“Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar.” Foi com essa observação recorrente que os agentes culturais de várias áreas, do teatro ao cinema, da música às artes visuais, deram, ao longo do último um ano e meio, a dimensão do impacto da paralisação do setor a partir da chegada da pandemia.
Aparentemente, chegou o momento de quem estava no fim da fila enxergar a luz no fim do túnel. Quem sobreviveu a esse período de restrições, impossibilitado de exercer plenamente seu ofício, vê agora a perspectiva concreta de retomar as atividades de forma consistente. Artistas, produtores e técnicos estão, pouco a pouco, reencontrando o público, num movimento que, espera-se, não dê marcha a ré.
Na esfera pública, o momento é, sim, de retomada, conforme aponta a secretária municipal de Cultura e presidenta interina da Fundação Municipal de Cultura, Fabíola Moulin. Ela diz que esse processo teve início em julho passado, quando foram reabertos os museus, e seguiu paulatinamente, com a volta dos teatros Marília e Raul Belém Machado.
O Teatro Francisco Nunes ainda não foi reaberto devido ao fechamento do Parque Municipal, onde foram detectados casos de raiva em morcegos. Na esteira de museus e teatros, foi a vez de o Cine Santa Tereza voltar a funcionar, há cerca de uma semana, para abrigar parte da programação presencial do Circuito Municipal de Cultura.
O Música de Domingo voltará no próximo dia 26, com apresentação do Assanhado Quarteto, no Cine Theatro Brasil Vallourec, e segue nos dias 11 de outubro, quando Acauã Ranne e Titane dividem o palco do Teatro da Cidade, e 24 de outubro, com o show “Vórtice”, de Rafael Martini, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas.
Fabíola afirma que a reabertura dos 17 centros culturais da prefeitura, espalhados pelas diversas regionais da cidade, ocorrerá em breve. Os protocolos para o funcionamento desses equipamentos e das bibliotecas públicas municipais foram aprovados pelo Comitê de Enfrentamento à Pandemia do COVID-19.
“É importante, neste momento, que esses espaços voltem a funcionar e a oferecer uma programação cultural, além da programação que a gente vem mantendo no ambiente virtual”, diz a secretária. Serão reabertas também as 22 bibliotecas públicas municipais, até porque a maior parte delas está dentro dos próprios centros.
Os grandes eventos do calendário anual também vão retomando seu espaço físico na cidade. Se o Festival Literário de Belo Horizonte (FLI-BH) teve o formato virtual, em maio passado, a Virada Cultural, prevista para 16 e 17 de outubro próximos, será majoritariamente digital, mas com algumas intervenções artísticas que não provocam aglomeração ocupando endereços no Hipercentro. “Ainda não dá para colocar as pessoas na rua por um período de 24 horas, mas dá para fazer algumas intervenções urbanas, como projeções, dentro da programação da Virada”, diz Fabíola.
EXPERIÊNCIA
A 11ª edição do Festival de Arte Negra (FAN-BH), prevista para o início de dezembro, deverá ter uma abertura ainda maior para atividades presenciais, com algumas ações em locais fechados que já estão autorizados a receber público, como teatros, museus e cinemas.
“Vai ser a primeira experiência no sentido de fazer um evento grande num formato híbrido, com a programação dividida de forma mais equilibrada entre o on-line e o presencial”, diz. Para 2022, estão previstos o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ-BH) e o Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte (FIT-BH), além da Virada Cultural. “A gente espera que seja possível realizar tudo no formato presencial, mas isso vai depender da vacinação e das condições sanitárias para a gente poder confirmar”, diz a secretária.
PALÁCIO DAS ARTES
Mais importante equipamento cultural do estado, o Palácio das Artes já está em pleno funcionamento, com todos os seus espaços de fruição abertos ao público. O Grande Teatro, por exemplo, foi palco de apresentações ao longo das últimas semanas e vai receber, nos próximos dias, shows de Paulo Ricardo (25/09), Sandra de Sá (1º/10), A Cor do Som (2/10), o Tributo a Tina Turner (3/10) e Richard Clayderman (4/10).
No Cine Humberto Mauro, está em cartaz, até o próximo dia 29, a mostra “Exagerados: Cinema contra o baixo-astral”. A Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard e outros espaços expositivos do Palácio das Artes abrigam no momento a mostra “50 anos em 5 atos”, que celebra o cinquentenário da instituição. E até o próximo dia 26, o espetáculo “Wilde. Re/Construído” cumpre temporada na Sala João Ceschiatti.
