Esqueça o que os seus olhos mostram e preste atenção no que a sua cabeça está dizendo. É basicamente esse o jogo proposto pelo artista Leandro Erlich na exposição “A tensão”, que abre nesta quarta (15/09) para o público no Centro Cultural Banco do Brasil.
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Quem está do deck verá as pessoas de dentro, como se estivessem mergulhadas nas águas azuis. E quem está de dentro não molha um só fio de cabelo. Tal imagem é tornada possível graças a uma fina camada de água colocada na parte superior de uma folha de vidro. Jatos d’água simulam o movimento.
PALESTRA
O próprio Erlich, que está em BH para a abertura – participa hoje de uma palestra no CCBB, ao lado de Marcello Dantas, curador da exposição –, é quem explica como se forma essa imagem. Não só essa, mas a de todas as demais obras.
“Gosto da ideia de que as pessoas saibam reconhecer como os trabalhos são feitos. Em alguns deles, o visitante vai encontrar seu próprio papel nele”, diz o artista. “O tempo todo o trabalho dele lida com a dúvida. Mas o bonito é que não tem truque, está tudo na sua cara”, comenta Dantas.
A instalação “Hair saloon” (“Salão de beleza”, 2008), que abre a mostra, no terceiro andar, é a primeira a ter um “papel” para cada visitante. O que encontramos é um tradicional salão de beleza, com suas poltronas e aparatos.
Uma vez sentados, não nos vemos refletidos, simplesmente porque não há espelho. A imagem que temos é a da pessoa que está na poltrona em frente – a nossa imagem vai aparecer no espelho do outro lado do bloco de poltronas.
Outro trabalho que provoca a mesma sensação é “Lost garden” (“Jardim perdido”, 2009), em que o visitante observa, da janela, uma espécie de jardim de inverno. Você se vê em uma diagonal e acredita que está em frente a uma área como um cubo – mas o formato da instalação é triangular.
Janelas, por sinal, estão presentes em várias obras. Em “Blind window” (“Janela cega”, 2016), Erlich propõe uma troca de papéis: uma estrutura de vidro suporta uma janela feita de tijolos. “El avión” (“O avião,” 2011) e “Night flight” (“Voo noturno”, 2015) são um díptico: duas janelas de avião que mostram imagens diurnas e noturnas de um voo.
“The view” (“A vista”, 1997/2017) é uma videoinstalação que muitos vão relacionar com o clássico “Janela indiscreta” (1954), de Alfred Hitchcock. Por entre persianas, assistimos a nove janelas com pessoas dentro de casa – todos familiares e parentes do artista.
PORTAIS
“As janelas são um importante elemento da arquitetura, pois são elas que nos permitem luz. Eu as vejo também como portais”, afirma Erlich, cujo trabalho propõe, o tempo inteiro, uma interseção entre arte e arquitetura.
“Estudei arte e filosofia e cresci em uma família de arquitetos. Minha intenção é questionar nosso entendimento sobre a realidade. A arquitetura é uma expressão forte de algo real. Um prédio é sólido e real. Nestes espaços, que nos são familiares, as coisas são do jeito que são. Mas podem ser de outra maneira”, diz.
Um elevador e um olho mágico, também elementos comuns do cotidiano, ganham novos perspectivas na exposição. Há obras que brincam com a ideia do reflexo. Uma delas é “Traffic jam” (“Engarrafamento”, 2018), uma versão compacta de uma instalação que Erlich criou em Miami Beach para a Art Basel. A obra original, que discute a crise climática, colocou 66 veículos de tamanho natural produzidos de areia na praia na Flórida – muitos deles aparecem soterrados.
A mostra termina com a instalação “Próximamente” (“Em breve”, 2019), que remete ao saguão de uma sala de cinema. Nas paredes da sala, em tons avermelhados, vemos vários pôsteres, na verdade, pinturas realizadas por Erlich a partir de fotos.
Além da referência cinematográfica, essencial em sua obra, os filmes nunca realizados (todos dirigidos por um certo Charlie Lendor, na verdade um acrônimo de Leandro Erlich) se relacionam com as obras apresentadas na mostra.
O “filme” “Paranoid”, por exemplo, cujo pôster apresenta um homem olhando por um olho mágico, se relaciona com a instalação “Neighbors” (1996-2017).
MONTAGEM
Para a exposição, Erlich, que vive entre Montevidéu, Buenos Aires e Paris, visitou os três CCBBs no Brasil para ver as possibilidades de cada espaço. “A tensão” foi adiada de 2020 para 2021 em decorrência da pandemia. Praticamente todas as obras foram construídas em uma empresa de cenotécnica no Rio e finalizadas em BH. A montagem no CCBB consumiu quatro semanas.
“A preparação, que envolveu pessoas da Europa e da Argentina, foi feita remotamente. Isso foi uma parte das dificuldades. Mas acho que a exposição agora traz um elemento simbólico, pois várias das obras mudaram de significado”, comenta Dantas, que já havia trabalhado com Erlich na coletiva “Invento: As revoluções que nos inventaram”, na Oca, em São Paulo.
Um dos trabalhos mais significativos deste novo olhar decorrente da pandemia é a instalação “Classroom” (“Sala de aula”, 2017). O público chega ao espaço escuro e vazio e se assenta em carteiras negras – ao olhar para o lado, você se vê refletido em outra imagem de sala de aula.
Se antes (da crise sanitária) a obra nos remetia a uma nostalgia, hoje ela expressa a realidade, com salas de aula vazias no mundo inteiro e em que nós viramos fantasmas digitais”, comenta Dantas.
“A piscina”, na opinião dele, também pode ser relida. “Ela se torna uma bolha de exclusão em que as pessoas mergulham no universo privado, desconectando-se do restante do planeta. Ninguém sabe o que está acontecendo fora dela, fazendo uma metáfora do nosso tempo”, observa o curador.
“A TENSÃO”
Exposição de Leandro Erlich no Centro Cultural Banco do Brasil, Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. Abertura para o público nesta quarta-feira (15/09), a partir das 10h. Visitação de quarta a segunda, das 10h às 22h. Os ingressos, gratuitos, deverão ser retirados antecipadamente no site Eventim (www.eventim.com.br/artist/leandro-erlich/). Serão disponibilizados 100 ingressos por hora (o último horário de visita é 21h). Hoje, às 15h30, haverá no teatro do CCBB palestra com Leandro Erlich e o curador Marcello Dantas. O acesso do público será liberado a partir das 15h30.