Um árduo trabalho de transcrições inéditas de peças de Igor Stravinsky resultou no primeiro álbum solo da pianista paulistana radicada no Rio de Janeiro Erika Ribeiro, que acaba de vir à luz com a chancela do selo Rocinante, que já lançou trabalhos de Letieres Leite e Nelson Angelo, entre outros.
Além da obra do compositor russo, o disco também contempla temas de Hermeto Pascoal e de Sofia Gubaidúlina, conterrânea de Stravinsky. O álbum, que traz apenas o nome da pianista e dos compositores que ela executa como título, vem sendo burilado desde agosto de 2020 por Erika, ao lado dos diretores musicais Sylvio Fraga e Bernardo Ramos. Sylvio selecionou as peças e Erika mergulhou no desafio das transcrições. Em estúdio, foram necessários apenas quatro dias de gravações.
Erika, que realizou especialização em piano por dois anos na Hochschule für Musik Hanns Eisler, em Berlim, aperfeiçoamento na Écoles d’Art de Fontainebleau, na França, e é vencedora de 10 concursos nacionais de piano, entre eles o 3º Concurso Nelson Freire, destaca que o mote do disco era verter para seu instrumento um repertório que não fosse original para piano.
“A ideia inicial era fazer um disco de transcrições. Eu, Sylvio e Bernardo ficamos pensando em um compositor que seria legal para levar esse propósito adiante e chegamos a Stravinsky. Fomos colecionando repertório e partimos das peças dele”, diz.
Ela conta que a escolha de Stravinsky deu o norte para a seleção dos outros compositores. “Quando veio a ideia do álbum, pensamos de cara em trabalhar com três compositores. Eu queria muito um brasileiro, então entrou essa peça do Hermeto, ‘Série de Arco’, que tem procedimentos parecidos com os que adotei para Stravinsky, permite estabelecer uma ponte”, contra.
Para completar o trabalho, a instrumentista queria uma mulher compositora. “E achamos essa peça da Sofia, que é muito pictórica, tem pequenas paisagens atmosféricas. E ela também é russa, como Stravinsky. Some-se a isso as efemérides em torno dos dois”, diz, aludindo ao cinquentenário de morte do autor de “A sagração da primavera” e aos 90 anos que a compositora completa neste 2021.
QUARENTENA
Sobre o trabalho de transcrição, que demandou alguns meses, Erika diz que foi uma imersão, um trabalho solitário, “combinando com a necessidade de quarentena”, e bastante complexo.
Você tem que experimentar diversas soluções ao piano, ver, no arranjo orquestral, os instrumentos que permitem a transcrição. É muita coisa que acontece e, para colocar tudo no piano, você tem que fazer escolhas, ou seja, é um processo criativo também, de certa maneira é como se você pudesse acessar a mente do compositor ali naquele momento. É um processo minucioso e necessário, justamente para poder chegar no estúdio e gravar com segurança”, ressalta.
No texto de apresentação do álbum, que estará impresso na contracapa da edição em vinil, a ser lançada em breve, o crítico de música de concerto Irineu Franco Perpétuo escreve que “ao propor suas transcrições – retratos em branco e preto de obras escritas para outras formações –, Erika Ribeiro reconecta-nos à chamada Era de Ouro do piano, renovando uma tradição brilhante dentro dos novos parâmetros do terceiro milênio”.
Ele aponta, ainda, que, nos dias de hoje, as transcrições são um artifício que costuma ser empregado para alargar o repertório de instrumentos que não foram contemplados pelos compositores canônicos da história da música, e que antes da difusão das tecnologias de gravação, contudo, a transcrição era uma prática muito mais disseminada, até corriqueira, no instrumento para o qual esses mesmos compositores canônicos mais escreveram – o piano.
Erika diz que o instrumento escolhido para a gravação, um CFX Yamaha, teve um peso grande no resultado final do disco. “Esse trabalho tem uma acuidade sonora muito grande, que é fruto desse piano em que toquei. É uma Ferrari”, diverte-se. “É um instrumento que traz muitas possibilidades de timbre, de densidade, o que permite colorir esse repertório. Stravinsky é uma coisa muito difícil, mas, ao mesmo tempo, é um repertório que abre muito os ouvidos, pode levar a recepções muito interessantes”, aponta.
A pianista diz que está ansiosa para levar o repertório do álbum para os palcos e espera que a situação epidemiológica melhore ao longo dos próximos meses, para que isso seja possível. “Estamos vendo essa coisa do retorno das plateias às salas de concerto, esperando que, em breve, seja algo mais tranquilo, porque quero fazer um concerto que seja bem simbólico. Esse disco também vai ser lançado em vinil. Ele agora está nas plataformas de streaming, mas a chegada do disco físico pode ser um momento interessante para realizar um concerto”, dizela. Em setembro Erika vai tocar em um festival de piano em Joinville e ela tem projetos de gravação de outros discos.
“Sofia Gubaidúlina / Hermeto Pascoal / Igor Stravinsky”
De Erika Ribeiro
Disponível das plataformas de streaming