Após uma guerra civil, o Brasil foi dividido em três partes: Confederalismo Democrático do Nordeste, Sul é Meu País e Amazônia (The Resort). Em uma quarta parte, o Estado Autônomo, está a última base do Sistema Único de Saúde, o SUS, que corre o risco de ser extinto. E a solução para isso está nas mãos de um Gato que tem o poder de retornar 500 anos e esconder o continente americano dos colonizadores.
Essa é a história alucinante e pós-apocalíptica do curta-metragem inédito "Erva de gato", criado pelo cantor e multiartista Novíssimo Edgar. Atualmente na etapa de captação de recursos financeiros para viabilizar sua realização, o filme será codirigido por Sabrina Duarte, com trilha sonora do produtor e baterista Pupillo, ex-integrante da banda Nação Zumbi. No elenco, Grace Passô, Giulia Del Bel, Ítalo Martins, Taciana Bastos e Luciana Barreto
"A ideia para esse filme nasceu do personagem. Antes, ele era um gato antigo, egípcio, que vem vivendo várias vidas até os dias atuais. Comecei a desenvolver essa ideia em 2016 para um projeto de fotofilme. No começo da quarentena, apresentei essa ideia para a Giulia , que gostou muito e começou a incentivar que a gente investisse nela para um projeto maior, para transformá-lo em um curta", conta Edgar.
Durante os últimos meses, a equipe, formada por Camila Abade, Camila Rhodes e Priscila Lima, começou a se mobilizar para conseguir rodar o curta. Atualmente, eles pleiteiam a aprovação do projeto em diversos editais, principalmente da cidade de São Paulo. Também foi lançado um teaser que dá uma ideia de como será o produto final.
Nele, a personagem Clarice Sabino de Jesus (Giulia Del Bel) confirma o encerramento do SUS. Em seguida, imagens de protestos e um texto explicam a realidade em que o filme se situa. Na tela, lê-se: "Após uma guerra civil, o Brasil foi separado em três fronteiras. Dentro dessa nova geografia foi instalado o Estado Autônomo, onde se abriga a última base do SUS, o único sistema público de saúde do mundo". Algumas cenas depois, o vídeo mostra um personagem metade cachorro e metade humano queixando-se do bullying sofrido nas ruas.
SUCATEAMENTO
Segundo Edgar, o tema do filme pode, sim, ser lido como um comentário ou crítica aos problemas atuais do Brasil, acentuados em razão da pandemia da COVID-19. "Mas nele haverá um clima de ficção que não o deixa ficar tão denso. Muitos desses temas, que são importantes, são tratados com sarcasmo. É uma crítica ao sucateamento da saúde, não só do sistema, mas de um país e das pessoas que estão nele", aponta.
A ideia é que o curta-metragem seja recebido como um piloto para um projeto maior. O artista imagina que a história possa render uma minissérie, por exemplo. Por enquanto, não há previsão para o lançamento, mas ele imagina que o produto final seja lançado antes de 2022.
Artista multifacetado, Edgar é paulista de Guarulhos e ganhou projeção nacional depois que apareceu no álbum "Deus é mulher" (2018), de Elza Soares, na faixa "Exu nas escolas". Na mesma época, ele aproveitou para lançar seu disco de estreia, "Ultrassom" (2018) – antes disso, havia lançado o EP "Protetora dos bêbados e mal-amados" (2017). A partir daí, o artista passou a ser reconhecido por sua inventividade e seus múltiplos talentos.
Com atuação na música, na moda, nas artes plásticas e, agora, no cinema, ele conta que tem uma mente inquieta que não o deixa parar de trabalhar. Portanto, está sempre com um projeto em andamento.
"Atualmente, estou trabalhando em um longa, tenho outro curta pronto, tenho uma parceria em produção com o BayanaSystem. Também lançarei um livro, que está em fase final de produção." O volume, editado pela Editora Garupa, se chamará "Ragde". "É uma reunião de fotos e ilustrações. Ele vai funcionar como uma galáxia de histórias interplanetárias", diz.
Seu mais recente disco, "Ultraleve", foi lançado em maio passado, pela Deck. Composto, gravado e produzido ao longo de dois anos, o álbum aborda questões como a fome, a identidade de gênero e a proteção do meio ambiente.
ÁGUA E EMPATIA
"'Ultraleve' é uma maniçoba poética, demora mais de cinco dias no fogo da vaidade, com a panela cheia de água e empatia, cozinhando todos os sentimentos atravessados por um corpo negro em uma sociedade programada para excluí-lo e matá-lo", diz o texto de apresentação do disco.
