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Estado de Minas AUDIOVISUAL

Grupo teatral mineiro lança doc e podcast com meninas privadas de liberdade

Produtos resultam de curso de teatro que a Zula Companhia de Teatro ofereceu a adolescentes do Centro Socioeducativo São Jerônimo, durante a pandemia


31/08/2021 04:00 - atualizado 31/08/2021 07:40

Kelly Crifer, Mariana Maioline, Julia Tizumba, Gláucia Vandeveld, André Veloso, Talita Braga, Andreia Quaresma e Luciana Campos se revezaram em diversas funções para a produção do documentário(foto: Marcos Vieira/EM/D.A.Press)
Kelly Crifer, Mariana Maioline, Julia Tizumba, Gláucia Vandeveld, André Veloso, Talita Braga, Andreia Quaresma e Luciana Campos se revezaram em diversas funções para a produção do documentário (foto: Marcos Vieira/EM/D.A.Press)
A Zula Cia. de Teatro lança, com uma live na próxima quinta-feira (2/09), o documentário “A arte como possibilidade de liberdade/Trajetória Centro Socioeducativo São Jerônimo” e estreia a série em podcast “Vozes além dos muros”, dividida em cinco episódios, que virão a público semanalmente. 

Tais obras são o desdobramento de um trabalho iniciado em 2016, com o desenvolvimento de atividades artístico-pedagógicas dentro de um complexo penitenciário feminino em Belo Horizonte. Realizada no âmbito do projeto “A arte como possibilidade de liberdade”, essa ação resultou no espetáculo “Banho de sol”, grande sucesso da companhia, levado aos palcos em 2019 e que circulou por diversos espaços de Belo Horizonte. 

A live que será realizada na próxima quinta-feira, no canal do YouTube da Zula Cia. de Teatro, às 20h, terá exibição de trechos do documentário e dos podcasts, junto com uma contextualização de toda a trajetória do projeto.

Em 2018, após um ano ministrando aulas de iniciação teatral para mulheres no complexo penitenciário, a companhia iniciou o processo de criação do espetáculo “Banho de sol” como forma de levar para um público mais amplo a cena curta homônima apresentada pelas alunas no encerramento do curso. 

Ao longo de todo o ano, foram realizados ensaios fechados com toda a equipe artística do projeto e também ensaios abertos para mulheres egressas do sistema prisional e para adolescentes que cumpriam medida no Centro Socioeducativo São Jerônimo.

ENSAIO ABERTO 

“No nosso primeiro ensaio aberto, fizemos contato com a terapeuta ocupacional do Centro Socioeducativo São Jerônimo que nos foi indicada e ela levou as meninas para a apresentação. Foi uma experiência incrível, e elas passaram a assistir a todos os ensaios abertos. Um dia, uma das meninas deu a ideia de a gente levar esse projeto para o São Jerônimo, daí todas as outras fizeram coro, ficaram muito empolgadas”, conta a atriz Talita Braga, uma das fundadoras da Zula Cia. de Teatro. 

Ela diz que a trupe, então, inscreveu e teve aprovado o projeto no Fundo Municipal de Cultura, e conseguiu autorização do juiz responsável pelas adolescentes para que elas pudessem circular por quatro teatros com o espetáculo que seria montado ao longo do curso.

Como havia acontecido com as mulheres do complexo penitenciário, foi formada uma equipe de arte-educadoras que iria lidar diretamente com as adolescentes do centro socioeducativo, todas com idades entre 14 e 18 anos. 

Essa equipe reuniu, além de Talita Braga, Andréia Quaresma e André Veloso, também integrantes da Zula, os colaboradores Gláucia Vandeveld, Kelly Crifer, Mariana Maioline, Júlia Tizumba, Luciana Campos e Alexandre Tavera. Os trabalhos no São Jerônimo tiveram início, segundo Talita, em 5 de março do ano passado, com uma apresentação de “Banho de sol” para as garotas, no pátio.

