(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas MÚSICA

Sambistas celebram o centenário da Voz do Morro com shows no CCBB-BH

Apresentações em homenagem a Zé Kéti irão desta quinta (19/8) a domingo (22/8) e terão transmissão simultânea pelo YouTube


18/08/2021 04:00 - atualizado 17/08/2021 22:38

A obra de Zé Keti e também sua relação com o carnaval e o cinema serão tema dos shows. Moacyr Luz participa da apresentação de sábado(foto: Marco Aurélio Olímpio/Divulgação )
A obra de Zé Keti e também sua relação com o carnaval e o cinema serão tema dos shows. Moacyr Luz participa da apresentação de sábado (foto: Marco Aurélio Olímpio/Divulgação )

Depois de passar pelas unidades do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro, em Brasília e em São Paulo, contornando as restrições impostas pela pandemia com datas reagendadas, chega finalmente a Belo Horizonte, nesta quinta-feira (19/8), o projeto “Zé Kéti – 100 anos da voz do morro”.

Serão quatro shows, um a cada dia, até domingo, com artistas convidados prestando sua homenagem ao centenário de nascimento do sambista. Com títulos temáticos, que propõem recortes da vida e da obra de Zé Kéti (1921-1999), as apresentações terão número reduzido de público e transmissão simultânea via canal do Banco do Brasil no YouTube.

O show de abertura, intitulado “Eu sou o samba”, terá no palco João Cavalcanti, que recebe como convidada Fabiana Cozza. Na segunda noite, Zé Renato e Cristóvão Bastos apresentam “Zé Kéti e o cinema”. O terceiro show, “Diz que eu fui por aí”, está a cargo do grupo Sururu na Roda e conta com a participação de Moacyr Luz. Encerrando a maratona, no domingo, o grupo Casuarina recebe Nilze Carvalho na apresentação batizada como “Um sambista de opinião”. 

No primeiro dia, um bate-papo entre João Cavalcanti e Fabiana Cozza sobre o tema “Em tempo, machismo não é questão de opinião” precede o show. E no segundo dia Zé Renato conduz a palestra “Zé Kéti, samba, carnaval e cinema”.

Idealizadora e curadora do projeto “Zé Kéti – 100 anos da voz do morro”, a publicitária Stella Lima diz que procurou convidar para esse tributo artistas de diferentes gerações, como forma de mostrar o alcance da obra do célebre sambista – que, contudo, conforme ela, não teve o devido reconhecimento em vida. 

"Esse show que apresento tem um repertório mais abrangente, que respeita a minha intimidade com a obra dele. Sempre cantei as músicas do Zé Kéti, desde que me percebi músico. Tenho um repertório de 40 canções dele para cantar agora, sem pensar muito"

João Cavalcanti, cantor



MISTURA 

“A ideia foi fazer uma mistura muito bem pensada, com artistas que já tivessem vivido a obra de Zé Kéti em suas trajetórias e, portanto, tivessem propriedade para abordá-la. Às vezes as pessoas ouvem uma música muito conhecida e não sabem que é dele”, diz.

Com relação aos recortes temáticos de cada show, ela aponta que a intenção é apresentar ao público as facetas de Zé Kéti, por meio de composições representativas de diferentes momentos de sua trajetória e de sua personalidade. 

“As pessoas tendem a conhecer músicas de forma separada, mas é possível estabelecer diálogos entre elas. Tem a faceta da vida noturna do Rio, a relação com o morro carioca, os parceiros, os encontros no Zicartola com Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento, o próprio Cartola, Paulinho da Viola ainda começando”, cita. 

“São coisas muito ricas, que revelam um pouco de como ele viveu e que a gente achou interessante mostrar para o público”, diz. Ela comenta que “pouca gente sabe que Zé Keti atuou no cinema, participou de trilhas sonoras, esteve muito próximo de Nelson Pereira dos Santos. Quer dizer, tem muita história aí.”

Segundo Stella, essa divisão, no entanto, não engessa os shows. “Fizemos isso apenas para que os artistas pensassem nas ideias propostas e dessem suas visões particulares de Zé Kéti”, diz, acrescentando que os repertórios não são integralmente distintos; a mesma música pode constar em mais de um show. 

