Celebrizado no imaginário da cultura pop dos anos 1980 pelo grito "Pelos poderes de Grayskull, eu tenho a força!", no vozeirão do dublador Garcia Jr., o personagem He-Man está de volta, agora repaginado numa série animada inédita da Netflix, imunizada contra todo e qualquer sexismo do passado.
Disponível na plataforma desde a última sexta-feira (23/07), é uma estreia que conta com Mark Hamill, o eterno Luke Skywalker, interpretando o vilão Esqueleto, na versão original. E essa volta do desenho baseado numa linha de brinquedos da Mattel – bonecos transformados em animação num projeto do produtor Lou Scheimer (1928-2013), exibido originalmente de 1983 a 1985, nos EUA – traz a grife nerd de um cineasta autoral na direção: o americano Kevin Smith.
Responsável por marcos do cinema indie como “Procura-se Amy” (1997), o realizador de 50 anos – hoje envolvido no desenvolvimento da terceira parte de “O balconista” (1994) – é o diretor responsável pelo retorno de He-Man em “Mestres do universo: Salvando Eternia”.
Mas a trama dá mais protagonismo à guerreira Teela, que, nos EUA, ganhou a voz de Sarah Michelle Gellar, do seriado “Buffy: A caça-vampiros”. É ela quem vai empreender uma jornada atrás da Espada do Poder, após o sumiço do campeão de Eternia, nessa reabertura do Castelo de Grayskull para as plataformas digitais, tendo um bamba da animação, Robert David (de Max Steel), como produtor executivo.
VALORIZAÇÃO
"Não se trata de redesenhar Teela, pois seu brio guerreiro já estava lá. Era só uma questão de valorizar e honrar toda a bravura que ela sempre demonstrou, deixando a personagem seguir seu destino", afirma David em entrevista via Zoom, explicando que a série da década de 1980 já apostava em mulheres empoderadas. "Basta vocês se lembrarem da Feiticeira. Ninguém era mais poderosa que ela. Era ela quem tinha o caminho da magia."Mágica é a palavra essencial aos roteiros dirigidos por Smith, pois o que move os episódios é uma cruzada em prol do que havia de metafísico em Eternia. Logo nos minutos iniciais, uma peleja entre Esqueleto e He-Man (lá fora, a voz é de Chris Wood, o Mon-El de “Supergirl”; aqui a dublagem é de Glauco Marques) termina numa espécie de desaparição de ambos, o que põe em xeque a vigência de tudo o que existe de místico em Eternia, criando um processo mecanicista que ameaça afogar aquela realidade em uma era de tecnologia avessa a tudo o que é metafísico – inclusive valores afetivos.
Em meio a essa ameaça, Teela – que se afastou do reino e de seu pai, o misto de inventor e soldado Mentor, para trilhar uma espécie de caminho de samurai – é convocada para salvar seu mundo. A seu lado, há dois velhos conhecidos do público: o tigre Pacato (alter ego do Gato Guerreiro) e o mago Gorpo (Orko nos Estados Unidos), famoso entre os fãs brasileiros pela voz de Mário Jorge (um dos maiores dubladores do país) e pela musiquinha “O bem vence o mal, espanta o temporal”.
CARTA DE AMOR
"Esta nova série é uma carta de amor aos anos 1980, honrando e preservando o passado, de modo a rever o conceito central dos Mestres do Universo: o brado ‘Eu tenho a força’ é um indício de que o poder está em nós mesmos. He-Man é uma metáfora de virtudes que existem em nós todos. Assim como acontecia na década de 1980, a série fala sobre enfrentarmos nossos medos e abraçar o que somos, como acontece com Teela", diz David, que escreveu a série animada “As tartarugas mutantes ninja”, de 2008, também baseada em um hit Ploc."O que temos como maior novidade agora, em relação às séries de desenhos do passado, é o fato de os streamings permitirem (com a opção de se maratonar os produtos) que as narrativas sejam serializadas, ou seja, contínuas, como uma saga, e não mais procedurais, ou seja, com enredos que começavam e acabavam num mesmo episódio. Isso permite que o espectador possa seguir um arco durante toda uma temporada, sendo que cada episódio é um trecho dessa saga. Antes, o máximo que conseguíamos era dividir um episódio em partes 1 e 2."
Eternamente associado a um projeto de filme do Superman, com Nicolas Cage, nunca filmado, Kevin Smith deu a “Mestres do universo: Salvando Eternia” um status de superprodução, a julgar por seu elenco de vozes. No Twitter, o diretor de “Dogma” (1999) e “Pagando bem, que mal tem?” (2008) disse que a série da Netflix é uma "sequência espiritual" para os desenhos de outrora.
Além de Sarah Michelle Gellar, Chris Wood e Hamill, ele escalou Lena Headey (a Cersei de “Game of thrones”) como Maligna; a eterna “Patricinha de Beverly Hills” Alicia Silverstone, como Rainha Marlena; Dennis Haysbert (o presidente Palmer de “24 horas”) para ser o rei Grayskull; e seu atores fetiches, Justin Long (de “Tusk: A transformação”) e Jason Mewes (o Jay de “O império do besteirol contra-ataca”), como Roboto e Stinkor.
"Quando Lena chegou para dar voz a Maligna, ela brincou: ‘Não acredito que estarei ao lado de Luke Skywalker!’. Ficamos todos felizes quando Hamill chegou para emprestar a sua voz ao Esqueleto. E, com Lena e ele, um grupo de grandes atrizes e atores entraram no projeto", diz David, ressaltando o toque de diretor autor que Kevin Smith deu à série.
"Ele é alguém que ama as narrativas de gênero e sabe o valor que essas sagas de aventura podem ter. Os filmes de Kevin são calçados em embates sentimentais. E a gente percebe essa linha em “Mestres do universo: Salvando Eternia” em monólogos cheios de emoção."