Existem duas espécies de elefantes no mundo: a africana e a asiática. Para o leigo, a diferença básica está no tamanho dos mamíferos. O asiático é um pouco menor, medindo entre 2,5 a 3 metros de altura. Hari tem exatos 3 metros. Ainda que pesado, ele está bem longe das 5 toneladas que um elefante pode alcançar. Hari é feito de isopor, madeira e tecido, basicamente.
Confeccionado pelos artistas Eduardo Félix e Antônio Lima durante dois meses, depois de ter ganhado vida no espetáculo “...Incomoda, incomoda, incomoda...”, apresentado em julho pelos formandos de teatro do Centro de Formação Artística e Tecnológica (Cefart), o elefante foi para o acervo da Fundação Clóvis Salgado. Quem sabe volte à cena em um futuro próximo?
PORTÃO
O trabalho, uma das obras de maior dimensão da dupla de artistas, demandou muita pesquisa e jogo de cintura. Para que Hari deixasse o ateliê de Félix, no bairro Colégio Batista, região Leste de Belo Horizonte, um portão teve que ser retirado. No palco do Palácio das Artes, ele foi manipulado por cinco pessoas, que tiveram alguma dificuldade por causa do peso do boneco.A pandemia, como em tudo, afetou muito o trabalho de Félix e Lima, já que os dois têm sua produção voltada principalmente para as artes cênicas. Não são sócios, mas volta e meia trabalham juntos em algum projeto. E têm formação semelhante. Ambos com 40 anos, são graduados em arte com ênfase em escultura – Félix na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Lima na Escola Guignard –, mas atuam em diversas funções na área de cenografia.
Depois de trabalhar com o Grupo Giramundo e a Companhia Catibrum, Félix fundou o Pigmalião Escultura que Mexe, coletivo que atua entre as artes plásticas e cênicas. Mantém uma empresa de cenografia, além de criar bonecos para vários outros grupos. Assim como Lima, realiza todo o tipo de trabalho: cenografia, figurino, bonecos, máscaras.
A vida não está fácil para ninguém, comenta, e nessa área é preciso atuar em várias frentes. “Com todos os cortes que a cultura vem sofrendo, a demanda já vinha diminuindo antes da pandemia. Com o Pigmalião, por exemplo, a gente ficava boa parte do tempo viajando”, comenta Eduardo Félix. Recentemente, o coletivo emplacou uma iniciativa on-line que pode dar início a uma série.
Lançada em julho e até então com apenas uma exibição, a cena curta “Fábulas antropofágicas para dias fascistas: A raposa no divã”, viabilizada pelo projeto “Cena agora”, do Itaú Cultural, foi criada a partir das fábulas de Esopo e de textos da filósofa Marcia Tiburi.
“Ouvi uma leitura da Marcia sobre o livro ‘Um fascista no divã’ e entrei em contato com ela. Juntando as duas coisas, conseguimos fazer um recorte bem atual”, conta Félix. Lançado em 2021, o livro da filósofa e de Rubens Casara nasceu a partir de um texto teatral inédito nos palcos.
Na criação do Pigmalião, com bonecos de pequeno porte, a raposa não gosta de direitos humanos, a lebre bate panela e o corvo é um grande moralista. Félix planeja a segunda exibição da cena para este mês (sem data fechada até o momento), pelo canal do coletivo no YouTube. “Os trabalhos do grupo sempre tiveram relação com a filosofia. Agora, vamos trabalhar a fábula ‘A raposa e o corvo’ para mostrar o ridículo político”, conta ele.
SILICONE
Antônio Lima participou da construção de adereços da cena “A raposa no divã” – o divã, por sinal, foi criado com silicone e traz um aspecto de carne. Como outros profissionais da cenografia, ele joga nas 11. “Sou cenógrafo, cenotécnico, pintor artístico, aderecista, carnavalesco”, diz. A variedade de atividades veio até mesmo antes de se graduar na Escola Guignard.“Algumas habilidades técnicas, ou pelo menos a curiosidade, sempre me acompanharam. Gosto de experimentar materiais e técnicas e logo vi que meu trabalho não seria como artista de galeria”, conta. Em 2004, Lima fez estágio na série de animação “Draculinha, o vampirinho”, produção portuguesa rodada em Belo Horizonte. “A partir daí, comecei a ver outras possibilidades e percebi que poderia trabalhar com materiais diversos.”
A ópera foi efetivamente sua porta de entrada e onde seu trabalho na cenografia mais frutificou. Lima traz 13 delas no currículo, a maior parte realizada pela Fundação Clóvis Salgado. Para ele, a primeira, montagem de “Aida” (2008), de Giuseppe Verdi, realizada pela FCS, foi a mais marcante. Na época, trabalhou com o cenógrafo Raul Belém Machado (1942-2012). “Vi ali que poderia trabalhar com esculturas de grandes formatos.”
Grandes formatos em produções cênicas são, de maneira geral, trabalhos realizados em isopor, como é o caso do elefante Hari. “Se for modelagem, os trabalhos são de isopor. Mas na parte de escultura, você pode trabalhar com tecido, fibra de vidro. Vai depender do que o projeto pede”, conta Lima. A partir desses materiais se definem a durabilidade e o peso de cada peça.
Neste momento, Lima faz ampla pesquisa com o silicone, que vem sendo mais utilizado para próteses e maquiagem de efeitos especiais, “principalmente para figuras hiper-realistas”. De acordo com ele, o uso do silicone só agora vem sendo mais difundido no país. “Estou experimentando muito, pois não há um curso voltado para o mercado brasileiro.”
CARNAVAL
A pandemia interrompeu alguns trabalhos. Até o cancelamento do carnaval em decorrência da crise sanitária, Lima sempre criava alegorias para blocos caricatos de BH. Também fez uma longa incursão no Rio de Janeiro como diretor de palco do espetáculo “Peça do casamento”, texto de Edward Albee dirigido por Guilherme Weber, estrelado por Eliane Giardini e Antonio Gonzales. A montagem ficou em cartaz até março de 2020.Um projeto pessoal a que Antônio Lima vem se dedicando é a criação de bustos de cantores em silicone. Atualmente, em seu ateliê doméstico, ele trabalha a imagem de Belchior. “Neste momento, é um pouco difícil para os profissionais do meio se manterem. Como tenho um leque de atividades um pouco maior, isso me dá uma cartela de possibilidades”, finaliza.