Com produção de Pupillo, o trabalho conta com a participação do rapper indígena Kunumi MC em "Que a natureza nos conduza", e da cantora canadense Elisapie em "A procissão dos clones". Ambos cantam em seus idiomas nativos – ele em guarani, e ela em inuíte.
A parte final da trilogia "Ultra", ele conta, já está em produção e se chamará "Ultrapassado". Não há previsão para o lançamento. "Já estou escrevendo, mas não tem como falar o que ele será, não dá para saber. Atualmente, é só um monte de rabiscos no caderno", diz.
O DISCO QUE VIROU CURTA
Em abril de 2020, o cantor, compositor e pianista Rafa Castro lançou o quarto disco de sua carreira. "Teletransportar" chegou num momento em que as incertezas em relação ao futuro estavam ainda maiores e os planos pareciam cada vez mais distantes. Um dos projetos que ele tinha em mente para embalar o lançamento do registro era a produção de um curta-metragem que ilustrasse algumas das faixas do álbum, o que, na época, acabou ficando somente no papel.
Paciente, Rafa esperou até que fosse possível produzir o recém-lançado curta-metragem do disco, baseado nas faixas "Teletransportar", "Cacos de vitral" e "Cicatriz". Na última sexta-feira (2/07), um EP com as músicas do filme chegou às plataformas digitais com uma faixa bônus, a versão acústica de "Teletransportar".
"Comecei compondo trilhas sonoras para cinema e teatro. Quando dei início à minha carreira artística autoral, também passei a desejar que minhas músicas afetassem as pessoas e criassem histórias por meio das imagens. Sempre sonhei, mas nunca consegui concretizar. Antes de lançar o disco, conheci o diretor e comecei a trocar mensagens com ele e mostrar as minhas composições. Foi aí que nasceu essa história de transformar música em imagem", conta.
ROTEIRO
Rafa Castro se refere ao cineasta paulista André Inácio, que captou as imagens do curta analogicamente, em São Paulo, e as revelou em Nova York. O roteiro é assinado pelo músico, em parceria com André Inácio, Gislaine Miyono, Laura La Laina, Lorena Dini e Vini Bock.
"Teletransportar" mostra a história do professor Juliano, vivido pelo ator Diogo Granato, que perde o emprego devido à pandemia e precisa se desdobrar por uma São Paulo desértica como entregador por aplicativo. Símbolo do combate à COVID-19, as máscaras de proteção estão presentes na maioria das cenas.
Segundo Rafa, a decisão de situar a história do curta durante a crise sanitária é também uma forma que a equipe encontrou de lidar com o atual momento. "A gente tentou não se prender às canções de forma literal. Durante as discussões que tivemos, todos nós tínhamos noção de que deveríamos suscitar uma noção diferente para situar a história na realidade que estamos vivendo", afirma.
"Um professor que perde o emprego é algo muito real. Muita gente passou por uma situação parecida. Muita gente conhece alguém que virou entregador. Há toda uma problemática em relação a esse tipo de emprego, que é diariamente sucateado", comenta.
O músico afirma que a história do curta não é inspirada em uma pessoa específica. "Na verdade, ele traduz a realidade de milhões de pessoas. É uma representação da nossa sociedade de hoje – frágil, precária e desabrigada."
SONHO
Para ele, ter a chance de lançar um produto audiovisual é a realização de um sonho antigo. "Sempre fui uma pessoa muito atravessada pelas artes. Sempre as entendi como uma interseção de prismas e olhares. Para mim, criar para o cinema é como ir até a origem das minhas composições", diz.
Apesar de ter sido produzido antes da pandemia, o disco "Teletransportar" aponta, de forma poética, questões que assolam o país desde antes de 2020. A faixa-título, por exemplo, foi escrita depois que ele viu a notícia sobre as queimadas na floresta amazônica. "Enquanto eu penso em teletransportar/ Vejo, triste, o jornal/ Na TV, notícias de um fogo sem cessar/ Enquanto eu penso em teletransportar/ Escuto triste a TV/ Me parece que o mundo não saiu do lugar", dizem os versos iniciais da canção.
"Quando eu estava no processo de composição, acho que a premissa não era falar sobre questões tão sérias. O meu ponto de partida não era escrever canções políticas. Mas esses temas são latentes no nosso dia a dia. É impossível desconectar a minha música da história atual. Eu não forcei para falar desses assuntos", diz.
Ele afirma ainda que “o que vivemos no Brasil hoje é completamente absurdo. Eu fico completamente chocado. Então, para mim, é impossível desvincular a escrita dessas letras de assuntos tão urgentes e tão presentes no meu cotidiano. O importante é dar a elas uma abordagem poética e profunda".