Com a chegada da pandemia, o cantor e compositor Celso Adolfo criou o projeto "Discografia", que consistia numa série de nove lives, cada uma dedicada a um álbum que gravou ao longo de sua carreira, apresentadas mensalmente, com comentários a respeito de cada trabalho. Ao lançar esse olhar panorâmico sobre sua trajetória fonográfica, ele foi tomado pelo desejo de fazer uma compilação.
Com recursos obtidos por meio da Lei Aldir Blanc, Celso pôde materializar essa ideia. O resultado é o álbum "Voz e violão", em que, no formato que o título explicita, ele apresenta 29 músicas que abrangem toda sua carreira, gravadas entre 1983 e 2019. Esse álbum, recém-lançado, é o mote da conversa que Celso tem com o público nesta quarta-feira (25/8), às 19h, pelo projeto Sempre um Papo, com mediação do jornalista Afonso Borges.
Ele diz que o fato de estar completando 38 anos de trajetória musical também contribuiu para inflar a vontade de revistar a própria obra. "Acho que chega um momento da vida em que todo mundo quer fazer isso, um balanço do que foi construído. Isso vale para qualquer atividade, a gente quer juntar tudo e ver em que ponto as coisas estão. A música resume tudo que faço, então, com quase quatro décadas de carreira, pensei que era hora", diz, acrescentando que sua ideia, inicialmente, era fazer uma compilação das gravações originais. Ele explica que, com os recursos da Lei Aldir Blanc, resolveu mudar os planos.
"É um valor pequeno, mas pensei em escolher algumas músicas e gravar de novo, do jeito que compus cada uma, no formato voz e violão, até porque aí o custo é menor e caberia no orçamento", destaca. Isso acabou gerando, conforme ele aponta, um trabalho mais autêntico, na medida em que trouxe à luz canções de seu repertório exatamente da maneira como foram compostas.
"Busquei o original de todas as músicas, do jeito que toco dentro de casa, do jeito que elas foram compostas. Foi uma gravação ao vivo mesmo, sem canal separado. É o mais puro possível, o mais cru possível. Isso sempre me atraiu, essa coisa de tirar da massa sonora o que é o primeiro momento da música, a primeira coisa que o compositor alcançou para fazer aquela música", diz.
Nesse rol de 29 faixas, entram temas como a faixa-título do álbum "Coração brasileiro" (1983), "Nós dois" e "Depois do amor", do álbum "Feliz" (1988), a faixa-título do álbum "Brasil, nome de vegetal" (1995), "Trentina", do álbum "O tempo" (2003), "Terras altas da Mantiqueira" e "Barcarola lusitana", do álbum "Estrada Real de Villa Rica" (2011), e "Ralando Coco", do álbum "Remanso de rio largo" (2019), o mais recente lançado pelo cantor e compositor.
Celso diz que a seleção desse repertório foi totalmente intuitiva. "Peguei todos os discos, coloquei na minha frente e fui escolhendo as músicas. O que orientou a seleção foi o gosto pessoal, de bater o olho e achar legal tocar, sem ranço nenhum", diz.
No encontro de hoje, pelo Sempre um Papo, ele vai falar dessa coletânea que acaba de sair, de sua discografia, de um modo geral, da carreira de músico e também de literatura - que, afinal, é o foco do projeto conduzido por Afonso Borges.
"Devo falar da presença dos livros na minha obra, da citação de livros dentro das minhas músicas. Essas citações podem acontecer de forma direta, com uma frase de um escritor, por exemplo, ou uma evocação mental, que advém de alguma coisa que li. Quando fiz 'Coração brasileiro', eu era funcionário público do DER (Departamento de Estradas de Rodagem), e escrevi a letra da música no ambiente de trabalho, num momento em que eu estava lendo 'Grande Sertão: Veredas'. Dentro do disco tem um povoamento mental, formal até, de expressões que são do universo interiorano, o que foi despertado em mim porque eu estava lendo 'Grande Sertão' pela primeira vez. Guimarães Rosa sempre aparece picado dentro das minhas coisas", diz, destacando que seu álbum mais recente é todo inspirado em "Sagarana".
Neste período de pandemia, Celso se desdobrou em várias frentes. Além da série de lives do projeto "Discografia" e da produção do álbum "Voz e violão", ele engrenou um aplicado processo de composição, o que vai resultar em um novo álbum de inéditas, que ainda não previsão de lançamento, mas já tem nome: "Prateano", o gentílico que se dá a quem nasce em São Domingos do Prata.
"A cidade foi fundada por portugueses, com uma história que tem início lá em mil setecentos e pouco. Juntaram o São Domingos, que é o santo de devoção da minha família, que descende de portugueses, com o ribeirão da Prata, que reflete as noites prateadas de luar. E um disco para saudar minha terra, mas não é um disco sobre São Domingos do Prata. Tem mais a ver com um eu-lírico que é uma pessoa daquela terra e que enxerga o mundo da sua maneira particular", diz.