Jornal Estado de Minas

TEATRO

Atriz e seu ex fazem peça de teatro sobre a separação, após 25 anos casados


Com a alma e o coração cheios de esperança, a carioca Clarice Niskier traz sua lista de espetáculos a Belo Horizonte. Os trocadilhos devem ser perdoados já que, no momento de abertura gradual das atividades culturais, uma atriz cumprir uma temporada extensa (e presencial) de quatro montagens teatrais em dois espaços de Belo Horizonte é algo a se comemorar.





A partir desta sexta (10/9), começando pelo Cine-Theatro Brasil Vallourec, Clarice dá início à sua celebração dos 40 anos de carreira – e 62 de vida, no domingo (12/9). Neste fim de semana,  ela apresenta três espetáculos de seu repertório: “A alma imoral”, o mais conhecido e longevo deles, “A lista” e “A esperança na caixa de chicletes Ping Pong”. Na segunda (13/9),  também ministra uma oficina, no mesmo teatro.

Já a partir da próxima semana (17/9), a atriz dá início a uma temporada de novo espetáculo, “Coração de campanha”, gestado durante a pandemia, a partir de suas próprias experiências no período de isolamento social. A montagem ficará em cartaz até 18 de outubro, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-BH).

É mais comum que companhias teatrais, em vez de atores, tenham repertório. “Sempre foi meu sonho”, diz Clarice, que estreou em 1981, no Teatro Tablado, com a peça “Tambores da noite”, de Bertolt Brecht, e hoje soma 40 espetáculos no currículo. 




EQUIPE 

“Mas sem os parceiros que tenho não seria possível”, acrescenta ela, que a partir dos anos 2000 passou a produzir suas montagens ao lado do diretor Amir Haddad e do músico José Maria Braga, seu ex-marido. “Somos uma equipe estável. É sempre a mesma figurinista, o cenógrafo só mudou para ‘Coração de campanha’, o técnico Carlos Henrique é quem opera todas as minhas peças.”

A viagem comemorativa tem início com a adaptação do best-seller do rabino Nilton Bonder “A alma imoral” (Rocco, 1998). Mesmo que a montagem tenha completado 15 anos e já tenha corrido o país com um sem-número de apresentações (o número oficial de espectadores é 500 mil), Clarice necessita estar sempre ensaiando. 

A sessão desta noite será a primeira que ela fará da montagem em 2021 – a mais recente temporada foi em outubro de 2020, no Rio de Janeiro, como uma das primeiras peças a ter plateia na capital fluminense depois do início da pandemia.





No monólogo, que lhe rendeu o Prêmio Shell de Melhor Atriz em 2007, Clarice fala de como foi arrebatada pelo livro de Bonder. Inspirada em conceitos bíblicos e filosóficos, ela reflete sobre o certo e o errado, o moral e o imoral, estabelecendo uma conversa franca com a plateia. “A peça não mudou nada (desde a estreia), quem mudou fui eu”, conta.

ADAPTAÇÃO 

“A alma imoral” acabou levando-a para “A lista”, adaptação do texto da canadense Jennifer Tremblay (lançado em 2014 pela mineira Autêntica, a edição brasileira tem apresentação da própria Clarice). A montagem, também de 2014, foi uma sugestão do professor de teatro Sérgio Nunes, de Florianópolis. “Ele me assistiu em ‘A alma imoral’, em Salvador, e conseguiu meu e-mail. Disse que estava vindo do Canadá com uma peça e que queria me apresentá-la.”

O texto sobre uma mulher que prioriza suas listas de tarefas domésticas, em detrimento do próprio marido e dos filhos, foi rapidamente adquirido por Clarice no Brasil, que vem apresentando o monólogo desde então. Terá uma sessão neste sábado (11/9). No domingo, é a vez de “A esperança na caixa de chicletes Ping Pong”, que tem um tom bem diferente das duas anteriores.





