Jornal Estado de Minas

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Jayme Monjardim quer fazer justiça a Aracy, a brasileira que salvou judeus


O diretor Jayme Monjardim tem predileção por personagens femininas de grande estatura. Em sua carreira, destacam-se as minisséries “Chiquinha Gonzaga” e “A casa das sete mulheres”, além do filme “Olga”, para não falar da série “Maysa – Quando fala o coração”, que retrata a trajetória da grande cantora, sua mãe. Agora, Monjardim se prepara para colocar mais uma figura feminina de destaque em sua coleção, depois de terminar a filmagem de “O anjo de Hamburgo”, primeira coprodução internacional da Globo, em parceria com a Sony Pictures.





Trata-se da história de Aracy de Carvalho Guimarães Rosa (1908-2011), mulher do grande escritor mineiro e que, durante o período em que viveu na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, desafiou autoridades para ajudar centenas de famílias de judeus a fugirem do nazismo.

“Ela não apenas confrontou o governo alemão, como também o Itamaraty, pois o governo brasileiro da época, de Getúlio Vargas, restringia a entrada de judeus no Brasil”, comenta o diretor, que trabalha agora na edição da série, que terá oito episódios.

DESQUITADA 

Aracy, de fato, desafiou as normas de seu tempo. Desquitada, situação totalmente reprovável na época, a paranaense chegou a Hamburgo, na Alemanha, em 1934, acompanhada do filho de 5 anos, Eduardo, para morar na casa de uma tia. Como falava fluentemente alemão, francês e inglês, conseguiu emprego como chefe de vistos no consulado do Brasil naquela cidade.





O regime nazista e a perseguição aos judeus revoltaram Aracy, que conseguia falsos atestados de residência para os judeus em Hamburgo e, assim, liberava a emissão de vistos. Os passaportes eram deixados em meio à papelada para o cônsul, que, entediado com a burocracia, assinava-os sem ler.

Com isso, ela colocava a vida em risco, pois uma determinação do governo varguista orientava as missões diplomáticas a não concederem vistos que permitissem a entrada em território nacional de pessoas de origem semita.

Aracy chegou a transportar em seu próprio carro judeus para além das fronteiras alemãs. Foi no consulado que ela conheceu e se apaixonou por João Guimarães Rosa (1908-1967), então vice-cônsul, que também passou a facilitar a fuga dos perseguidos, especialmente quando assumiu a posição do cônsul, que, em janeiro de 1939, saiu de férias e retornou ao Brasil.





“Quando conheci a história desta mulher incrível, eu me senti determinado a contá-la para mais pessoas, pois Aracy é pouco conhecida no Brasil e, em geral, o público se lembra dela como a esposa do grande escritor”, explica Monjardim.

Criada e escrita por Mario Teixeira com colaboração da autora inglesa Rachel Anthon, a minissérie conta com consultoria de um time de historiadores e especialistas em cultura judaica, além de pesquisadores de relações internacionais.

“O anjo de Hamburgo” tem produção caprichada. Rodada no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, onde edifícios históricos reproduzem com rara perfeição a arquitetura do consulado brasileiro na Alemanha, a série tem Sophie Charlotte no papel de Aracy e Rodrigo Lombardi como Guimarães Rosa. No elenco estão Tarcísio Filho, que vive o cônsul Souza Ribeiro, e Gabriela Petry, que interpreta Taibele Bashevis, judia dividida entre o sonho de ser cantora e a necessidade de estar perto da família.





A maior parte dos talentos tem diferentes nacionalidades. “São 13 atores estrangeiros, vindos de Israel, Alemanha, Polônia e Itália”, conta o diretor, informando que a história é narrada em inglês para facilitar a distribuição internacional. A produção será dublada em português quando ficar disponível nas plataformas da Globo, estreia prevista para até dezembro.

(foto: João Miguel Jr./Globo/divulgação )


ARQUIVO 

Por causa da pandemia, a produção sofreu interrupções. Iniciada em 2020, só foi finalizada em maio deste ano. “Contamos com o grande apoio da família de Aracy, especialmente do neto Eduardo, que nos abriu seu arquivo com mais de 10 mil documentos, entre diários de guerra e fotos”, explica Monjardim.

