Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Linn da Quebrada se reinventa e quer agradar as mães com 'Trava línguas'


A vida de Linn da Quebrada passou por uma verdadeira revolução nos últimos quatro anos. Desde que lançou seu elogiado disco de estreia, “Pajubá” (2017), a multiartista paulistana percorre uma trajetória ascendente. Após o primeiro álbum, ela fez turnê internacional que passou por 15 países, protagonizou o premiado documentário “Bixa travesty” (2018), atuou nas séries “Segunda chamada” (2019), da Globo, e “Manhãs de setembro” (2021), da Amazon Prime Video, e estreou como apresentadora do talk show “TransMissão”, do Canal Brasil, ao lado de sua parceira artística Jup do Bairro.





Em seu segundo álbum, “Trava línguas”, recém-lançado pela Natura Musical, Linn tenta ressignificar o sucesso que obteve. “A forma como o mercado se apropriou das questões que levantei me levou a fazer um movimento de esquiva à captura de mecanismos que tentam se apropriar dos nossos corpos e discursos, fazendo das nossas identidades um produto rentável a ser vendido. Isso está traduzido sonora, material e concretamente no disco. Decidi mudar a minha estratégia em relação à indústria fonográfica e ao mercado das artes”, afirma a artista.

Por isso, Linn da Quebrada não reproduz a estética de “Pajubá”. Enquanto o primeiro disco exibe abordagem verborrágica e explícita sobre gênero, sexo e raça, o segundo resgata essas mesmas questões, mas com suavidade e calma.

EXPERIMENTO 

A produção de “Trava línguas” teve início quando Linn ainda estava em turnê. “Naquela época, comecei a fazer alguns versos e células sonoras. Era um experimento sonoro. Depois disso, a gente foi amadurecendo as ideias. Acho importante não ter produzido o álbum nesse primeiro momento, porque ele teria saído completamente diferente”, afirma.





No segundo momento, já durante a pandemia, ela se reuniu com a produtora Badsista, que assina a direção musical do disco. “O período pandêmico nos trouxe para um outro lugar e passamos a exercer outro tipo de escuta. Quando ela veio aqui para a minha casa, começamos a experimentar outras sonoridades e o disco estava se encaminhando para o universo da música eletrônica”, relembra Linn.

O terceiro e último momento ocorreu já em 2021. Linn e Badsista se juntaram à percussionista Dominique Vieira para uma imersão com o objetivo de finalizar o álbum. “A essa altura, já estávamos diferentes. Nossas vontades, medos e desejos vieram à tona e desembocaram na versão final”, conta.

Um dos desejos da produtora era usar instrumentos na gravação das canções. Badsista assume as guitarras e os teclados do registro. Linn da Quebrada revelou a vontade de se aproximar de sua mãe, produzindo uma sonoridade que a agradasse.





“Nós três queríamos fazer um tipo de música que atraísse as nossas mães. Buscamos uma pegada meio carimbó e nas percussões, a latinidade. Ritmos mais próximos da musicalidade brasileira. Tentamos nos aproximar da música produzida no Norte e no Nordeste. Minha mãe é de Alagoas. A da Badsista é de Natal. A gente foi buscar em nossas raízes o movimento de retorno à nossa matriz”, explica.

O disco pode ser resumido na pergunta “Quem sou eu?”, comenta a cantora. Esse foi o norte de todo o processo de composição, gravação e produção. Não é à toa que um dos singles lançados em 2020 foi “Quem soul eu”, última faixa do álbum, na qual a cantora expõe fragilidades pessoais na busca por sua ancestralidade.

Antes disso, ela deu início à divulgação do álbum com “Mate & morra”, cuja abordagem se aproxima de “Pajubá”. Já “I míssil” chegou às plataformas digitais em junho passado. A canção fala sobre o show business – “Divagar mais, divulgar menos/ Mais ou menos vulgar, essa é a sensação” é um dos versos. A gravação é marcada pela presença de metais.





“Sou completamente apaixonada por instrumentos de sopro. Para mim, eles são como voltar à superfície, dão a sensação de respiro”, comenta Linn.

PARCEIROS 

Com 11 faixas, “Trava línguas” traz várias parcerias. A faixa de abertura, “Amor amor”, foi escrita por Castiel Vitorino Brasileiro, que assina a direção de arte da capa e das fotos de divulgação. A potiguar Luiza Nascim, da banda Luísa e os Alquimistas, canta em “Dispara”, enquanto a baiana Ventura Profana é a parceira de Linn em “Eu matei o júnior”.

A canção “Medrosa” traz versos da poeta brasileira Stela do Patrocínio (1941-1992), mantida involuntariamente internada em instituições psiquiátricas por cerca de 30 anos.

Em contraponto a temas profundos e complexos, a sonoridade do álbum é suave e sutil. As ótimas “Cobra rasteira” e “Onde” flertam com o pop eletrônico. Já “Pense & dance” é uma espécie de spoken word, declamação feita para as pistas.





“Tudo” destoa do repertório ao apresentar a voz de Linn acompanhada apenas por piano e trompete. A canção impressiona pela beleza da letra e da interpretação da artista.

“Meus dois álbuns falam a partir da linguagem e são uma intervenção na própria linguagem. 'Pajubá' diz respeito à linguagem de resistência criada pela própria comunidade LGBTQ%2b. 'Trava línguas' diz respeito àquilo que é difícil de ser dito. Procuro tratar a linguagem como matéria viva e um território de disputa”, ela explica.

“Me interessa disputar a linguagem, principalmente quando é a linguagem construída pelo colonizador incapaz de dar conta de nomear os mistérios que a gente produz e a complexidade das nossas identidades. Minha intenção é dobrar a linguagem e fazer dela uma fissura”, afirma.

FILME 

“Trava línguas” terá desdobramento audiovisual dirigido pela própria Linn em parceria com Rodrigo de Carvalho. Atualmente, o projeto está em fase de pós-produção e deve ser lançado entre setembro e outubro.





O filme abordará como se deu o desenvolvimento do novo álbum. “Quero que as pessoas entendam como cheguei até aqui. Ele mostra um processo muito íntimo, que é o retorno do meu corpo para a cidade de Viçosa, em Alagoas, onde minha mãe nasceu. Vou lá para descobrir quem eu sou a partir da tentativa de refazer os possíveis passos de minha mãe no passado. Eu me coloco nas pegadas quase apagadas que vieram antes de mim.”

Linn explica que não se trata de uma obra documental. Na verdade, o filme passeia entre diferentes formatos do audiovisual.

Encaixar-se em um padrão não é – mesmo – o forte, tampouco o objetivo de Linn da Quebrada. Com o disco lançado, apesar de não considerar o projeto um produto finalizado, ela comemora a maior de suas conquistas: agradar a mãe, Lilian.

“Depois que coloquei a prótese (silicone), ela veio cuidar de mim”, conta, referindo-se ao procedimento a que se submeteu em março deste ano. “Ela ficou comigo durante três meses e acompanhou a produção do disco. Hoje, canta as músicas, me manda áudio dizendo que está ouvindo e gosta muito. Aprendeu a cantar quase todas as faixas. Como as músicas não têm muito palavrão, ela acredita que o disco vai chegar a um público maior e eu vou ter muito sucesso”, revela Linn.






“TRAVA LÍNGUAS”
.Disco de Linn da Quebrada
.11 faixas
.Independente/Natura Musical
.Disponível nas plataformas digitais

NAS TELAS

Estrela do documentário "Bixa travesty", de Kiko Goifman e Claudia Priscilla, premiado no Festival de Berlim (foto: Arteplex/divulgação )

Linn como Natasha, a estudante travesti na série "Segunda chamada", exibida pela TV Globo (foto: Globo/reprodução )

Linn é Pedrita, a cantora amiga da protagonista Cassandra (Liniker) em "Manhãs de setembro" (foto: Amazon Prime Video/divulgação)

Apresentadora do programa "TransMissão", ao lado de Jup do Bairro, no Canal Brasil (foto: Canal Brasil/divulgação)