Jornal Estado de Minas

ARTES VISUAIS

Inhotim inaugura instalações feitas sob encomenda e expõe obras do acervo

O Instituto de Arte Contemporânea Inhotim inaugura neste sábado (28/8) duas obras inéditas, criadas por meio do programa de comissionamento da instituição: “O espaço físico pode ser um lugar abstrato”, do baiano radicado em Porto Alegre Rommulo Vieira Conceição, e "Propaganda", da gaúcha radicada em São Paulo Lucia Koch. 


Ambas são instalações que dialogam com o eixo curatorial escolhido para o biênio 2021/2022, intitulado Território Específico, que propõe investigações no entorno do Inhotim e lança um olhar sobre as relações estabelecidas entre o Instituto e a região. 





Também hoje será aberta a exposição temporária “Entre terras”, da artista polonesa Aleksandra Mir, na Galeria Praça, com desenhos em grande escala da série “Mediterranean”, trabalho em que ela questiona as forças sociopolíticas que moldam as identidades nacionais.

O curador do Inhotim, Douglas de Freitas, explica que os trabalhos de Rommulo e Lucia tiveram início em 2019, após convite feito no ano anterior. “Eles vieram para o Inhotim na última inauguração de obra, em 2019, e ficaram uns dois ou três dias para dar uma olhada na região, conhecer Brumadinho (cidade onde o instituto está localizado), olhar para esse espaço com outra visão”, diz. 

Depois desse primeiro contato, os dois artistas retornaram em 2020, quando ficaram um período maior, circulando pelas cidades que cercam o instituto, para empreender efetivamente as pesquisas que resultaram nas obras que serão inauguradas hoje.





A instalação de Rommulo nasceu a partir de um trabalho de campo realizado nas cidades de Brumadinho e Mário Campos, além de outras da região que circunda Inhotim, e também em Belo Horizonte e em cidades históricas de Minas Gerais. 

Sua obra, de grandes dimensões, justapõe arcos, cúpulas, paredes, grades, andaimes, quartinhas e frontões, o que, segundo o artista, expressa valores sobre a história da arquitetura e da arte, ambas influenciadas por diversas manifestações socioculturais ao longo dos séculos, mais notadamente a religião.

COLEÇÃO 

“Rommulo foi colecionando imagens, fotos, desenhos, menções de fachadas e arquiteturas religiosas, todas que foi encontrando pelas cidades por onde passou e a partir disso criou um trabalho que é, ao mesmo tempo, uma fragmentação e uma junção dessas imagens, que abarca várias arquiteturas religiosas”, diz Freitas. 





O curador aponta que, mesclando fragmentos de arquiteturas sacras, o artista cria um conjunto que, simbolicamente, sustenta sua ideia de fé no conhecimento e em uma construção conjunta da humanidade. Rommulo explica que a percepção de uma crescente intolerância religiosa associada às tradições arquitetônicas de Minas Gerais – aplicadas, sobretudo, às igrejas – foi sua motivação para criar a obra.

“Essa relação íntima entre arquitetura, arte e religião é uma tendência mundial nas artes. Na medida em que as religiões vão crescendo, elas desenvolvem aspectos culturais. Tem uma coisa atrelada entre as manifestações de fé e a instituição cultural. O movimento da arte está vinculado, em grandes momentos da história, à religião. Me pareceu interessante falar disso agora, quando assistimos a uma intolerância crescente”, diz o artista. 

Ele observa que as religiões neopetencostais não constroem uma linguagem arquitetônica ou de artes visuais, mas recuperam uma estética greco-romana, com informações que ficaram no passado, mas que consolidam um lugar de pujança, como um frontão ou as colunas que aparecem quase como símbolo da Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo.



O baiano Rommulo Vieira Conceição decidiu abordar a religiosidade em interface com a arquitetura, construindo uma instalação que reúne características arquitetônicas de diversas igrejas da região (foto: Isis Medeiros / Divulgação )

PASSADO 

“Sempre tem essa associação com uma certa arquitetura apropriada. Eu queria ver como Minas, que tem um passado muito importante no sentido de uma tradição arquitetônica religiosa, estava neste momento”, conta.

O artista diz ter visitado o estado com esse olhar. “E, de repente, me deparei com cidades de acervo histórico – caso de Ouro Preto – com uma vizinhança que traz igrejas que não se vinculam com essa arquitetura, porque para essas novas religiões qualquer casa pode ser uma igreja.”

A obra do baiano procura amalgamar tudo, arcos romanos, arcos islâmicos, domos judaicos e elementos arquitetônicos de diversas outras culturas. “Os moradores do entorno do Inhotim é que foram trabalhar nessa obra, construindo esse negócio que está dentro do sistema das artes, mas também está dentro da cultura deles. De repente, tem lá um católico erguendo uma cúpula islâmica. Isso pode reverberar. Uma vez sabendo o que estavam construindo, será que essas relações e essas reflexões chegaram ao pensamento dessas pessoas? Espero que eu tenha promovido isso, que é o mais bacana.”





OUTDOORS 

Lucia Koch, por sua vez, ficou impressionada com a quantidade de outdoors existentes em Brumadinho, anunciando, sobretudo, novas construções e empreendimentos imobiliários, conforme diz Douglas de Freitas. Isso deu o rumo para a criação de sua obra. 

Desde 2011 a artista desenvolve um trabalho que consiste em fotografar o interior de caixas de produtos, como macarrão ou sapatos, vazias, e ampliar as imagens numa escala gigantesca, de forma que se assemelhem a espaços arquitetônicos. 

