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Estado de Minas LITERATURA

Ódio e amargura em São Paulo em 'Degeneração', livro de Fernando Bonassi

Romance acompanha a saga de um homem que tenta liberar o corpo de seu pai no necrotério


31/08/2021 20:49 - atualizado 31/08/2021 21:18

Fernando Bonassi diz que o livro de Carlos Marcelo ''trata a política brasileira como o assunto merece: uma questão de polícia''
Fernando Bonassi diz que o livro de Carlos Marcelo ''trata a política brasileira como o assunto merece: uma questão de polícia''

Carlos Marcelo, de 50 anos, e Fernando Bonassi, de 58, acertaram ao romper a regra do distanciamento para falar do Brasil urgente, contemporâneo.

“Os planos” (Letramento), lançado esta semana, e “Degeneração” (Record), que chegou às livrarias em junho, são romances de geração. Revelam o profundo desalento, a desilusão e o impasse de personagens que foram jovens durante a redemocratização, sonharam com um país justo e colheram o fracasso. O livro de Carlos se passa durante o governo Temer. O de Bonassi, no dia anterior à eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República.

Leia: Sonho, pesadelo e mistério em 'Os planos', novo livro de Carlos Marcelo

“Degeneração”, de Fernando Bonassi, acompanha a saga de um homem que tenta liberar o corpo de seu pai no necrotério. O pai era policial, colaborador da ditadura militar, participava de sessões de tortura. Simbolicamente, é como se o protagonista estivesse empenhado em enterrar o passado, só que a história se passa na véspera da eleição do capitão Jair Bolsonaro para a Presidência da República.

Bonassi afirma que “Degeneração” foi escrito com ódio e amargura. O cenário é de absoluta desolação. “O meu olhar é amargo, ele descasca a parede, mas isso não é relevante. O cerne é este cara que acha que vai enterrar alguma coisa que na verdade está ali, naquele momento, justamente ascendendo. O personagem é um cara cheio de amargor, então a realidade fica cinzenta. O livro tem uma velocidade, que é a velocidade do ódio”, diz.

PAI 

A junção de um episódio pessoal do autor com o atual cenário político do Brasil serviu de inspiração para o romance. Bonassi fala, por um lado, da recente morte de seu pai. “Minha família era partidária da ditadura. A história de você romper com o passado imediato é muito coisa da minha geração. O ambiente conservador estava na minha vida. Durante a ditadura, com o sinal da escola e outros estímulos a que se tinha que obedecer, parecíamos ratinhos”, diz.

Por outro lado, alude objetivamente à eleição de Bolsonaro. “A trama de ‘Degeneração’ junta a experiência da morte de meu pai, um homem conservador, com o surgimento de um governo que é pior do que minha experiência anterior.”

O livro sustenta pontes tanto com a literatura brutalista de Rubem Fonseca, pela crueza e violência da trama, quanto com os enredos de Franz Kafka, ao flagrar a enorme burocracia que o protagonista enfrenta no início de um fim de semana para liberar o corpo do pai.

“Trabalho num monte de frentes, televisão, teatro, cinema, mas a coisa bacana da literatura, do romance, é que ele pode ecoar de forma mais aguda o que está acontecendo. Autores mais jovens estão respondendo muito bem a isso, o Michel Laub, o Joca Terron, o próprio Carlos Marcelo com o novo livro dele. No atual momento, a gente está escolhendo o caminho do mal, esse sujeito que está no governo foi eleito pelo povo. De tudo o que está sendo produzido hoje, vai ficar para a posteridade uma meia dúzia de livros esclarecendo o que aconteceu”, afirma Bonassi.

“Minha geração é profundamente fracassada no plano político”, aponta o escritor, acrescentando que em vários momentos da história vislumbrou-se a oportunidade de transformar o Brasil, “fundar uma república de verdade”. “Sou o cara que, ao fim da ditadura, pensava: ‘Agora vai. Nós somos os bons, os honestos, a gente vai melhorar isso’. E a gente produziu uma coisa pior. ‘Degeneração’ fala do que fizemos de nós mesmos. Temos, como geração, uma porcentagem de culpa sobre esse fracasso. Então, esse é um livro sobre o fracasso”, diz.

“É preciso que alguém diga que estamos num beco sem saída. Não dá para contemporizar, lançar um protesto, tem é que interromper esse ciclo de fracasso, então é importante que alguém diga que não tem saída. Não há razão para otimismo”, acredita. “A eleição do cara e a aceitação desse governo até agora prova que estamos inertes. A gente pode se transformar num país a qualquer momento, mas, mesmo assim, uma coisa que é concreta e possível, que é o retorno do Lula, está sendo feita mediante acordos que eu, como homem de esquerda, não aprovo. Mas aí é aquela história: não tem Mercedes, vai com Fusca mesmo. A gente está sempre negociando em malefício da democracia”, conclui Bonassi.


“DEGENERAÇÃO”

Fernando Bonassi
Record
288 páginas
R$ 49,90


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