O Brasil perdeu ontem um de seus artistas mais importantes. Uma pneumonia tirou de cena o ator e diretor Paulo José, de 84 anos, que enfrentou por mais de duas décadas o Mal de Parkinson – diante dos holofotes e fora deles. O artista estava internado há 20 dias, no Rio de Janeiro. Deixa a mulher, Kika Lopes, e quatro filhos: Ana, Bel e Clara Kutner, de seu casamento com a atriz Dina Sfat (1938-1989), além Paulo Henrique Caruso, de seu relacionamento com Bethy Caruso. Ele foi casado também com as artistas Carla Camuratti e Zezé Polessa.
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Foram dezenas de filmes, todos destaques da cinematografia nacional – entre eles, “Todas as mulheres do mundo” (1966), “Edu coração de ouro” (1968), “O rei da noite” (1975), “Eles não usam black tie” (1981), “Ilha das flores” (1989), “Menino maluquinho” (1995), “Policarpo Quaresma” (1998), “O homem que copiava” (2003), “Quincas Berro D'água” (2010) e “O palhaço” (2011).
Paulo se descobriu artista em Bagé, no colégio dos padres salesianos, aos 10 anos. Nascido em 10 de março de 1937, em Lavras do Sul (RS), ele criou o Teatro de Equipe, com Paulo Cesar Pereio, Lilian Lemmertz e Itala Nandi, em Porto Alegre, em 1955. Ator amador, fez vestibular para medicina e arquitetura, mas decidiu-se pelos palcos.
O jovem artista se mudou para São Paulo nos anos 1960. Foi de tudo no Teatro de Arena: figurinista, ator, contrarregra, diretor musical, produtor. Em 1961, estreava nos palcos paulistanos com “Testamento de um cangaceiro”, de Chico de Assis.
Paulo José resistiu à ditadura militar com sua arte, ao lado dos companheiros de geração e de sua mulher na época, Dina Sfat. Dirigiu e atuou na montagem carioca de “Arena conta Zumbi”, fez Brecht (“Os fuzis da senhora Carrar”), Maquiavel (“A mandrágora”) e Gianfrancesco Guarnieri (“O filho do cão”). Ganhou o Prêmio Molière em 1987 com a peça “Delicadas torturas”, de Harry Kondoleon.
A feliz parceria com a trupe mineira do Grupo Galpão, iniciada em 2002, rendeu montagens memoráveis de “O inspetor geral” (2003) e “Um homem é um homem” (2005), entre outros projetos. “Tem gente que monta peça e tem gente que faz teatro. O Galpão faz teatro”, afirmou, certa vez.
Ele também dirigiu as peças “Um navio no espaço” (2009), com a filha Ana Kutner, e “Histórias de amor líquido” (2011), com Ana e a outra filha, Bel.
A televisão fez de Paulo José um artista popular. Ingressou na TV Globo em 1969, atuando em “Véu de noiva”, novela de sucesso de Janete Clair. Em 1970, foi o cafajeste Samuca de “Assim na terra como no céu”, de Dias Gomes.
Diretor talentoso, comandou vários episódios de “Caso especial”. Atuou em “Somos todos do jardim de infância (1972), escrito e dirigido por Domingos Oliveira.
Telenovelas na Globo foram várias: “Supermanoela” (1974), “O casarão” (1976), “Tieta” (1989), “Araponga” (1990), “Vamp” (1991), “Explode coração” (1995), “Por amor” (1997) e “Senhora do destino” (2004), entre outras. No folhetim “Em família” (2014), seu personagem sofria de Parkinson, assim como ele.
Inquieto, fez parte da equipe do programa “Você decide”, que estreou em 1992 e inovou a linguagem da televisão brasileira. Dirigiu as antológicas minisséries “Agosto” (1993), adaptação de Jorge Furtado e Giba Assis Brasil do romance de Rubem Fonseca; “Memorial de Maria Moura” (1994), adaptada por Jorge Furtado e Carlos Gerbase da obra de Rachel de Queiroz; e “Incidente em Antares” (1994), adaptação de Nelson Nadotti e Charles Peixoto do livro homônimo de Erico Verissimo.
Em 2000, foi o padre Simão em “A muralha”, minissérie de Maria Adelaide Amaral e João Emanuel Carneiro.
PARKINSON O ator e diretor não se dobrou ao Parkinson – conviveu com a doença por 28 anos. Descobriu-se parkinsoniano em 1993, após intensa jornada de trabalho na Globo com “Você decide especial”. Ao tomar café da manhã, percebeu que o corpo deixara de obedecer ao cérebro.
Tratou-se nos EUA e no Brasil, dizia viver num “parkinson de diversões”.
Enfrentou as sequelas, teve depressão. Mas não se entregou. Participou de um programa “Roda viva” em que perdeu o controle da mão, pois tomara remédios para tentar se sair bem ao vivo. “O tiro saiu pela culatra”, contou.
Paulo José dizia também que o Parkinson era seu companheiro de trabalho, pois, em parceria com ele, dirigiu peças, participou de filmes e fez programas de TV.