“Na semana seguinte, a gente chegou a dar uma aula presencial, e logo em seguida a pandemia chegou. Paramos uma semana, conversamos com a diretora do centro, Érika Vinhal, e ela topou dar continuidade ao projeto remotamente”, conta Talita. 

“Começamos a pensar em como seria a metodologia, já que lá não tinha internet, e chegamos à ideia de usar pen drive. A gente gravava as aulas, o André Veloso editava e um motorista levava até o São Jerônimo. As meninas ouviam o material, gravavam lá vídeos e áudios como resposta e nos enviavam. A partir daí a gente pensava a próxima aula”, conta a atriz. 

O documentário e os podcasts foram construídos a partir desse conteúdo. Luciana Campos, que ficou responsável pelos roteiros tanto do documentário quanto da série em podcast, ressalta a franqueza nos depoimentos das adolescentes, que falam abertamente sobre seus sonhos, o que gostam e o que não gostam. 

Ela diz que o processo de conquistar a confiança das meninas se deu pela troca. “Durante as primeiras aulas, elas também quiseram saber da gente o que queríamos com esse projeto, o que esperávamos alcançar, o que foi a chave, um momento de virada”, afirma. 

“Elas nos enviavam as perguntas, que propunham como um desafio, e a gente respondia. Outro momento importante nesse processo de aproximação foi quando a gente começou a apresentar uma série de slams, competições de poesia falada. Isso chegou de uma forma muito potente para elas. Tivemos a alegria de contar com a Nivea Sabino no documentário”, diz, citado a slammer criadora do projeto RodaBH de Poesia, que figura como uma das convidadas do projeto.

ROTEIRO 

A poesia falada, assim como a música, surge como elemento marcante tanto no documentário quanto no podcast. O roteiro também inclui elementos próprios do teatro no desenvolvimento da história. Talita destaca que não se trata, portanto, apenas de um registro jornalístico do que foi realizado dentro do Centro Socioeducativo São Jerônimo ao longo de um ano. “Documentário e podcast sãos duas obras artísticas. Tem a música da Júlia Tizumba, do Maurício Tizumba e do Sérgio Pererê, tem a poesia falada, tem representação, e o roteiro vai costurando tudo isso com os relatos para falar dessa dura realidade das adolescentes em privação de liberdade. É uma dramaturgia muito bonita”, avalia.

Com a impossibilidade de levar adiante a ideia inicial de realizar uma montagem com as alunas, que circularia por teatros, Luciana diz que começou a pensar em formatos que poderiam abarcar os registros audiovisuais de que o grupo dispunha. 

“A gente queria que tivesse uma narrativa que desse espaço para a voz delas. Pensamos nessa questão da palavra, em como dar destaque a isso. Tentei escrever um roteiro utilizando esses elementos, a poesia, o texto em prosa, a música, a questão da voz, a forma como as meninas se expressavam, e o que era possível fazer juntando tudo isso.”

Teatro documentário 

A Zula Cia. de Teatro sempre teve, desde sua origem, em 2010, as pesquisas em torno do teatro documentário como cerne. O projeto “A arte como possibilidade de liberdade” e, principalmente, a chegada da pandemia levaram a um aprofundamento dessa proposta, com um maior foco na relação entre a arte teatral e o documentário – algo que permeia todos os espetáculos do grupo – e as conexões entre teatralidade e produção audiovisual.

“Foi um processo que a gente foi descobrindo aos poucos, tomando consciência à medida que as atividades artístico-pedagógicas estavam se desenrolando”, aponta a confundadora da companhia, Talita Braga. 

Ela diz que a equipe seguiu com o projeto de forma remota ao longo de 2020, ainda acreditando que ele resultaria num espetáculo “de formatura” com as adolescentes. “Só no fim do ano é que caiu a ficha de que não ia acontecer, a pandemia não ia permitir. A gente tinha um contato enorme com as meninas, que se deu só por meio audiovisual. O que criar com isso? Tínhamos muito material de áudio, por WhatsApp e de vídeo, que é como vinham as respostas delas”, conta.

