“A criatividade em tempos de crise aflora. Graças a Deus, a gente tem cultura para iluminar a vida.” Com essa frase, Zita Carvalhosa, diretora do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo – Curta Kinoforum, que chega à 32ª edição nesta quinta-feira (19/08), exprime seu espanto diante das 2,8 mil inscrições vindas de diversas partes do mundo.
Leia Mais
Festival de peças curtas traz 16 espetáculos gratuitosMostra de Cinema dos Quilombos começa com 13 curtasMostra on-line da Pierrot Lunar divulga 24 curtas de diretores iniciantes“Por conta da pandemia, a gente achou que receberia pouquíssimos filmes, estávamos com esse medo. Fomos surpreendidos. Não se pode dizer que não se produziu no mundo”, destaca Zita.
PRÊMIOS
Considerado um dos maiores e mais tradicionais festivais dedicados ao curta-metragem no mundo, o evento traz obras premiadas nos festivais de Cannes, Locarno, Clermont-Ferrand, Bafici-Buenos Aires, Annecy e Toulouse. Ganham espaço a cultura indígena e a produção das periferias brasileiras, com exibições e debates; homenagens a Glauber Rocha, pelos 40 anos de sua morte, e ao francês Chris Marker, autor do clássico “La jetée” (1962), por seu centenário; além mostras latino-americana e internacional.
A diversidade marca os eixos temáticos. “A gente propõe ampla programação com abordagens diferentes para estimular as pessoas a assistirem aos curtas. Tem as mostras brasileira e internacional, tem os programas especiais, mais chamativos, focados em Glauber Rocha e Chris Marker, tem a mostra infantojuvenil, além das projeções especiais em torno dos 20 anos de atividades das Oficinas Kinoforum de Realização Audiovisual. São diferentes recortes”, diz Zita. “Gostamos de exibir filmes com a ideia de curadoria.”
As inscrições para 2021 refletem uma produção pulsante. “O festival tem uma coisa importante: a gente não tem pretensão de exibir os melhores filmes ou determinado tipo de filme. Achamos muito legal exibir obras com propostas estéticas diferentes. Passamos três meses pensando em como escolher e como programar”, informa.
A produção brasileira está representada por 116 títulos. Entre eles, “Céu de agosto”, recém-premiado no Festival de Cannes, que tem no elenco Gilda Nomacce; “Ela que mora no andar de cima”, estrelado por Marcelia Cartaxo; o amazonense “Seiva bruta”, com Luiz Carlos Vasconcelos no elenco, eleito o melhor curta latino-americano no prestigioso Directors Guild of America (DGA); e “Menarca”, de Lillah Halla, selecionado para a Semana da Crítica do Festival de Cannes, vencedor do prêmio do público no festival Cinelatino de Toulouse (França).
PANDEMIA
A COVID-19 é abordada em “República”, de Grace Passô; “Monumento ao wi-fi”, de Gustavo Vinagre; “Gilson”, de Vitoria Di Bonesso; “República das saúvas”, de Piero Sbragia; e “Janelas daqui”, de Arthur Sherman e Luciano Vidigal.
O programa também destaca obras assinadas por cineastas veteranos, como Evaldo Mocarzel (“O menino, o sabiá e o rato”), Petrus Cariry (“Foi um tempo de poesia”), Rafael Conde (“O suposto filme”) e Sylvio Lanna (“Nova pasta. Antigo baú”).
Um programa presta homenagem especial à montadora e professora Vânia Debs, falecida em junho, aos 71 anos, devido a complicações de um mieloma múltiplo. Serão exibidos clássicos em que ela trabalhou: “Verão”, de Wilson Barros, “A garota das telas”, de Cao Hamburger, “O crime da imagem”, de Lirio Ferreira, “Clandestina felicidade”, de Marcelo Gomes e Beto Normal, e “Morte”, dirigido por José Roberto Torero e protagonizado por Paulo José e Laura Cardoso.
A programação especial joga luz sobre a cultura indígena, com mostra dedicada ao Festival Amotara, realizado por mulheres cineastas, e a sessão “Música e modo de viver dos guaranis”.
Comunhão e resistência
Diretores cujos filmes estão presentes na programação do Curta Kinoforum destacam a abrangência e a importância do festival. Realizadora de “Céu de agosto”, que recebeu menção especial do júri no Festival de Cannes, em julho deste ano, a paulistana Jasmin Tenucci ressalta o caráter aglutinador do evento.
“O festival promove como poucos as discussões num clima de muita comunhão. Isso te possibilita conviver e trocar com seus pares, festejar o cinema com eles, o que vejo pouco em outros festivais. É alegre, agradável, procura criar situações para que as pessoas se conheçam, então fica como uma comunidade”, aponta.
Jasmin revela que se sente honrada com a recente premiação em Cannes. “Tem outro aspecto importante: passando lá, o filme começa a passar em vários outros lugares, é mais assistido e mais discutido”, diz. O prêmio de menção especial ajuda o cineasta a prosseguir na carreira, diz ela. “Representa também a possibilidade de investimento e de coprodução para um próximo projeto.”
Assim como Zita Caravalhosa, a diretora ressalta o vigor da atual produção de curtas-metragens no Brasil. “Alguns editais de curtas permanecem. Então, as pessoas ainda conseguem fazer de forma relativamente descomplicada, até porque você consegue financiamento de um jeito ou de outro. Você consegue fazer barato, juntar sua turma e produzir um curta de qualidade em dois dias”, comenta Jasmin Tenucci.
“Justamente por isso, a gente vê uma experimentação maior em curta, o que é sempre interessante. No Festival de Tiradentes deste ano, fiquei muito surpresa com a diversidade e com o quanto os curtas exploram temáticas e possibilidades de linguagens”, conclui. (DB)
32º CURTA KINOFORUM
Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. Até 29 de agosto. Exibição gratuita de 200 filmes de 39 países. Informações: www.kinoforum.org