"Meu pai é músico, sambista, então é uma lembrança que vem desde que me entendo por gente. %u2018A voz do morro%u2019 é música que conheço desde sempre. Nos shows que faço no exterior, ela invariavelmente está no repertório, junto com 'Tristeza' e 'Aquarela do Brasil'"

Nilze Carvalho, cantora



CARNAVAL 

Responsável pelo show de abertura do projeto, João Cavalcanti considera que, sob o título “Eu sou o samba”, acabou ficando com um panorama mais amplo da obra de Zé Kéti, ancorado, sobretudo, na sua relação com o carnaval. 

“Incluí ‘A voz do morro’, ‘Máscara negra’ e ‘Leviana’. Mas acaba que o repertório é abrangente. Objetivamente, Zé Kéti não tem tantas canções falando de carnaval. O morro do qual ele se fez voz e veículo é o próprio carnaval, há uma espécie de metonímia do carnaval no subtexto das músicas dele”, aponta.

“São composições que falam da relação dele, que era uma figura proeminente da Portela, com esse universo. Esse show que apresento tem, portanto, um repertório mais abrangente, que respeita a minha intimidade com a obra dele. Sempre cantei as músicas do Zé Kéti, desde que me percebi músico. Tenho um repertório de 40 canções dele para cantar agora, sem pensar muito”, afirma.

Convidada do grupo Casuarina no show “Um sambista de opinião”, cujo recorte são as músicas que orbitam o show “Opinião”, que Zé Kéti protagonizou ao lado de Nara Leão e João do Vale, Nilze Carvalho conta que sua relação com a obra do homenageado vem desde “a barriga da mãe”. 

“Meu pai é músico, sambista, então é uma lembrança que vem desde que me entendo por gente. ‘A voz do morro’ é música que conheço desde sempre. Nos shows que faço no exterior, ela invariavelmente está no repertório, junto com ‘Tristeza’ e ‘Aquarela do Brasil’. São músicas que, quando saio do Brasil, tenho que cantar”, diz.

Nilze comenta que Zé Kéti também esteve muito presente quando ela ainda integrava o Sururu na Roda, no início dos anos 2000, e o grupo foi um dos condutores do processo de revitalização da Lapa carioca. 

“Era um momento em que a gente estava revisitando esses grandes compositores, então o Zé Kéti sempre esteve presente dentro de qualquer repertório naquele período. As músicas são lindíssimas. Cheguei a gravar ‘Leviana’ com o Sururu na Roda”, recorda.

Fabiano Salek, um dos fundadores do Sururu na Roda, ao lado de Nilze e de Sílvio Carvalho, também tem o processo de revitalização da Lapa como marco de seu contato com a obra de Zé Kéti. “Quando o Sururu começou a tocar na Lapa, no início dos anos 2000, a gente saiu da universidade para os palcos com o intuito de promover uma pesquisa de repertório, cantar os grandes mestres da MPB, e o Zé Kéti sempre fez parte desse time. Em nossos bailes de carnaval, sempre cantamos ‘Máscara negra’, por exemplo”, diz.

Ele chama a atenção para o olhar agudo que o sambista aplicava às suas letras. “Essa obra é uma crônica do cotidiano, por meio da qual ele traz à tona a desigualdade social, as mazelas do morro. Ele tenta lançar através da poesia um olhar crítico sobre essa desigualdade”, salienta Salek.

Com o show “Diz que fui por aí”, Fabiano adianta que o Sururu na Roda fez uma seleção de repertório preocupada em focalizar os parceiros que Zé Kéti teve ao longo da vida. “No repertório estão presentes grandes clássicos, que a gente não pode deixar de cantar, como ‘A voz do morro’, ‘Máscara negra’, ‘Opinião’, ‘Diz que fui por aí’, mas a gente traz também parcerias dele com Elton Medeiros, com quem ele fez as canções gravadas pelo conjunto A Voz do Morro, que eram os amigos dele na década de 1960, como ‘Peço licença’, ‘Leviana’, ‘O sol nascerá’, ‘Mascarada’, e também parcerias com o Nelson Cavaquinho, como ‘Não sou feliz’.” 

O show enfocará ainda “dois grandes personagens do período, amigos do Zicartola: o anfitrião, Cartola, e Paulinho da Viola, ambos muito presentes na vida do Zé Kéti. A gente dá uma palinha dos dois nesse show, que é fundamentado nas parcerias”.

Sobre a participação de Moacyr Luz, ele diz que o convidado entra no palco para cantar alguns clássicos de Zé Kéti e uma canção autoral, que prefere não revelar. 

