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Estado de Minas A PRIMEIRA SESSÃO

Após 17 meses fechado, Cine Belas Artes retoma exibição de filmes

Agora renomeado Cine Una Belas Artes, o reduto do cinema de arte e independente de BH voltou a funcionar nesta quinta (5/8) com espectadores emocionados


05/08/2021 18:56 - atualizado 05/08/2021 19:26

Público chegou cedo para o retorno das sessões no Cine Una Belas Artes(foto: Tulio Santos/EM/D.A.Press)
Público chegou cedo para o retorno das sessões no Cine Una Belas Artes (foto: Tulio Santos/EM/D.A.Press)
Faltando aproximadamente 1 hora para o início da primeira sessão, os funcionários percorriam o salão com pressa para deixar tudo organizado, antes da chegada dos espectadores. As placas com o número das salas foram posicionadas, as tortas da cafetaria estavam dispostas e foi demarcado o distanciamento entre os espectadores na fila da bilheteria.

O salão principal segue com o funcionamento da cafeteria e da livraria. As mesas cumprem o distanciamento adequado e o limite de quatro cadeiras

Às 14h45 desta quinta-feira (05/08), o público começou a chegar. A diversidade chamou a atenção. Jovens, crianças, idosos, homens e mulheres não escondiam a emoção ao adentrar novamente o Belas Artes. Por trás das máscaras, adivinhava-se o sorriso. Eles conversavam na fila, tomavam café, tiravam fotos e reencontram os conhecidos. Nem parecia que estavam há 17 meses sem entrar naquele espaço da Rua Gonçalves Dias. 

Tariq Quintão, de 19 anos, lia na cafeteria enquanto aguardava a sessão de “Doutor Gama”, a cinebiografia do escritor e jornalista Luiz Gama (1830-1882), um dos principais nomes do movimento abolicionista no Brasil. “Eu gosto muito dos personagens imperiais do Brasil, a gente tem uma história muito grande que merece ser contada. Um filme assim que representa nossa história de forma moderna é importante para a gente lembrar do passado e dos ícones que formaram nosso país”, diz. 

"É quase um êxtase, uma nostalgia. Voltar aqui é uma experiência muito boa, satisfatória. Você pega o bilhete na mão, senta no lugar, se prepara para o filme durante o trailer, toda essa movimentação é o que atrai no cinema"

Tariq Quintão, espectador


Frequentador assíduo do Belas Artes, Tariq descreve a emoção do retorno: “É quase um êxtase, uma nostalgia. Voltar aqui é uma experiência muito boa, satisfatória. Você pega o bilhete na mão, senta no lugar, se prepara para o filme durante o trailer, toda essa movimentação é o que atrai no cinema”.   

Enquanto a fila crescia na bilheteria, Leila Lima de Souza, que trabalha como pipoqueira na frente do cinema há mais de 20 anos, fez sua primeira venda em 17 meses. Ela conta que chegou a rezar pelo Belas Artes durante a paralisação. “Eu estou tremendo, é muita emoção, porque isso aqui é um sonho da gente, é tudo de bom, o meu sustento é daqui.  É uma felicidade sem precedentes."  

"Eu estou tremendo, é muita emoção, porque isso aqui é um sonho da gente, é tudo de bom, o meu sustento é daqui. É uma felicidade sem precedentes"

Leila Lima de Souza, pipoqueira


Patrícia Kamei, de 46 anos, chegou para assistir a “Doutor Gama” exibindo a camisa do SOS Belas Artes - uma das contrapartidas para os colaboradores da campanha de financiamento coletivo que ajudou o cinema a resistir ao período sem receitas imposto pela pandemia. “Nunca fiquei tanto tempo sem ir ao cinema. Nesse período, eu fiquei com muito medo de o Belas Artes fechar”, confessa. 

"Na semana passada houve um incêndio na Cinemateca Brasileira (em São Paulo). Então essa reabertura, por mais que seja um momento em que ainda esteja morrendo gente (de COVID-19), que ainda haja muita gente que não se vacinou, frequentar o cinema, vir ao cinema, não deixar o cinema acabar, não deixar o cinema fechar é um ato de resistência"

Patrícia Kamei, espectadora


Pelo fato de ser o único cinema de rua de BH e com filmes do circuito alternativo, Patrícia conta que foi uma das colaboradoras mais atuantes da campanha de financiamento. Ela mantinha uma média de 90 filmes assistidos por ano em salas de cinema e destaca a importância deste reencontro. 

“Na semana passada houve um incêndio na Cinemateca Brasileira (em São Paulo). Então essa reabertura, por mais que seja um momento em que ainda esteja morrendo gente (de COVID-19), que ainda haja muita gente que não se vacinou, frequentar o cinema, vir ao cinema, não deixar o cinema acabar, não deixar o cinema fechar é um ato de resistência”, afirma. 

