No início de 2020, quando o mundo todo foi abalado pela pandemia do coronavírus, Saulo Duarte se preparava para gravar um novo trabalho. Os planos do cantor, compositor, guitarrista e produtor foram adiados por tempo indeterminado e ele passou o restante do ano tentando encontrar maneiras de possibilitar a gravação, que começou somente em fevereiro de 2021. Cinco meses depois, na sexta-feira (9/07), o EP "Lumina" chegou às plataformas digitais pela YB Music.
O músico não se ressente pelo tempo que passou impossibilitado de entrar em estúdio. Aliás, enxerga o período como indispensável para o resultado final. "Tive mais tempo para planejar as composições e desenvolver o conceito de 'Lumina', o que foi importante para aprofundar o trabalho. Ao longo de 2020, foi feita a pré-produção", conta.
O conceito a que Saulo se refere diz respeito ao autoconhecimento adquirido ao longo do último ano, associado à experimentação com ritmos latinos. "Em 2020, aprofundei a minha espiritualidade e desenvolvi questões íntimas muito especiais para mim. A partir disso, quis fazer um trabalho que iluminasse os cantos escuros da vida. O meu desejo é trazer luz para este momento obscuro que nós brasileiros estamos vivendo", diz.
Essa busca pelo otimismo e pela alegria por meio da metáfora da iluminação está de acordo com a sonoridade do EP. "Lumina" traz à tona ritmos sul-americanos, africanos e brasileiros. As seis faixas, distribuídas ao longo de 23 minutos, abordam carimbó, kuduro, reggae, arrocha e bolero, "ritmos do Terceiro Mundo", segundo o artista.
"Desde o meu primeiro disco, há sonoridade da Região Norte do Brasil. O meu trabalho sempre foi o de absorver o que a música de lá tem para oferecer, e fazer uma releitura à minha maneira. Esse EP é a continuidade disso", afirma. "Todos esses ritmos têm relação com a diáspora africana. Os negros levados para a América do Norte criaram o jazz; na América Central, fizeram o reggae; e na América do Sul, uma das expressões criadas foi o carimbó. Ao abordar esses ritmos, também estou reverenciando a mãe África", afirma.
ANCESTRALIDADE
Saulo Duarte também destaca o papel da ancestralidade na produção do novo trabalho. Para ele, olhar o passado sem perder de vista o futuro é uma filosofia que está em suas músicas e deveria ser aplicada na vida cotidiana. "Precisamos ter respeito pelos nossos antepassados e reconhecer os avanços e conhecimentos que eles conquistaram. Ainda existe preconceito com ritmos brasileiros, mas gosto de olhar o copo meio cheio e dizer que estamos, sim, olhando para eles com a devida reverência", esclarece.
Segundo ele, as seis faixas que compõem "Lumina" representam uma unidade de pensamento, mas estão associadas a diferentes questões. "Abrecaminho", como o próprio nome indica, abre os trabalhos do EP a partir do resgate da ancestralidade. Essa mesma ideia está presente na faixa seguinte, que dá nome ao registro. O trabalho fica romântico e introspectivo em "Se você tem amor". Já a música "Brasa" mostra um "Brasil empoderado". "Verde nostalgia" aponta para um futuro ressignificado, enquanto "O astro contraria a gravidade" é uma espécie de epílogo, segundo o músico.
"A ideia inicial era fazer um disco cheio, que é um formato mais generoso para os artistas porque dá para desenvolver mais a história que está sendo contada. Mas achei que o formato EP atendeu às minhas expectativas e está de acordo com os algoritmos. Consegui contar um conceito nesses 23 minutos e respeitar as minhas vontades artísticas", afirma.
"Lumina" também é marcado pela presença de quatro convidados. A cantora baiana Luedji Luna participa da faixa-título do EP. Já a cantora e atriz Thalma De Freitas canta em "Brasa". O artista russo residente nos Estados Unidos Alex Tea e o cantor e multi-instrumentista cearense Túlio Bias estão na faixa "Abrecaminho".
"Nós falamos sobre as mesmas coisas. Olhamos para o futuro com os pés fincados nas nossas origens. A Thalma (De Freitas) mora nos Estados Unidos, mas a gente sempre se vê quando ela vem ao Brasil. A Luedji (Luna) eu vi o desabrochar. Gosto de destacar a parceria com essas duas artistas porque a intersecção delas é muito enriquecedora. São mulheres pretas que estão na linha de frente dessa inteligência emocional e tecnologia humana que abordo nas músicas", diz.
Nascido em Belém, no Pará, criado em Fortaleza, no Ceará, mas radicado em São Paulo há 11 anos, Saulo Duarte já acompanhou artistas como Elza Soares, Jorge Mautner e Dona Onete. Junto à banda A Unidade, ele lançou os discos "Saulo Duarte e A Unidade" (2012), "Quente" (2014) e "Cine ruptura" (2016). Desde o álbum "Avante delírio" (2018), o músico segue carreira solo.
ARTE POLÍTICA
Para ele, "Lumina" é um convite para um olhar positivo sobre a vida. "É a minha contribuição para a busca pela alegria e pela felicidade. O que tem nos salvado do absurdo que está acontecendo no Brasil é a arte. E toda arte é política, ainda mais agora, diante do desmonte da cultura. Durante o confinamento, foi ela (a arte) que possibilitou a nossa sobrevivência. Na micropolítica, toda ação é importante, até as mais sutis como fazer uma prece para a cura do planeta ou lançar música", afirma.
"Quando eu faço música em meio à barbárie que estamos vivendo, estou honrando essas mais de 500 mil mortes", acrescenta. "É um recado. Estamos aqui e continuamos na resistência para que a vida seja tratada com mais cuidado, atenção e carinho."
LUMINA
De Saulo Duarte
6 faixas
YB Music
Disponível nas plataformas digitais