“A gente alugou outdoors publicitários em Brumadinho, e ela aplicou essas imagens, fotos de 8 metros por 5 metros. Lucia também desenhou estruturas de outdoor, com um conceito arquitetônico, na Galeria Praça, no Inhotim, e expôs nesses espaços as mesmas imagens que estão em Brumadinho. Isso passa por um conceito de propagar, passa pela ideia de que as coisas se espalham, se expandem”, diz.





Outra obra de Lucia que ele destaca é um outdoor trifásico, uma espécie de prisma que gira, instalado no Inhotim. Em uma face do outdoor aparece um comercial de farmácia, na seguinte, um de mercado, e na terceira está estampada a obra da artista, que se infiltra nessa lógica publicitária de Brumadinho.

ESTRANHAMENTO 

“Cria um estranhamento e um respiro, porque tem só aquela imagem da caixa, como um certo esvaziamento do anúncio. É uma obra que brinca com essa ideia de novos espaços. É quase como se ela estivesse anunciando um novo empreendimento imobiliário, porque essas caixas parecem espaços que convidam para serem ocupados”, explica.

Douglas destaca que tanto Rommulo quanto Lucia foram convidados porque seus trabalhos já têm, naturalmente, uma relação com o espaço, com a arquitetura, e eles comumente atuam no âmbito da obra comissionada, produzindo em função do território que pesquisam. 





“O eixo curatorial Território Específico traz ações que pensam as relações do Inhotim com o espaço que ele ocupa. O conceito de território é expandido de maneira transversal para uma investigação sobre os aspectos ambientais, sociais e artísticos que se dão dentro do Inhotim como espaço, em seu entorno e na multiplicidade de relações que, a partir dele, se desdobram”, aponta.

Inaugurações no Inhotim
Novas obras de Lucia Koch e Rommulo Vieira Conceição e mostra “Entre terras”, de Aleksandra Mir. Na Galeria Praça. Visitação: de quinta a sexta-feira, das 9h30 às 16h30; e aos sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30. Ingressos: R$ 22 (meia) e R$ 44 (inteira), no Sympla. Entrada franca na última sexta de cada mês, exceto feriados, mediante retirada prévia via Sympla. Moradores de Brumadinho cadastrados no programa Nosso Inhotim e Amigos do Inhotim também têm entrada franca.

Mar adentro

A exposição de Aleksandra Mir a ser aberta na Galeria Praça também se vincula à proposta curatorial do Território Específico, mas de uma maneira diferente. O curador Douglas de  Freitas explica que a série “Mediterranean”, criada a partir de 2007, resulta da experiência que a artista viveu enquanto morou, entre 2005 e 2010, na Sicília, ilha mediterrânea que integra a Itália. 





O trabalho, segundo o curador, chama a atenção para as manifestações culturais carregadas por aquelas águas ao longo de milênios, como agentes de troca entre sociedades e no deslocamento de indivíduos.

“Os desenhos parecem representações de matas, só que focalizam o mar, focalizam o que acontece nas águas, com as histórias e os elementos sociais, culturais e políticos que o mar carrega. O desenho ocupa o espaço do mar, e não da terra. Nessa medida, também está dentro do eixo Território Específico. Não é o nosso território, mas lida com a ideia de como as pessoas interagem com um determinado espaço”, aponta.

Desenhos em grande formato feitos com caneta Sharpie pela artista polonesa Aleksandra Mir e pertencentes ao acervo do Inhotim serão expostos pela primeira vez ao público, a partir de hoje (foto: Aleksandra Mir / Divulgação )
Obra foi produzida durante o período em que a artista viveu na Sicília  (foto: Aleksandra Mir / Divulgação )


INÉDITA 

Ele explica que o conjunto de quatro desenhos pertencentes à série “Mediterranean” que integram a mostra “Entre terras” foi adquirido pelo Inhotim em 2008, mas nunca esteve em exposição. “Temos uma coleção grande de obras de diversos artistas guardada e, de tempos em tempos, realizamos exposições temporárias. Essa obra de Mir permanecia inédita para o público.” 

Freitas observa que os desenhos fazem referência à estética de cartum, o que deriva da admiração que a artista tinha, quando criança, pela escola polonesa de pôsteres de filmes dos anos 1970. “Com um tipo de caneta que é meio porosa e vai enfraquecendo durante o uso, chamada Sharpie, Mir explora uma variedade de tons que vão do preto ao cinza com o desgaste da caneta”, diz.





O eixo temático Território Específico se relaciona, segundo o curador, com um trabalho que o instituto desenvolve desde 2019, de estreitar relações com seu entorno, criando programas como o Nosso Inhotim, em Brumadinho. Ele aponta que a noção de site specific foi o elemento que mais contribuiu para tornar Inhotim famoso no circuito artístico mundial. 

O termo faz menção a obras criadas de acordo com o ambiente e com um espaço determinado. Trata-se, em geral, de trabalhos planejados – muitas vezes fruto de convites – em local preestabelecido, em que os elementos esculturais dialogam com o meio circundante, para o qual a obra é elaborada.

“A ideia do eixo curatorial partiu dessa noção, com o desejo de desdobrar e questionar: o que é site specific? Expandimos para Território Específico, para pensar o que consolidou Inhotim como um lugar de referência no mundo”, diz. Outras ações estão previstas, como a criação de um podcast e o lançamento de uma nova exposição, em novembro, que vai discutir a noção de território, mas também de deslocamento. “A gente faz 15 anos em 2021 e essa proposta reflete o percurso do Inhotim, tem a ver com repensar o próprio histórico do instituto.” (DB)




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