O choro é fruto da fusão de ritmos importados da Europa, como a valsa e a polca, com o lundu, de inspiração africana. Essa é a origem da primeira música urbana tipicamente brasileira, e, consequentemente, a gênese da MPB. Ao surgir na metade do século 19, com a incorporação de sotaque sentimental, ele foi ouvido, inicialmente, nos salões do império, interpretado pela pianista e compositora Chiquinha Gonzaga. Mas coube ao gênio Pixinguinha, na década de 1910, dar forma a esse estilo musical.
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O chorinho, como o gênero é chamado, não parou de se diversificar ao assimilar influências da música de concerto e do jazz, influenciando compositores da importância de Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim.
Em pouco tempo, essa música envolvente se espalhou por meio das rodas de choro, prática que une memorização e improviso. Parte desse acervo, disposto numa linha do tempo, está reunido no CD comemorativo, que traz 17 faixas.
A abertura cabe ao clássico “Noites cariocas”, de Jacob do Bandolim. Da segunda a quinta faixa, ouve-se o trabalho dos inventores do choro, que estabeleceram alto padrão de elaboração: Ernesto Nazareth (“Fon fon” e “Matuto”), Chiquinha Gonzaga (“Atraente”) e João Pernambuco (“Graúna”).
Da sexta à nona faixa, destacam-se os talentos de Pixinguinha (“Sofres porque queres”, “Desprezado” e “Lamentos”) e Bonfiglio de Oliveira (“O bom filho à casa torna”).
A partir da décima faixa, surgem os modernizadores da Era do Rádio, que fizeram experiências com a assimilação de elementos da música de concerto: Radamés Gnattali (“Valsa triste”), Garoto (“Quanto dói uma saudade”), Jacob do Bandolim (“Vibrações”), Severino Araújo (“Chorinho por você”) e K-Ximbinho (Ternura).
As faixas finais remetem à retomada do choro na década de 1970, com o surgimento da geração de grandes intérpretes representados por Paulo Moura (“Tarde de chuva”), Waldir Azevedo (“Vê se gostas”) e a dupla Rogério Caetano e Eduardo Neves (“Chorinho em Cochabamba”).
O violonista e compositor goiano Rogério Caetano, que participou da gravação de cinco faixas, destaca a importância desta coletânea histórica. “É um privilégio estar ao lado de vários compositores que sempre tive como mestres e de músicos de grande talento”. Ele conta que a sua “Chorinho em Cochabamba” está entre as músicas mais tocadas em rodas de choro no Brasil e no exterior.
Entre os intérpretes das 17 faixas estão instrumentistas talentosos de diferentes gerações, como Ronaldo do Bandolim e Henrique Cazes (cavaquinho), Yamandu Costa (violão 7 cordas), Zé Paulo Becker (violão), Guto Wirti (contrabaixo), Beto Cazes (percussão), Maria Teresa Madeira (piano), Daniela Spielman (sax) e Andréa Ernest Dias (flauta).
Em “150 anos de choro”, a diversidade da instrumentação se soma à pluralidade de abordagens interpretativas, que podem sugerir do ambiente de concerto à informalidade característica das rodas de chorinho.
“150 ANOS DE CHORO”
.Vários artistas
.17 faixas
.Sony Music
.Disponível nas plataformas digitais
Entrevista
Henrique cazes
compositor e cavaquinista
“O choro permanece em viva transformação”
Qual é a importância do lançamento do disco “150 anos de choro – Música viva”?
Penso que seja importante marcarmos a data de 150 anos, que leva em conta um consenso entre pesquisadores e historiadores, segundo o qual a música dos chorões existiu a partir da década de 1870, pois o choro permanece em viva transformação, resgatando instrumentos do passado, como o oficleide, consagrando novos clássicos, como o “Chorinho em Cochabamba”, espalhando-se pelo mundo e até caminhando para ser reconhecido pela Unesco como patrimônio da humanidade.
O choro pode ser visto como a gênese da música popular brasileira?
Sim. Logo que surgiu, na década de 1870, o choro foi percebido como uma síntese dos elementos de base da nossa musicalidade. Não por acaso foi matéria-prima essencial para Villa-Lobos, celeiro de mão de obra musical para o samba e laboratório de modernização harmônica de nossa música popular, bem antes da bossa nova.
Como você avalia a atuação de Chiquinha Gonzaga e Joaquim Callado na criação do choro?
Chiquinha e Callado foram pioneiros importantes, tanto pela qualidade de suas criações quanto pela atuação que abriu portas para a música dos chorões. Chiquinha expandiu o choro no campo do teatro de variedades, e Callado, no ambiente acadêmico.
Pixinguinha deve ser visto como o principal responsável pela popularização do choro?
Sim, e por várias razões. Ele foi intérprete de grande comunicação e virtuosismo, o perfeito equilíbrio entre elaboração e balanço. Como compositor, deu forma ao choro como gênero musical e foi autor de uma obra imensa e de altíssima qualidade. Como arranjador, abriu caminhos profissionais para a atuação de seus colegas chorões em gravações e emissoras de rádio. Enfim, contribuiu em todos os campos artísticos e profissionais.
Que contribuição Ernesto Nazareth, Radamés Gnattali e Garoto deram à modernização do gênero?
Radamés e Garoto colocaram o choro em diálogo com o jazz e a música de concerto. O processo de Nazareth foi similar, décadas antes, amalgamando o pianismo europeu com elementos rítmicos da música dos chorões. A alta qualidade das composições dos três fez a diferença.
Qual foi o critério para a escolha do repertório e dos intérpretes presentes em “150 anos de choro”?
Para compor o elenco de intérpretes, procurei unir o “chorão raiz”, como Ronaldo do Bandolim ou Silvério Pontes, com artistas que dialogam com a música de concerto, como Maria Teresa Madeira, Andrea Ernest Dias, e com o jazz, como Leo Gandelman. E que fossem de diferentes gerações para garantir diversidade na abordagem interpretativa.
Depoimento
Carlos Alberto Sion
Diretor musical
Jazz brasileiro
Com a digitalização de grande parte dos acervos das empresas da indústria fonográfica e também com lançamentos, há alguns anos, de selos independentes, surgiu enorme interesse pela extensa obra e gravações de mestres compositores e intérpretes do choro, esse importante gênero/estilo da música brasileira.
Obras importantes do início das gravações/registros nos discos de 78rpm e vinis do passado (que voltaram recentemente) despertaram a curiosidade e admiração das novas gerações de músicos e artistas da música instrumental no Brasil e também no exterior, com novos aficionados no mundo todo.
Hoje, com Facebook, sites, redes sociais e centenas de rádios no Brasil transmitindo programas dedicados ao choro, podemos sentir o interesse crescente que nos levou a produzir o álbum “Choro 150 anos” com músicas de diversos estilos, a partir de pesquisas e registros de temas do século 19 ao século 21, que nos proporcionaram a releitura de autores dos mais diversos estilos do gênero.
Admiradores como o jazzista Wynton Marsalis, craques como Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti, e também alguns dos nossos grandes nomes da MPB, como Paulinho da Viola, Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, entre outros mestres, são todos fãs declarados desse estilo de música do Brasil.
A ideia do álbum/disco é levar a um público maior repertório abrangente que permita ao fã rever e conhecer obras de Ernesto Nazareth e também de Rogério Caetano, da nova geração de instrumentistas e compositores
do choro.
Alguns dizem que o choro é o jazz brasileiro. Sem dúvida, é um grande estilo musical na arte do improviso e de socialização das rodas de choro, que levam centenas de pessoas aos bares, teatros e às praças pelo país todo.