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Estado de Minas COMÉDIA

Esse Menino troca 'Naro' por 'Poodle', propondo outro olhar sobre o humor

Artista mineiro que bombou na internet com o 'vídeo da Pifaizer' estreia especial ironizando estereótipos que cercam a 'cota gay' na mídia


13/08/2021 04:00 - atualizado 13/08/2021 06:48

Esse Menino, em ''Poodle'', não economiza no rosa-choque para questionar o humor dominado ''pelo homem branco, hétero, cisgênero''
Esse Menino, em ''Poodle'', não economiza no rosa-choque para questionar o humor dominado ''pelo homem branco, hétero, cisgênero'' (foto: Doma 02/divulgação)

Depois de se transformar em fenômeno na internet com o vídeo que ironiza a postura do governo brasileiro na aquisição das vacinas da Pfizer, o humorista mineiro Esse Menino lança o especial que revela outra face de seu trabalho.“Poodle” estreia nesta sexta-feira (13/08), fiel ao princípio da comédia, a capacidade de rirmos de nós mesmos, e com a proposta de oferecer um novo olhar sobre a comunidade LGBT.

Nascido em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, Esse Menino tem 25 anos. Desde 2018, publica vídeos de humor na internet. Morou em Belo Horizonte, tentou ganhar a vida como comediante de stand up e roteirista em São Paulo, mas a pandemia de COVID-19 o trouxe de volta à capital mineira. Em junho, ficou famoso com o divertido “vídeo da Pifaizer”.

“Mudou tudo, porque agora tenho uma carreira. Antes, tinha planos e sonhos, estava correndo atrás para botar meu nome na praça”, diz o humorista. “Estou trabalhando muito e vivendo disso, o que era a minha maior meta.”

''Esses papéis caricatos são rasos. Muitas vezes, eles não têm outra função na narrativa além de estar ali fazendo uma gracinha, assumindo a cota gay''

Esse Menino, humorista


BOY LIXO

No vídeo, Esse Menino “encarna” a Pifaizer, indignada por ter dezenas de e-mails ignorados pelo presidente Jair Bolsonaro, a quem chama de “Naro”. Há referências ao mundo pop e ao universo gay, com seus “boys lixo”.

O carisma, o humor ácido e a linguagem moderna transformaram Esse Menino não só em meme nas redes sociais, mas em inspiração para cartazes exibidos durante as manifestações de protesto contra o governo federal.

Desde a publicação do vídeo, o mineiro ganhou mais de 1 milhão de seguidores no Instagram. Também fechou contrato com a agência Mynd, de Preta Gil, que gerencia a carreira de celebridades. “Fiquei muito feliz por ter viralizado, porque acho que o vídeo dá o tom do meu posicionamento, de quem eu sou. Ao mesmo tempo, é muita coisa que vem de uma vez”, conta.

“Poodle” está diretamente ligado ao “vídeo da Pifaizer”. Esse Menino gravou o especial uma semana antes de o trabalho viralizar na internet. A intenção era experimentar algo novo, além do formato de três minutos nas redes sociais. Artista independente, sem patrocínio, ele juntou todas as economias para viabilizar “Poodle”. “Foi um tiro no escuro”, comenta.

Ao publicar o vídeo da vacina em 9 de junho, a ideia era bater a marca de 40 mil seguidores do perfil Esse Menino e divulgar o especial. No entanto, o resultado foi muito além do esperado. Em contrapartida, o humorista mineiro alcançou públicos pouco familiarizados com sua performance, que poderiam estranhar “Poodle”.

O especial propõe uma reflexão para (e sobre) a comunidade LGBTQI+, em cinco atos baseados no processo de luto: “Negação”, “Revolta”, “Depressão”, “Barganha” e “Aceitação”.

O roteiro inicial foi elaborado para um edital de micropeças lançado pela Prefeitura de Belo Horizonte. A aprovação da proposta, em dezembro de 2020, viabilizou a performance solo com 10 minutos, estrelada pela nova personagem da comunidade LGBT.

“Primeiramente, queria explorar só a questão do papel do ‘gay pet’, esses homens gays, cis, que são meio alienados. Ninguém sabe o que eles fazem exatamente, qual é a profissão deles. São conhecidos por estar sempre com famosos, naquela posição subalterna”, explica.