Atualmente, ele trabalha em São Paulo, de forma remota, na edição dos episódios, que vão contar com recursos gráficos e efeitos especiais. “A tecnologia me permite manter contato constante com os computadores da Globo no Rio de Janeiro”, comenta.





Maysa vai ganhar 
museu em Maricá

Jayme Monjardim prepara musical sobre a mãe, a cantora Maysa (foto: Geraldo Viola/O Cruzeiro/Arquivo EM -21/11/73 )

O norte dos próximos trabalhos de Jayme Monjardim serão produções tecnicamente impecáveis e com conteúdo social integrado. “Apoio a indústria do bem, como a Universidade dos Sentimentos, que desenvolvo com o escritor e psiquiatra Augusto Cury”, revela o diretor. “Nossa filosofia prega ter cuidado com o que se pede para o destino, pois pode acontecer.”

Outro importante projeto envolve a obra de sua mãe, a cantora e compositora Maysa (1936-1977), uma das principais intérpretes da música brasileira. Ao lado de artistas que se destacaram nos anos 1950, como Nora Ney, Ângela Maria, Cauby Peixoto e Dolores Duran, Maysa contribuiu para um novo padrão vocal.

A vida tumultuada da estrela, que se confundia com a profissional, poderá inspirar um musical, no qual Monjardim trabalha com a cantora Claudia Netto. “Ela escreve bem e cedi acesso ao material de que disponho”, conta ele. Esse trabalho também foi interrompido pela pandemia.





Um dos grandes desejos de Monjardim é oficializar o museu em homenagem à sua mãe, a ser montado em Maricá, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Será construída uma casa, onde os visitantes poderão conhecer a Maysa de verdade.

“No planejamento, há até recursos de 3D que o transformarão em um museu de sensações”, revela o diretor. “Haverá totens nos quais será possível acessar as músicas, até mesmo as inéditas.”

Para isso, ele vai dispor o acesso ao seu arquivo pessoal, que conta com aproximadamente 20 documentos. A previsão é de que o museu fique pronto até o final de 2022.

O segredo está 
nos detalhes

Camila Morgado no filme "Olga", dirigido por Jayme Monjardim (foto: Globo Filmes/divulgação)

Jayme Monjardim busca o perfeccionismo em tudo o que faz, mesmo quando detalhes passam despercebidos pelo grande público. No filme “Olga” (2004), que conta a história de Olga Benário Prestes, a judia e militante do movimento comunista deportada grávida pelo governo Vargas para a Alemanha nazista, há o predomínio das cores azul e cinza, que revelam justamente as dificuldades enfrentadas pela personagem.





Monjardim decidiu que apenas a bochecha rosada de Olga, no início do filme, teria alguma cor quente, além dos longos closes nos verdes olhos da atriz Camila Morgado, intérprete da personagem.

“PANTANAL” 

Para o surgimento de tais detalhes, é preciso estreito relacionamento com a equipe criativa, algo decisivo para o sucesso do projeto, acredita ele. Isso explica o estrondoso êxito da novela “Pantanal”, exibida pela extinta TV Manchete em 1990, que ganhará um remake pela Globo.

“Trabalhei diretamente com o autor, Benedito Ruy Barbosa, em todas as possibilidades de execução da produção, o que foi essencial, pois nenhum diretor salva um texto mal construído”, explica, apontando os contrastes de sua versão com a planejada pela Globo.

“Na época, a região do Pantanal era desconhecida, as pessoas só falavam da Amazônia. Assim, sabíamos que despertaríamos a curiosidade sobre aquela natureza.” Monjardim relembra as dificuldades técnicas de gravar no Pantanal. “Não dispúnhamos de eletricidade e o acesso era por avião. Tivemos de levar até os tijolos para a construção de banheiros”, conta, reforçando que não terá nenhum contato com a nova versão.

“Atualmente, os recursos são maiores, como os drones, e a região é bem mais conhecida. E as recentes queimadas não poderão ser ignoradas, portanto, será um grande desafio.”

Com 40 anos de profissão, Jayme Monjardim se orgulha de ser um profissional essencialmente de televisão. “É um meio de rápida comunicação, que exige detalhado entendimento de seu funcionamento. Sabemos contar bem uma história, pois Hollywood está para o cinema assim como o Brasil está para as novelas”, conclui. (Agência Estado)




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