“Na história do cinema brasileiro, quando você tenta colocar a cerca para ver quem é documentarista e cineasta de ficção, vê que é completamente inútil. Todos, de Humberto Mauro a Kleber Mendonça Filho, fizeram documentário, que é parte intrínseca do cinema, assim como a ficção. Então, não há por que tratá-lo como um clubinho fechado, monolítico”, afirma o curador, crítico e jornalista Amir Labaki.
Dessa maneira, em sua terceira temporada, que estreia nesta quarta-feira (4/08), no Canal Brasil, “Cineastas do real” apresenta, ao longo de 13 episódios, um leque diverso de realizadores. De Walter Salles, que abre o novo ano, a Ana Carolina, passando por Ricardo Calil, Sandra Kogut e Antônio Carlos da Fontoura.
''O cinema existe para, entre outras coisas, registrar aquilo que não mais será. E a gente tem a impressão constante de que, no Brasil, alguma coisa não está mais sendo''
Walter Salles, diretor
PASSADO
“Gosto, a cada temporada, de contemplar cineastas cujo momento mais forte da produção documental está no passado, pois é uma forma de recuperá-lo, como no caso do Fontoura. Também escolho cineastas que não falaram de sua ligação com o documentário, como a Ana Carolina. E ainda chamo aqueles que estão em plena atividade e têm uma contribuição importante para os dias de hoje, como é o Calil”, explica Labaki. Série criada em 2015 e, na época, sem a pretensão de ter continuidade, “Cineastas do real” leva, a cada edição, o criador do festival “É tudo verdade” a uma conversa de cunho histórico, que foge da pauta factual.
Walter Salles, por exemplo, fala a Labaki sobre sua intenção de levar para a ficção experiências com o documentário. “Central do Brasil” (1998) nasceu do curta documental “Socorro Nobre” (1996). “Diários de motocicleta” (2004) só foi realizado depois de o cineasta ir, três vezes, aos lugares para onde os personagens viajam. A ideia era também fazer um documentário sobre essa incursão, mas o projeto não vingou.
O diretor ainda comenta a realidade brasileira, que volta e meia sobrepõe-se à ficção. “Já me aconteceu muitas vezes: começar uma história, ter dois anos de desenvolvimento e me dar conta de que os pontos cardinais dela já foram ultrapassados pela realidade. Tem um chamamento da realidade constante, que te pede pra filmar aquilo. Acho que o cinema existe para, entre outras coisas, registrar aquilo que não mais será. E a gente tem a impressão constante de que, no Brasil, alguma coisa não está mais sendo”, afirmou Salles a Labaki.
Na estreia, o convidado fala também da importância da obra de Eduardo Coutinho (1933-2014), referencial para todos os cineastas brasileiros. Elege “O fim e o princípio” (2006) a obra preferida do documentarista. Salles ainda disseca sua relação com o cineasta chinês Jia Zhangke, a quem dedicou o documentário “Um homem de Fenyang” (2014), um de seus longas mais recentes.
A pandemia, claro, afetou os rumos da nova temporada de “Cineastas do real”. Labaki teve de fazer as entrevistas remotamente, mas isso não impediu que as conversas fluíssem facilmente, a despeito do formato.
“Não é gravação de live. É um programa gravado remotamente com as regras dramáticas da TV, que não são as da internet, em que no geral falta foco”, diz o apresentador.
Para realizar suas entrevistas, Labaki também usou Coutinho como referência. Não há nenhuma conversa prévia ou envio de pauta. “Claro que ‘roubei’ isso do Eduardo Coutinho, que não se encontrava com seus entrevistados antes de falar ‘ação’. Aprendi que o frescor do contato inicial é o gatilho para tornar a conversa mais vigorosa.”
“CINEASTAS DO REAL”
• Série apresentada por Amir Labaki
• Terceira temporada
• 13 episódios
• Estreia nesta quarta (4/08), às 19h30, no Canal Brasil. Também disponível na plataforma Globoplay