O proprietário e diretor de programação do Cine Belas Artes, Adhemar Oliveira, conta como foi o planejamento para a abertura. “Tem tanto filme parado pedindo para entrar que foi uma coisa de organização temporal mesmo. Nós privilegiamos o cinema brasileiro e o cinema independente. Os filmes do Oscar em cartaz não deixam de ser independentes. Estamos aí para continuar a briga, com uma programação diferenciada que dá valor à diversidade. Não estamos aqui para ser mais um.”

"Tem tanto filme parado pedindo para entrar que foi uma coisa de organização temporal mesmo. Nós privilegiamos o cinema brasileiro e o cinema independente. Os filmes do Oscar em cartaz não deixam de ser independentes. Estamos aí para continuar a briga, com uma programação diferenciada que dá valor à diversidade. Não estamos aqui para ser mais um"

Adhemar Oliveira, proprietário e diretor de programação do Belas Artes


“Piedade”, de Cláudio Assis, é um dos seis títulos em cartaz. Esse é o primeiro longa-metragem na carreira da mineira Mariana Ruggiero, que com seu papel venceu o prêmio de melhor atriz coadjuvante no Los Angeles Brazil Festival. Ela decidiu ver com os próprios olhos a estreia do filme em Belo Horizonte.

“É uma sensação gostosa, de alegria mesmo, porque foi bastante tempo de espera, neste momento em que o acesso à arte, à cultura está mais delicado, com toda essa questão da pandemia. É como se fosse um alento, um foguinho de esperança para a gente continuar trablhando”, diz. 
A atriz mineira Mariana Ruggiero foi conferir de perto a estreia de
A atriz mineira Mariana Ruggiero foi conferir de perto a estreia de "Piedade", longa em que atua (foto: Tulio Santos/EM/D.A.Press)

A trama de “Piedade”, na visão da atriz, tem tudo a ver com o atual momento brasileiro. “O filme fala sobre resistência e a gente está num ano de resistência, está numa luta para continuar vivo. Acho que os personagens de ‘Piedade’ estão justamente nessa missão, está todo mundo ali lutando pela sobrevivência. Também é um filme sobre o amor e eu acho que estamos precisando falar um pouquinho sobre isso”, afirma Mariana. 

"É uma sensação gostosa, de alegria mesmo, porque foi bastante tempo de espera, neste momento em que o acesso à arte, à cultura está mais delicado, com toda essa questão da pandemia. É como se fosse um alento, um foguinho de esperança para a gente continuar trabalhando"

Mariana Ruggiero, atriz de 'Piedade'


“Estrear em BH, onde eu me formei como atriz, no cinema onde eu assisti meus primeiros filmes nacionais é mais emocionante do que estar em qualquer outro lugar do mundo”, comenta. 


Reforma e novos protocolos


A primeira sessão foi do vencedor do Oscar “Nomadland”, de Chloe Zhao, às 15h30. O porteiro Luciano Guimarães, de 62 anos, estava na entrada da sala 2 para colher os ingressos. Ele é um dos velhos conhecidos dos cinéfilos.

“A maioria dos espectadores me conhece, é só gente muito boa, educada. Quando eu estou de folga, as pessoas se preocupam, sentem minha falta”, conta. Apaixonado por cinema, ele trabalha no ramo desde a década de 1970 e relata a experiência do retorno. “A emoção é demais. Eu voltei hoje e as mesmas pessoas que vinham aqui antes estão vindo agora, é o mesmo pessoal. Eu tenho muito carinho por todo mundo aqui.” 

Com uma reforma garantida pelo patrocínio do Grupo Anima, o Cine Belas Artes está com salas mais modernas, com novas poltronas, carpete e telas. Francisco Reis, de 72 anos, foi um dos primeiros a chegar.

"A maioria dos espectadores me conhece, é só gente muito boa, educada. Quando eu estou de folga, as pessoas se preocupam, sentem minha falta"

Luciano Guimarães, porteiro


“A cultura está muito judiada nesses últimos anos e veio a pandemia para piorar ainda mais essa situação. Então eu acho ótimo ver as coisas voltando ao normal. É uma certa emoção, sim”. Sobre sua escolha por “Nomadland”, comentou: “A expectativa é boa, eu li bastante a respeito, parece que é um filme muito bom. Então vamos conferir, como a gente sempre faz. Voltar é sempre bom.”

A sessão, no entanto, não estava cheia. Respeitando o limite de 60% da capacidade, havia apenas cinco pessoas na sala 2. As luzes se apagaram, todos ficaram em silêncio e, por alguns segundos, parecia que tudo havia voltado ao normal. As lembranças daquele tempo anterior à pandemia floresceram. Nada como uma sala de cinema para nos ajudar a amenizar a realidade.  

*Estagiário sob a supervisão da editora Silvana Arantes


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