"A violência contra a mulher está aí, seja ela branca, preta, amarela, gorda, magra, alta, rica, pobre. Tento vocalizar este lugar com muito amor"
Júlia Ribas, cantora e poeta
A cantora belo-horizontina Júlia Ribas lança o seu terceiro álbum, “Lágrima seca”, com poemas musicados que retratam narrativas pessoais e coletivas a respeito do sofrimento da mulher. “Existe vida depois da dor” é o tema do projeto. A campanha de lançamento, dividida em quatro atos, se estende até setembro.
“A violência contra a mulher está aí, seja ela branca, preta, amarela, gorda, magra, alta, rica, pobre. Tento vocalizar este lugar com muito amor”, explica Júlia, de 43 anos. Com 16 minutos, o primeiro ato de “Lágrima seca” foi disponibilizado ontem no YouTube.
MATURIDADE
A cantora e poeta explica que decidiu abordar as próprias dores em um momento de maturidade e maternidade, após se recuperar do período em que sofreu violência doméstica e a perda espontânea de uma gestação. “Estava disposta a passar a limpo tudo isso”, afirma.
Em 2019, Júlia revelou, no palco do Festival de Jazz da Savassi, ter sofrido violência doméstica. “Foi impressionante a reação. De madrugada, fiquei no telefone com várias mulheres que jamais imaginei estarem passando pela mesma situação.”
Em seu processo de recuperação, a mineira conheceu Maria da Penha, vítima de atrocidades e inspiração para a lei que pune agressores de mulheres no Brasil. “Pude dividir com outras pessoas o lugar em que há vida depois da dor”, comenta Júlia.
A cearense Maria da Penha influenciou fortemente o processo artístico da cantora. “Ela é muito simples, de um olhar muito doce. A presença dela é muito forte”, diz Júlia.
Maria da Penha e a vereadora de Belo Horizonte Duda Salabert (PDT) fizeram a seleção dos poemas de “Lágrima seca”. A ideia inicial da autora era transformá-los em livro, mas a Lei Aldir Blanc viabilizou a produção do álbum, dividido em quatro atos com textos musicados.
A vocalização coube à atriz Lira Ribas, irmã de Júlia, que também assina direção de arte e figurino. Rute, filha da cantora, faz participação especial.
Os poemas foram escritos no sertão cearense, onde Júlia diz ter reencontrado sua feminilidade após as agressões que sofreu. Ela morou em um quilombo, trabalhou no plantio e caminhava diariamente cinco quilômetros para buscar água.
“O sertão cearense veio para pontuar a simplicidade de uma maneira muito lúcida. Lá, mulheres sem nenhum recurso conseguem sorrir diante do sofrimento e encontrar beleza em muitas coisas. Isso tudo foi maravilhoso”, descreve.
Em seu novo projeto, a cantora recorreu a sonoridades experimentais para acompanhar os poemas, com vozes, sussurros, cantos, violão e percussão. “Um mapa sonoro”, diz, citando ambiências que se repetem, dialogam e ampliam a ressonância dos textos.
PRISÃO
Desde 2015, Júlia vem gravando sons de situações aleatórias, seja durante a amamentação ou em seu trabalho voluntário no sistema prisional feminino, por exemplo.
Durante um festival de jazz, houve uma sessão de improvisos com os músicos Pedro Surubim e Jack Will que acabou se tornando determinante para a sonoridade de “Lágrima seca”.
“Naquela semana, ocorreram vários feminicídios no Brasil. A gente ficou muito sensível, então rolou a improvisação meio jazz, meio brasuca. Foi ali que tive o start para definir o mapa sonoro do meu disco”, diz Júlia.
“LÁGRIMA SECA”
>> Disco da cantora Júlia Ribas. “Ato 1” está disponível no YouTube e nas plataformas de música. “Ato 2” será lançado em 27 de agosto; “Ato 3” em 10 de setembro; e “Ato 4” em 24 de setembro
* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria