“Você pensa sobre a morte? Eu sim, o tempo todo.” Jean-Paul Belmondo tinha 27 anos quando interpretou Michel Poiccard, ou seu alter ego Laszlo Kovacs, bandido sem escrúpulos com apenas uma certeza na vida: morreria cedo.
O ator fez 80 filmes durante meio século de carreira. Mas nesta segunda-feira (6/09), quando sua morte, aos 88 anos, em Paris, foi anunciada, a imagem que veio à cabeça de muita gente foi de um Belmondo jovem, cigarro sempre na boca, no antológico “Acossado” (1960), porta de entrada de Jean-Luc Godard para a Nouvelle Vague.
O ator fez 80 filmes durante meio século de carreira. Mas nesta segunda-feira (6/09), quando sua morte, aos 88 anos, em Paris, foi anunciada, a imagem que veio à cabeça de muita gente foi de um Belmondo jovem, cigarro sempre na boca, no antológico “Acossado” (1960), porta de entrada de Jean-Luc Godard para a Nouvelle Vague.
“Com esse físico, você nunca terá sucesso nesta profissão.” Belmondo, já na maturidade, contava aos risos o julgamento ouvido no início da carreira. Sua presença como um bad boy no longa-metragem de estreia de Godard o estabeleceu como ídolo francês de sua ge- ração. Foi comparado a James Dean, Humphrey Bogart e Marlon Brando.
"O demônio das onze horas"
Embora mais intimamente associado a Godard (também foi dirigido por ele em “Uma mulher é uma mulher”, de 1961, e “O demônio das onze horas”, de 1965), Belmondo trabalhou com outros grandes diretores franceses de sua geração: Claude Chabrol (“Quem matou Leda?”, de 1959), Jean-Pierre Melville (foram três filmes, entre eles “Léon Morin, o padre”, de 1961), François Truffaut (“A sereia do Mississipi”, de 1969) e Alain Resnais (“Stavisky”, de 1974).
Como Bogart, Belmondo melhorou com a idade. Ele nunca foi bonito, mas seus traços fortes tornaram-se cheios de personalidade e seu apelo nunca dimi- nuiu. Assim como o rival Alain Delon, foi um dos monstros sagrados do cinema francês. Ambos triunfaram interpretando gângsteres e policiais, mas tinham perfis antagônicos.
Longe do solitário Delon, especialista em papéis sombrios e trágicos, Belmondo não se incomodava nem um pouco com o rótulo de comediante simpático e adorado pelos franceses, que o chamavam Bébel.
Nascido em Neuilly-sur-Seine em 9 de abril de 1933, era filho do pintor e escultor Paul Belmondo e da dançarina Madeleine. Na juventude, dedicou-se muito mais aos esportes do que aos estudos (boxe, que praticaria por muito tempo, e futebol). Foi atraído para os palcos bem cedo – em 1952, começou a ter aulas com o ator Raymond Girard.
"Acossado"
A admiração pelo boxe o levou a papéis mais físicos do cinema policial e de aventuras (como “O homem do Rio”, de 1964, rodado em grande parte no Brasil). Também atuou em comédias junto às estrelas do momento, como Claudia Cardinale, Gina Lollobrigida, Catherine Deneuve e Sofia Loren. Algumas de suas companheiras de set se tornaram pares na vida real, como Ursula Andress e Laura Antonelli.
Teve dois casamentos, ambos desfeitos. O primeiro (1959) foi com Élodie Constantin, com quem teve os filhos Florence e Paul (ex-piloto de Fórmula 1) – ela já tinha Patricia, criada por ele e morta em 1994, durante incêndio em seu apartamento, em Paris. A segunda união oficial foi com a dançarina e atriz Natty Tardivel (2002), com quem teve, aos 70 anos, Stella.
Sorriso marcante
Outro relacionamento de destaque foi com a atriz brasileira Maria Carlos Sotto Mayor. Os dois se conheceram nos anos 1980 e permaneceram amigos. Em 2020, a imprensa internacional noticiou que os dois teriam voltado a se relacionar – fato ou não, Maria Carlos postou em sua conta no Instagram, no ano passado, várias fotos ao lado de Belmondo (sempre sorridente, uma de suas marcas).
Belmondo era conhecido por recusar que outra pessoa o substituísse nas lutas ou cenas perigosas de seus filmes de ação, entre eles “Borsalino” (1970), “O magnífico” (1973) e “O profissional” (1981). Era tudo com ele mesmo. Seu cinema decepcionou parte da crítica, que o imaginava em papéis mais profundos, embora ele afirmasse, sem problemas: “Estou orgulhoso de ser uma estrela popular, não desdenho a aprovação do público”.
E este respondeu à dedicação. Por mais de duas décadas, 48 de seus filmes ultrapassaram, cada, 1 milhão de ingressos vendidos. O grande fiasco veio em 1987 com “O solitário”. Admitiu que não só o público, mas também ele estava farto dos thrillers. O sucesso voltou com “Itinerário de um aventureiro” (1988), de Claude Lelouch, que lhe rendeu um César.
De volta aos palcos
Os dois mais tradicionais eventos de cinema da Europa reconheceram, na última década, sua trajetória. Em 2011, Belmondo recebeu a Palma de Honra no Festival de Cannes e, em 2016, o Leão de Ouro pelo conjunto da obra, em Veneza. (Com agências)
"O homem do Rio"
Este era Jean-Paul Belmondo, ou melhor, o personagem Adrien Dufourquet em Brasília, no início dos anos 1960. A capital federal, inaugurada havia pouco, é um dos cenários da aventura “O homem do Rio” (1964). O Congresso Nacional e o Palácio da Alvorada estavam prontos na época, mas várias outras edificações projetadas por Oscar Niemeyer não passavam de arremedos do que viriam a ser. A sequência em Brasília é facilmente encontrada no YouTube.
Dirigida por Philippe de Broca e indicada ao Oscar de melhor roteiro, a produção franco-italiana foi rodada na França (Paris) e no Brasil. Além de Brasília, que concentra boa parte da ação, o longa teve locações no Rio de Janeiro (Parque Lage, Aeroporto Santos Dumont, Praia de Ipanema, Museu de Arte Moderna, o MAM-Rio), além de Petrópolis e de Manaus.
TINTIM
Livremente baseado nos quadrinhos de Tintim (dizem que Hergé havia considerado a melhor versão feita até então de seu herói para o cinema), acompanha as aventuras do piloto Adrian Dufourquet, que, ao conseguir uns dias de folga, planeja passar uns dias com a namorada Agnès (Françoise Dorléac, irmã mais velha de Catherine Deneuve) em Paris.
Só que ela foi sequestrada e trazida para o Brasil. Tal como um James Bond francês, Adrien vai atrás da moça, envolvendo-se em vários perigos na selva amazônica e nas grandes cidades brasileiras.
O filme é hoje referendado por aqueles que influenciou. O filósofo e crítico francês Roland Barthes citou o longa várias vezes durante uma entrevista sobre semiologia e cinema. Steven Spielberg teria escrito a Philippe de Broca falando que havia assistido ao filme nove vezes – “O homem do Rio” teria sido uma das inspirações para “Os caçadores da arca perdida”.
O longa conta com artistas brasileiros em papéis secundários ou participações. Entre eles estão o ator e diretor Adolfo Celi (italiano, ex-marido de Tônia Carrero, mas com boa parte da carreira no Brasil) e o mineiro Milton Ribeiro. Até Zé Keti fez participação (não creditada) no filme.