“Todo dia a minha terra Krenak é estuprada”, afirma a ativista indígena Shirley Krenak. O estupro ao qual ela se refere é o trem que passa diariamente por um trecho da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) dentro da reserva indígena, localizada em Resplendor, Leste de Minas Gerais. A passagem do trem diz respeito não somente aos tempos atuais, mas também ao passado de morte e tentativa de aniquilamento da cultura , ela afirma.
Shirley conduz boa parte da narrativa, que, em determinado momento, sai de Minas e vai até o Pará, para apresentar o ponto de vista de Maria Zelzuita, sobrevivente do Massacre de Eldorado dos Carajás.
O documentário é construído com muitas imagens de época. A câmera acompanha Shirley andando na área da reserva e mostrando os espaços que, durante a ditadura militar (1964-1985), serviram como presídio e quartel. Conta que seus pais e avós eram proibidos pelos militares de falar a própria língua, entoar seus cânticos e até usar a pintura corporal que ela adota nos dias de hoje. E que quem descumpria ordens era preso, torturado ou até morto.
“ENTREVEROS”
Após essa sequência, por exemplo, há uma imagem do então ministro do Interior José Costa Cavalcanti (1969-1974) afirmando que nunca houve genocídio dos Krenak, só “alguns entreveros” com “uma morte ou outra de índio”. Indo e vindo no tempo, o filme vai mostrando as lutas passadas e presentes daquele povo. Além de Shirley, sua mãe, filha e irmãos (entre eles o ativista Geovani Krenak) são entrevistados. O filme reconstitui, por meio de depoimentos, as consequências que o povo sofreu com o rompimento da barragem em Bento Rodrigues, em 2015.
Shirley fala de como a chegada da lama contaminou o Rio Doce, para os Krenak um rio tornado amargo. Mas também mostra uma possibilidade de futuro, com o reflorestamento que os indígenas estão fazendo nas terras.
Em dado momento, o documentário se volta para a tragédia de Eldorado dos Carajás. Em 17 de abril de 1996 houve um confronto de trabalhadores sem-terra com tropas da PM – 19 trabalhadores foram mortos naquele dia, dezenas foram feridos, no que os habitantes da região chamam de “curva do S” (um trecho da BR-155).
O massacre é reconstituído por meio de imagens de época, algumas muito fortes, em que se ouve apenas o som das balas. Maria Zelzuita conta o que viveu naquele dia e também mostra sua vida atual, com seu engajamento na luta pela terra e a crescente participação feminina.
As duas lutas vão convergir na parte final, quando assistimos a imagens de trabalhadoras do
MST
e mulheres indígenas em protesto em Brasília.
Há uma sequência que mostra o encontro de Shirley com a ministra do STF Cármen Lúcia – essas imagens foram gravadas durante a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas, em agosto de 2019. Shirley pede à ministra que repita com ela a palavra ererré. “Quero saber o que é”, diz Cármen. “Tudo o que a gente ensina é positivo”, explica Shirley. “Então, ererré”, diz a magistrada, sendo acompanhada pelo grupo de ativistas no local. “Ererré” é uma saudação do povo Krenak.
“A MÃE DE TODAS AS LUTAS”
• Documentário de Susanna Lira. Estreia nesta sexta (13/08), às 21h35, no Canal Curta!. Também disponível no Curta! On (Net/Claro) e em
curtaon.com.br