A experiência foi bem-sucedida e o humorista ampliou a proposta, produzindo o especial inédito, com 47 minutos. “Achei que bater só nessa tecla (do 'gay pet') ia parecer um lugar meio de superior, como se eu também não tivesse vários pontos que podem ser abordados. Acabei tirando a narrativa um pouco daquele lugar de só apontar o dedo”, explica Esse Menino, que pede para ser identificado assim nesta reportagem – e não por seu nome civil. Além de performar, ele assina o roteiro e a produção de “Poodle”.

Troca de e-mails com ''Naro'' viralizou, dando impulso à carreira do humorista
Troca de e-mails com ''Naro'' viralizou, dando impulso à carreira do humorista (foto: Esse Menino/reprodução)

CANCELAMENTO

Com formato stand up, “Poodle” se baseia em situações que seu autor vivenciou. Ele critica a sociedade heteronormativa, a comunidade LGBT, a cultura do cancelamento, a mídia e a padronização de estereótipos.

Esse Menino se assume “mais gay do que o normal”, e não teme rir de si mesmo. “Quis mostrar a minha personalidade, essa persona falha que eu sou”, afirma.

O especial conta com a participação especial da cantora Jup do Bairro e as vozes da cantora e compositora Duda Beat e do roteirista Chico Felitti. Figurino e cenário não poupam o rosa-choque.

“A gente foi na coisa do rosa, dos penduricalhos e da bicha caricata porque essa é uma posição que existe muito na mídia. Se a gente olhar para as novelas e seus personagens, (a abordagem) é sempre nesse lugar”, afirma. “Esses papéis caricatos são rasos. Muitas vezes, eles não têm outra função na narrativa além de estar ali fazendo uma gracinha, assumindo a cota gay”, critica. “Então, (o especial) foi mais para mostrar que existe complexidade (na comunidade LGBT).”

“Poodle” retoma a infância de Esse Menino e os conflitos de uma criança homossexual no interior de Minas. Ao amadurecer, ele incorpora a militância LGBT e problematiza algumas questões, como a dificuldade de dialogar com a comunidade enquanto humorista.

“Algumas pessoas podem ficar incomodadas, mas eu quis mostrar uma coisa mais crua em relação ao que sinto do lado de cá, tendo de produzir para pessoas engajadas, que também têm um interesse político no que faço”, comenta.

O roteiro remete às consequências da ascensão da comunidade LGBT na sociedade e à dificuldade de seus integrantes para se identificar com a militância, em meio ao fenômeno do cancelamento nas redes sociais e à representatividade proposta pela mídia.
“Existem pessoas que perdem a mão (no ativismo) e muitas empresas capitalizaram em cima dessa militância. Isso também é um problema, porque a representatividade vira estratégia de marketing”, observa.

''Algumas pessoas podem ficar incomodadas, mas eu quis mostrar uma coisa mais crua em relação ao que sinto do lado de cá, tendo de produzir para pessoas engajadas, que também têm um interesse político no que faço''

Esse Menino, humorista


GAY PET

Esse Menino pretende trazer nova visão sobre a figura do “gay pet”. A vida alienada desse personagem é mais fácil e glamourosa em comparação à realidade dos ativistas. Bem-humorado, o artista mineiro assume que não sabe de tudo, diz que ninguém é perfeito.

“Minha intenção foi mostrar que aquela pessoa, no início tão convicta de si, se sentiu perdida com tudo o que está acontecendo, com todas as informações que a gente recebe, e simplesmente desistiu”, adianta.

“Poodle” destaca também o trabalho de Esse Menino como roteirista e cantor. No início do especial, ele faz piadas sobre a realidade do artista independente, que, apesar de tanto se esforçar, ainda é visto como “tiktoker”, ou seja, figurinha carimbada do aplicativo Tik Tok. Ao final, deixa claro que não veio para ser mais um. Quer lutar por espaço sem abdicar de sua identidade, sem a responsabilidade de agradar a todos.

“O humor brasileiro ainda é feito pelas mesmas pessoas de antes. Não que sejam sempre os mesmos caras, mas é o mesmo perfil: homem branco, hétero, cisgênero. Eles são bons também, mas é muito igual”, afirma. 

“A intenção do especial, da minha carreira, não é mudar a cena. Isso acontece indiretamente a partir do momento em que outras pessoas estão ocupando espaços”, conclui.

“POODLE”
Especial com o humorista Esse Menino. Estreia nesta sexta-feira (13/08), com ingresso a R$ 20. Link de acesso: evoe.cc/essemenino. Até 20 de agosto.


* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria


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