É difícil alinhar a história com a realidade. Tampouco não é fácil ter empatia pela personagem-título. Mas “Ema”, filme do cineasta Pablo Larraín que estreia nesta quinta-feira (12/08) nos cines Una Belas Artes e Ponteio, atinge o espectador em cheio pela estranheza e pela estética visceral. É tudo muito: cor, música, corpos. Não há meias-medidas.
Uma espécie de retorno para casa, “Ema” foi criado entre os dois filmes em inglês do diretor chileno: “Jackie” (2016) e o inédito “Spencer” (2021), sobre o fim do casamento de Lady Di com o príncipe Charles, que compete, em setembro, pelo Leão de Ouro em Veneza. Aqui o cenário é a cidade portuária de Valparaíso, que o turista conhece pela casa de Pablo Neruda e pela arquitetura colorida.
REGGAETON
Ema (Mariana Di Girólamo) é uma das bailarinas da companhia de dança de vanguarda de Gastón (Gael García Bernal). Mas seu palco é mesmo a rua. Com um grupo de amigas, dança o reggaeton em qualquer lugar que seja da cidade, para desespero de Gastón, que abomina o ritmo repetitivo. Ema é também mulher do coreógrafo – 12 anos mais velho –, e o casamento está indo ladeira abaixo.O casal, que sempre sonhou em ter uma família (houve várias tentativas para Ema engravidar, até que se descobriu que Gastón é estéril), adotou Polo (Cristían Suárez) quando tinha 7 anos. Menos de um ano depois, devolveram o garoto quando o comportamento dele fugiu do controle – na verdade, o menino ateou fogo em alguém.
O tom de tragédia do início vai se transformando rapidamente quando passamos a acompanhar a loucura que atinge os personagens. Gastón e Ema culpam um ao outro pelo que ocorreu com a criança. As obsessões sexuais da dupla seriam o motivo da bagunça na cabeça de Polo.
A partir deste momento, o longa vai para outro caminho. A câmera de Larraín se fixa na protagonista (algo que ele havia feito em “Jackie”). Os cabelos descoloridos, o corpo mignon atlético e o olhar permanentemente vazio são a marca da bailarina. As cores em neon dominam a cena. Ela faz improvisos de dança em todos os lugares de Valparaíso, consegue um lança-chamas e passa a queimar carros na cidade. Ema abandona o casamento e dá início a uma série de relacionamentos sexuais.
Gastón é deixado de lado. A presença de Gael García Bernal, ator recorrente na obra de Larraín (“No”, 2012, e “Neruda”, 2016), torna-se secundária, quase um auxílio luxuoso para a jovem atriz Mariana Di Girólamo. Outro nome de destaque do elenco, Santiago Cabrera, também entra na história como o bombeiro Aníbal para dar suporte à protagonista.
VOYEUR
O filme tem seus melhores momentos justamente quando deixa de lado a história que se prestou a contar. Duas montagens levam o espectador a um olhar voyeurístico para a personagem. Uma sequência de dança e outra de sexo, em que Ema, com seus múltiplos parceiros e parceiras, demonstra sua fome sexual. É o sexo que guia a protagonista em suas ações e na vontade desmedida de construir uma família.As sequências imagéticas vão se sucedendo até que na parte final o viés narrativo volta. Como um contorcionista, Larraín consegue fechar todas as pontas dessa história estranha, por vezes desagradável, mas que faz com que o espectador não tire o olho da tela.
“EMA”
(Chile, 2019, 102min, de Pablo Larraín, com Mariana Di Girólamo e Gael García Bernal) – Após uma tragédia, casal decide devolver seu filho adotivo. Enquanto o casamento desmorona, a mulher, uma dançarina, faz de tudo para voltar a ser mãe. Em cartaz no Una Cine Belas Artes 1, às 15h e 20h40, e no Ponteio 4, às 19h e 21h20.