IMAGEM 

Ela destaca que o principal objetivo desse projeto era fazer com que as vozes e os corpos das adolescentes contassem suas próprias histórias. “Não podia ter imagem delas, para preservar mesmo, porque estão cumprindo medidas socioeducativas. Daí veio a ideia da série em podcast. Por outro lado, tínhamos não mais um teatro documentário, mas um documentário sobre o teatro, sobre o nosso processo, que, no entanto, engloba uma dimensão artística, não se atém apenas ao registro”, explica.

Desenvolver essa ideia sem a possibilidade do encontro foi um desafio para a equipe, que teve que se organizar e se desdobrar em funções diversas. “Em momento algum ninguém pensou em desistir, estávamos dispostas a encontrar um caminho possível. Cada um da equipe contribuiu com seu conhecimento, mas as funções mudaram, todo mundo participou de tudo. Todo mundo estava fazendo as aulas filmadas, então toda a equipe gravou cenas, cada um de nós dançava, virava personagem, até a Luciana, que, portanto, não ficou só com a incumbência do texto. Foi um processo muito bonito”, afirma.

MUDANÇA 

Andreia Quaresma, também uma das fundadoras da Zula, considera que o projeto “A arte como possibilidade de liberdade/Trajetória Centro Socioeducativo São Jerônimo” cumpriu com seus objetivos, na medida em que impactou as adolescentes envolvidas. Ela afirma que foi muito perceptível, durante todo o processo, uma grande mudança de comportamento delas. 

“As próprias funcionárias do Centro comentavam que as meninas estavam mais tranquilas, engajadas em responder às aulas, ensaiando nos corredores. Uma das adolescentes, com quem tive contato depois, me disse que descobriu o amor pelo teatro, que vai querer fazer, se tiver essa oportunidade”, diz.

Ela acredita que a ação serviu para que as adolescentes pudessem se conhecer melhor, se sentir mais felizes, capazes de criar e de fazer coisas que, até então, elas não sabiam que podiam. “Foi uma coisa que iluminou a vida das meninas nesse período, isso foi muito perceptível. Estar em privação de liberdade é algo que causa muitos problemas emocionais, elas ficam muito nervosas, comem com ansiedade, e, de repente, o foco mudou, elas foram para o lugar do lúdico, da criação, da arte. Foi muito bonito de ver, mesmo dentro de uma rotatividade grande”, diz, aludindo ao fato de que, durante o processo, muitas alunas deixaram o Centro Socioeducativo São Jerônimo e outras tantas chegaram.

Andreia salienta que o lançamento do documentário e da série em podcast encerra o projeto, mas que permanece o desejo de retomar o contato com as adolescentes que participaram da ação e, futuramente, levar a cabo a ideia da montagem de um espetáculo que possa circular por teatros da cidade. “Mas aí teria que ser outro projeto, com uma nova forma de chegar até as meninas e executar isso. Vamos tentar.”

PRÓXIMOS CAPÍTULOS
Confira a agenda de episódios do podcast* 

Episódio 2
•“A voz é minha força inteira” 
(9 de setembro)
Episódio 3
•“Palavras espalhadas pelo mundo inteiro” (16 de setembro)
Episódio 4
•“Cantar é liberdade” 
(23 de setembro)
Episódio 5
•“Cartas para o amanhã” 
(30 de setembro)

*Disponível no Spotify e Deezer da Zula Cia. de Teatro, além do YouTube da companhia

•“A arte como possibilidade de liberdade/Trajetória Centro Socioeducativo São Jerônimo”
Live de estreia do documentário e do episódio 1 da série em podcast “Vozes além dos muros”, intitulado “Cartas do agora”. Nesta quinta-feira (2/09), às 20h, no 
YouTube da Zula Cia. de Teatro


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