Clarice havia feito três apresentações da montagem no Rio de Janeiro, quando a pandemia teve início e fechou tudo. O espetáculo foi criado a partir das canções de Zeca Baleiro. “A vida nos aproximou, e ele se tornou uma pessoa muito querida. Um dia disse a ele sobre a vontade de fazer teatro com as letras das músicas dele”, conta a atriz.

“Ele falou: ‘Faça’. Foi um quebra-cabeça muito trabalhoso, pois costurei fragmentos de 50 e poucas músicas, como se fosse um almanaque, ou um cordel”, comenta ela, que, a despeito da origem da montagem, não canta em cena. “Brinco de cantar, faço um rap em cena e também uma música do Nelson Ned.”

CACHORRO 

A pandemia a tirou de cena e a fez ficar em casa parada “me sentindo com um cachorro correndo atrás do rabo”. Naquele março de 2020, o casal Clarice e José Maria já estava separado. Só que o isolamento social impediu a mudança dele. Em abril do ano passado, a atriz perdeu o pai, o advogado Odilon Niskier, aos 94 anos, para a COVID-19. 





Morando junto com o ex, ela deu início ao texto que gerou “Coração de campanha”, que depois de ter cumprido temporada nas unidades do CCBB no Rio de Janeiro e em Brasília, chega agora ao centro cultural de BH.

“A peça começou autobiográfica, mas fui acrescentando muito do que estava acontecendo no nosso coletivo também, com as notícias de feminicídio e violência doméstica.” Em “Coração de campanha”, Clarice vive Ela, uma atriz casada há 25 anos com Ele (Isio Ghelman), um professor universitário. Têm um filho de 21 anos que está passando pelo período mais difícil de sua vida. Decididos a ter uma separação amigável, eles vivem entre março e dezembro de 2020 no apartamento do casal e novos planos surgem para o agora ex-casal.

Tal como no palco, Clarice e José Maria têm um filho de 21 anos. “O texto contrapõe a violência doméstica (noticiada na pandemia) com uma amizade amorosa. Vivemos o oposto disso, pois era uma colaboração, um carinho. Foram 25 anos de casamento, então eu quis falar sobre a exceção para mostrar que existe outro viés na experiência humana”, comenta a atriz. 





José Maria Braga, além de assinar a direção de produção do espetáculo, também é o autor da trilha sonora. “Em uma época de loucura, ódios, bipolaridade social, existem outros caminhos”, afirma Clarice.  

MOSTRA DE REPERTÓRIO DE CLARICE NISKIER

Confira a agenda de espetáculos e a oficina que a atriz oferece na capital mineira, a partir de hoje 

ESPETÁCULOS

“A ALMA IMORAL”

Nesta sexta (10/9), às 21h, no Cine-Theatro Brasil Vallourec, Avenida Amazonas, 315, Centro, (31) 3201-5211. Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia). À venda no cinetheatrobrasil.com.br

“A LISTA”

Neste sábado (11/9), às 21h, no Cine-Theatro Brasil Vallourec. À venda no cinetheatrobrasil.com.br

“A ESPERANÇA NA CAIXA DE CHICLETES PING PONG” 

Neste domingo (12/9), às 19h, no Cine-Theatro Brasil Vallourec. Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia). À venda no cinetheatrobrasil.com.br




“CORAÇÃO DE CAMPANHA”

Temporada de 17 de setembro a 18 de outubro, com apresentações de sexta a segunda, às 20h, no CCBB, Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia para as categorias previstas por lei e clientes Banco do Brasil que pagarem com Ourocard). À venda no bb.com.br/cultura

• OFICINA
>> Haja alma e esperança para tanta lista. Com duração de cinco horas, a oficina é aberta a atores e a não atores. Segunda (13/9), das 9h às 11h e das 12h às 15h no teatro de câmara do Cine-Theatro Brasil Vallourec. 20 vagas. Ingressos: R$ 20. À venda no cinetheatrobrasil.com.br

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