A 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes , realizada de modo on-line em janeiro passado , previa realizar sessões de títulos que foram destaques em suas edições anteriores, no Cine Drive-In . Mesmo com a segurança que o modelo drive-in oferece no contexto da pandemia , o plano se tornou inviável.
O espaço escolhido para a montagem do telão comporta até 68 veículos. Será preciso apresentar a carteira de habilitação para retirada do convite. Os comes e bebes poderão ser adquiridos antecipadamente, no momento da retirada da credencial, e/ou durante a sessão. Basta o espectador acender o farolete para chamar o garçom.
O filme que abre o programa é “Titãs – A vida até parece uma festa”, de Oscar Rodrigues Alves e Branco Mello. Vencedor do júri popular da 12ª Mostra Tiradentes, o longa conta a história da banda do início dos anos 1980 até a primeira década dos anos 2000, em uma narrativa com ritmo de aventura.
Amanhã é a vez de “No coração do mundo”, de Maurílio e Gabriel Martins, vencedor do Troféu Barroco na 22ª edição da mostra. No domingo, o público assiste a “O dia do Galo”, de Cris Azzi e Luiz Felipe Fernandes, vencedor do júri popular na 18ª edição.
Para segunda-feira está programado o longa de terror “O cemitério das almas perdidas”, de Rodrigo Aragão, que teve exibição on-line em janeiro deste ano, dentro da Sessão Meia-Noite, recorte dedicado ao gênero dentro desta 24ª edição.
Fechando a programação, na terça, serão exibidos quatro curtas-metragens premiados – “De castigo”, de Helena Ungaretti, “Traz outro amigo também”, de Federico Cabral, “Vida Maria”, de Márcio Ramos, e “L”, de Thaís Fujinaga.
ECLÉTICA
“É uma programação eclética, que vai agradar a todas as idades e gostos”, aposta Raquel Hallak. Foi criado um projeto cenográfico específico no local que vai receber o Cine Drive-In. “A proposta é viver uma experiência, trabalhar a estima, fazer circular o cinema brasileiro, porque este é o nosso slogan, ‘O cinema em movimento’”, diz.
Segundo a produtora, “uma atração como essa tem várias missões: levar lazer para as comunidades, favorecer o fluxo turístico neste momento em que isso já é possível, e fazer com que o cinema brasileiro circule e que esteja na pauta do dia”.
Nos 25 anos da Mostra de Tiradentes, em 2022, essa experiência poderá ser replicada caso a situação da pandemia ainda não permita a programação completa no modelo presencial. Raquel acredita que, para além da Mostra de Tiradentes, o modelo de cinema ao ar livre pode ganhar terreno em outras frentes.
“O Brasil nunca teve, efetivamente, essa cultura do drive-in, que foi muito forte nos Estados Unidos nos anos 1950 e 1960. Não tenho notícia de muitas experiências similares e queríamos trazer essa atração em primeira mão para Tiradentes, pensando nos 25 anos da mostra em janeiro do ano que vem, e pensando como um piloto mesmo, uma atração alternativa, porque é tudo muito incerto. Não sabemos como estará a situação em 2022, temos que estar atentos à questão pandêmica”, afirma.
Para concretizar o formato, comenta Raquel, “há um desafio, porque é uma coisa nova, tem um processo burocrático que envolve Iphan, Corpo de Bombeiros e outras instâncias”. O resultado, no entanto, é compensador, em sua avaliação, porque “com essas ações a gente atrai um público que não costuma ir no equipamento cultural, porque não tem na sua cidade ou porque acha que é coisa de rico. Quanto mais a gente ocupa o espaço público, mais formamos um público diversificado”.
24ª MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES – CINE DRIVE-IN
Desta sexta (3/09) a terça (7/09). Sessões sempre às 20h, no estacionamento localizado na Avenida Governador Israel Pinheiro, s/nº (ao lado da pousada Pequena Tiradentes). Entrada franca, mediante retirada de convite no dia da sessão, das 14h às 17h, no Largo das Forras
“É algo que aquece o coração”
Um dos diretores de “No coração do mundo”, Maurílio Martins se diz honrado por ter seu longa incluído na programação do Cine Drive-In. Ele destaca que isso reforça os laços que sua produtora, a prestigiada Filmes de Plástico, de Contagem, mantém com a Mostra de Tiradentes.
“Esse filme tem gerado muitos frutos desde a estreia, em 2019, e vê-lo ainda reverberando, sendo exibido, nos traz muita felicidade, sobretudo porque é, ainda que de forma excepcional, na Mostra de Tiradentes, essa casa que nos abriga desde 2010, quando exibimos nosso primeiro filme, ‘Fantasmas’. De lá pra cá, quase todas as nossas produções estiveram em alguma das mostras em Tiradentes”, comenta.
Ele salienta que é uma dupla alegria, pelo fato de o filme estar ainda circulando e por encontrar o público ao vivo novamente. “Ele está no streaming, gira por festivais on-line, mas é um charme ter esse retorno à exibição pública num drive-in. É um espaço que por si só tem uma magia, é um espaço cinematográfico por excelência. Para a gente, é um momento incrível, eu fico muito feliz que a volta da exibição de um filme nosso para o público aconteça nesse espaço”, diz.