“É um grande ídolo, um compositor de suma importância na nossa MPB, principalmente a partir dos anos 2000, quando Moacyr cria o movimento Samba do Trabalhador, que a gente considera ser a continuidade do Cacique de Ramos. Tem a mesma importância.”

Participar desse projeto em homenagem a Zé Kéti ao lado de Moacyr Luz rendeu frutos além do esperado. “Esses shows nos aproximaram tanto que nos tornamos parceiros. Estamos, eu, Sílvio Carvalho e ele finalizando nossa primeira parceria. Não tem nome ainda. Quem sabe vai ser batizada em BH. E quem sabe a gente não inclui ela no repertório.”

“Zé Kéti – 100 anos da voz do morro”
Desta quinta (19/8) a domingo (22/8), sempre às 20h, no CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450). R$ 30 (inteira) e R$ 15 (clientes Banco do Brasil que pagarem com Ourocard). Meia-entrada para estudantes e professores, crianças com até 12 anos, maiores de 60 anos, pessoas com deficiência e suas acompanhantes e casos previstos em lei. Ingressos à venda no site Eventim. Sessões online grátis, nos mesmos dias e horários das sessões presenciais, via canal do YouTube do Banco do Brasil.

“MANIFESTO ANTICANCELAMENTO”

Sobre as conversas que precedem os shows de amanhã e de sexta, Stella Lima diz que elas servem para contextualizar e oferecer a quem ainda não tem intimidade com a vida e a obra de Zé Kéti uma visão mais ampla de sua trajetória. Ela destaca que o bate-papo entre João Cavalcanti e Fabiana Cozza tem um tom mais questionador e reflexivo, ao passo que a palestra de Zé Renato cumpre papel mais elucidativo.

“Se for olhar, tem músicas do Zé Kéti que hoje seriam questionáveis em termos das letras que elas apresentam, muito machistas. Tem que contextualizar, porque é uma coisa escrita há 50 ou 60 anos. A conversa do João com a Fabiana vai por aí. O que é isso hoje? Qual é o olhar da sociedade sobre isso? Pode acabar com a obra do artista em função disso? Os dois vão levantar essa questão”, antecipa.

“Já o Zé Renato vai mostrar a importância da faceta cinematográfica de Zé Kéti, que é pouco conhecida, a relação dele com Nelson Pereira dos Santos, com Cacá Diegues. Mas em ambos os casos, a ideia é que seja um bate-papo bastante leve, bastante agradável, que funciona como uma abertura dos shows.”

João Cavalcanti aprofunda a questão do machismo na obra de Zé Kéti e sua disposição, a partir do convite de Stella Lima, de conversar sobre isso. “Fundamentalmente, é quase um manifesto anti-cancelamento. Fazendo a seleção de repertório, não me senti confortável em cantar algumas músicas dele, pelo que diz o texto. E, ato contínuo, percebi que não tinha qualquer condição de julgar moralmente o Zé Kéti. Mesmo o meu caso, com 20 anos de música, tem canções minhas que já não canto. Propus para a Fabi de a gente aproveitar esse ensejo para falar sobre a inserção da mulher no samba, sobretudo a mulher instrumentista, a mulher compositora”, diz.

“Não dá para julgar o Zé Kéti frente à moral de hoje. O que ele fez, o fato de ele ter uma ou outra canção que reforça um texto machista, por vezes misógino, não dá para cancelar. ‘Vestido tubinho’ e ‘Coisa com coisa’ são músicas que não me sinto confortável para cantar. A escolha do repertório é fundamentalmente política, e aí a gente resolveu suscitar esse debate, que é curtinho, uma fala inicial para o show, para lembrar que as coisas são mais complexas do que aparentam”, afirma.

CANTO E PROSA
Confira a programação da série de shows e bate-papos

19/8 – 20h – “Eu sou o samba”: João Cavalcanti e Fabiana Cozza (participação especial) 
Bate-papo com João Cavalcanti e Fabiana Cozza: “Em tempo, machismo não é questão de opinião”.

20/8 – 20h – “Zé Kéti e o cinema”: Zé Renato e Cristóvão Bastos
Palestra com Zé Renato: “Zé Kéti, samba, carnaval e cinema”.

21/8 – 20h – “Diz que fui por aí”: Sururu na Roda e Moacyr Luz (participação especial) 

22/8 – 20h –  “Um sambista de opinião”: Casuarina e Nilze Carvalho (participação especial)


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)