a lado em manifestações, embora haja "ressentimentos e acusações de ambos os lados".

Para o artista, Bolsonaro "não fez nada de bom desde que entrou". "O simples fato de esse cara andar na rua sem máscara, tirando máscara de criança, já é motivo (para impeachment). Ele é o presidente da República de um país com 500 mil mortos na pandemia, e ele dá esse exemplo todos os dias na televisão. Isso já é criminoso por si só, é genocida por si só", afirma.

O compositor conta ter falado em impeachment de Bolsonaro ainda em abril de 2019, quando o governo estava em seus primeiros meses. "Desde a primeira semana eles estão pisando na bola, falando em golpe de Estado, fazendo coisas absurdas todo dia, toda hora. É um abuso de poder", diz.

Lobão faz parte de um grupo de artistas e influenciadores que apoiou ou sinalizou voto em Bolsonaro, mas hoje mudou de lado e se posiciona contra sua gestão, como o comediante Danilo Gentili, o ator e deputado federal Alexandre Frota (PSDB) e o apresentador Luciano Huck, da TV Globo.





O compositor justifica seu apoio dizendo que "não havia alternativa" na época, que não a "retirada do PT do Presidência".

"O Brasil queria se ver livre do PT, não tinha mais alternância de poder. Ele se aliou com o que há de pior na política, inúmeros casos de corrupção. Ele foi corresponsável pelo chavismo na Venezuela, e iria dar um golpe", acusa. "A gente sabia que o Bolsonaro era o que ele é. Mas achava que uma facção liberal e o Exército, que tinha um prestígio de 30 anos depois da ditadura e pessoas esclarecidas, poderiam segurar o cara. Mas não deu", diz.

Não é a primeira vez que Lobão apoia a saída de um presidente. Em 1992, foi a favor do impedimento de Fernando Collor e, em 2016, foi uma das vozes públicas que pediram o afastamento da petista Dilma Rousseff.


Protestos contra Bolsonaro ocorrerão em mais de 160 cidades do país, segundo organizadores (foto: Reuters)

Na época, ele discursou em protestos comandados por movimentos como MBL e Vem Pra Rua.

"Para mim, o que Bolsonaro está fazendo supera em muito em gravidade o que os outros dois fizeram. Há uma coleção de crimes. O último é essa denúncia de superfaturamento de vacina", diz, em referência às suspeitas de cobrança de propina para compra de vacinas Covaxin pelo Ministério da Saúde.





Durante os governos petistas, o cantor se posicionou fortemente contra o PT, chamando o ex-presidente Lula de "ladrão e psicopata".

Para as eleições do próximo ano, ele também refuta qualquer possibilidade de votar no ex-metalúrgico, mesmo em um possível segundo turno entre Lula e Bolsonaro.

"Vou me abster. Não voto em nenhum dos dois. Infelizmente, no Brasil o voto é negativo. A gente vota em um para que o outro, pior, não ganhe. Precisamos de um presidente em que a gente possa sair na rua e não haja um clima de semi-guerra civil entre as pessoas", diz Lobão, que ainda acredita em uma possível terceira via para disputar a Presidência.

A mudança de postura em relação a Bolsonaro dificultou a relação do compositor com amigos que continuam seguindo o mandatário, como o músico Roger Moreira, líder da banda Ultraje a Rigor, um dos mais fiéis defensores do bolsonarismo nas redes sociais.





"Não falo mais com quem continua com Bolsonaro. Roger era um parceiro de 40 anos. Mas dei um block nele", conta Lobão.

"Quem é Bolsonaro hoje em dia tem uma questão de higiene moral, não consigo nem falar. Não tenho o menor tipo de aproximação. Você não precisa ser um gênio para perceber o que está acontecendo no Brasil. É um acinte, um estupro, uma violência. Bolsonaro não fez nada de bom, tudo o que ele toca vira merda, é uma virtuose na merda", diz.

Durante a pandemia, Lobão perdeu 90% de sua renda, que vinha essencialmente dos shows. "Fico mais preocupado com os músicos que trabalham comigo, que dependem muito dos shows. Sou um eremita, fico muito em casa, compondo e tocando", diz.

Nos últimos meses, o artista de 63 anos tem se dedicado a produzir um novo disco triplo, Canções de Quarentena, que será lançado em vinil em breve.

De tempos em tempos, o cantor lança na internet uma das faixas do álbum, sempre uma versão dele para músicas que marcaram sua vida, como Gita, de Raul Seixas, e Disparada, de Geraldo Vandré.





Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.


Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.





O que a CPI da COVID investiga?

Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.

O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.


Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.





Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.





Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão




audima