Thaís Fujinaga, diretora de “L”, também mantém uma relação estreita com a Mostra de Tiradentes, que vem desde 2012, quando a obra, que agora integra a programação do Cine Drive-In, ganhou como melhor curta pelo júri popular, na 15ª edição. Ela diz que já conhecia a mostra bem antes daquela participação.
“Eu acompanhava a repercussão, principalmente dos debates, que sempre são muito fortes em Tiradentes. Fui selecionada em 2012 para o filme ser exibido na Praça e foi uma sessão muito especial. Depois voltei, em 2017, quando ‘Baronesa’, da Juliana Antunes, ganhou a mostra. Naquela ocasião, fui para acompanhar a sessão de encerramento, com o filme ‘A cidade onde envelheço’, do qual fui uma das roteiristas. E retornei a Tiradentes mais uma vez, no ano seguinte, porque estava ali por perto, daí fui para lá e fiquei dois dias”, conta.
ENTUSIASMO
A cineasta diz que ficou muito entusiasmada com a proposta do Cine Drive-In, porque evidencia o esforço da Mostra de Tiradentes no sentido de continuar pensando em formas alternativas de existir, de resistir e de chamar o público para ver filmes.
“É algo que aquece o coração, principalmente neste momento em que a gente está vivendo um retrocesso gigantesco em relação às políticas culturais, não só um retrocesso, mas um ataque explícito e direto do governo federal às artes, aos artistas e ao cinema, com o Fundo Setorial para o Audiovisual parado, a Ancine paralisada”, diz, citando ainda o recente incêndio na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, “resultado direto do descaso intencional do governo federal em relação à nossa memória, nossa cultura, nosso audiovisual”.
(DB)
Espaço para o terror
“O terror está crescendo muito no cinema brasileiro, então trouxemos esse gênero para o Drive-In, o que, aliás, era muito comum em sessões nos Estados Unidos.” Assim Raquel Hallak justifica a inclusão de “O cemitério das almas perdidas” na programação.
O diretor Rodrigo Aragão concorda e diz que, neste cenário tão adverso de pandemia, reavivar a ideia do drive-in é algo muito positivo. “A primeira sessão de ‘Cemitério das almas perdidas’ em São Paulo foi num drive-in. O filme de terror combina muito bem com a sala de cinema, porque é mais gostoso assistir em grupo. O drive-in traz isso, de você poder assistir de maneira isolada, com segurança, mas em grupo”, diz.
Aragão também corrobora a afirmação de Raquel sobre a expansão do terror no Brasil. Ele lembra que 2008 foi um marco, porque, naquele ano, vieram à luz três produções do gênero – seu primeiro longa, “Mangue negro”; o brasiliense “Capital dos mortos”, de Tiago Belotti, e “A encarnação do demônio”, de José Mojica Marins (1936-2020) –, o que era um recorde até então. Em 2019, conforme aponta o cineasta, foram lançados 37 filmes de terror, o que representa um crescimento de 1.000% num período de 11 anos.
“O Brasil tem um potencial incrível, com nossas lendas, nossos cenários, nossos medos. Acho que o mercado cinematográfico brasileiro descobriu – ou redescobriu – o gênero, mas ainda falta o grande público chegar a esses filmes. De 2014 a 2018, todo grande festival de cinema fantástico no mundo tinha na programação um filme brasileiro sendo muito bem recebido. Houve, sim, uma grande mudança”, diz ele.
O diretor aponta que “O cemitério das almas perdidas” é um exemplo da boa recepção que o terror brasileiro vem tendo mundo afora. “Acabei de ganhar o prêmio de melhor diretor ibero-americano num festival de cinema macabro do México. Esse foi o sétimo prêmio que o filme ganhou, e cinco deles são internacionais. O ‘Cemitério’ tem tido uma repercussão muito boa, mas ainda enfrenta grande dificuldade para ser comercializado no Brasil, infelizmente.”
Aragão destaca que a exibição on-line na Mostra de Tiradentes em janeiro passado gerou uma repercussão muito boa. “A exibição on-line te tira o prazer de ver a reação do público, mas ela democratiza os filmes, que chegam ao país todo, sem custo. Isso foi muito bacana, porque tive um retorno de pessoas de todos os lugares do Brasil, que assistiram e comentaram bastante.”
Ele só lamenta não poder estar presente em Tiradentes para acompanhar a sessão “A pandemia nos tirou muitas coisas, como o prazer de ver um filme no seu formato mais completo. O ‘Cemitério das almas perdidas’ é meu sexto longa e é o primeiro feito para salas de cinema, filmado com equipamento de ponta. E a verdade é que nem eu tive o prazer de ver esse filme numa tela grande ainda, então a única coisa triste é eu não estar lá em Tiradentes para aproveitar a oportunidade.”
(DB)