Presidente da Fundação Clóvis Salgado, Eliane Parreiras diz que o funcionamento desses espaços combina os protocolos da prefeitura e do programa Minas Consciente, já que a instituição é vinculada ao estado. “As pessoas estão voltando aos poucos, mas estamos tendo um público surpreendentemente bom”, diz, destacando que duas atrações que ocuparam o Grande Teatro – o show da Orquestra Mineira de Rock e o concerto “Stabat Mater”, com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais – esgotaram os ingressos que foram disponibilizados.
“Em momento algum os teatros do Palácio das Artes ficaram com a agenda vazia, mas tudo o que estava programado foi sendo reagendado. Estamos falando de um cenário que vai de março de 2020 até agosto de 2021, então foi um enorme trabalho de remanejamento, o tempo inteiro, e isso agora começa a se concretizar, com alguns shows já realizados e outros tantos previstos”, diz Eliane Parreiras.
Segundo ela, “é um processo de concretização, com os produtores apostando mesmo que vai dar certo, querendo fazer seus eventos e confiantes de que o público vai responder”. Eliane afirma que o impacto econômico causado pela pandemia foi grande para a Fundação Clóvis Salgado, especialmente por causa do longo período em que os teatros ficaram fechados.
“Mesmo com as autorizações pontuais de reabertura, você não trabalha a produção de um espetáculo, um show num espaço tão curto de tempo. Tivemos um período grande com poucas propostas. Com essa reabertura mais recente, mesmo considerando a limitação de público, começou a ter um esboço de interesse por parte dos produtores, mas tem aí um trabalho de equilíbrio financeiro no sentido de você achar um artista cujo cachê seja de um tamanho que o público vá responder e possa cobrir. A questão é que, para além da necessidade do público de se sentir seguro, teve um impacto financeiro também para as pessoas que não têm dinheiro para assistir aos shows que teriam outro tipo de resposta num cenário normal”, ressalta.
O que ainda deve demorar um pouco para voltar ao formato presencial são as ações formativas – como as aulas do Cefart – e a rotina dos corpos artísticos. “Temos todos os protocolos de retorno e estamos fazendo o calendário dos corpos artísticos, inclusive no que diz respeito ao local de ensaio, o tamanho das formações, as condições técnicas, a circulação de ar, o espaço para distanciamento, todos esses critérios que impactam muito na organização dessas atividades coletivas, o que vale também para as aulas.”
Cinemas
Com a reabertura em julho deste ano, as salas de cinema também começam a retomar fôlego após um longo período de asfixia, que resultou no fechamento de 11 delas – nos complexos do Shopping Paragem e do Shopping Pampulha, além de uma sala no Ponteio Lar Shopping, que está provisoriamente desativada.
Diretor do Sindicato das Empresas Exibidoras de Belo Horizonte, Betim e Contagem, Lúcio Otoni diz que a resposta do público a esse novo momento foi acima da expectativa do mercado, mesmo considerando que, historicamente, agosto e setembro são meses que registram uma frequência menor nas salas.
“O público respondeu a essa reabertura, dentro dos protocolos, com respeito a eles e à capacidade de espectadores estabelecida”, diz, acrescentando que a autorização para ocupação de 70% das salas a partir deste mês de setembro permite vislumbrar o futuro com otimismo.
“Teremos grandes lançamentos em outubro, com a Semana da Criança, por exemplo, quando chega ‘A família Addams 2’. E tem o novo ‘007’, o novo ‘Venom’, filmes que estavam represados e que agora serão lançados exclusivamente nas salas de cinema. Essa retomada está sendo interessante, porque o cinema provou-se um programa bastante seguro, com os protocolos sendo respeitados”, diz. Apesar desse cenário promissor, Lúcio Otoni acredita que as redes de exibição que sobreviveram até aqui vão precisar de um período de três a quatro anos para conseguir equilibrar as contas e se recuperarem completamente.
“As empresas ficaram mais de um ano com faturamento muito baixo, perto de zero em alguns períodos, então vai demorar para que retomem suas melhores condições, mas o importante é ter voltado. O Brasil tinha em torno de 3.500 salas de exibição e a estimativa, a que chegamos por meio de um levantamento, é de que em torno de 400 delas fecharam. O mercado brasileiro demorou para chegar a 3.500 salas, mas, com a pandemia, pequenos e médios exibidores não conseguiram sobreviver”, lamenta.
TEATRO
Profundamente afetada pela pandemia, a classe teatral está ensaiando um retorno ainda tímido ao modelo presencial, segundo Magdalena Rodrigues, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de Minas Gerais (Sated).
Citando o sucesso de público “Acredite, um espírito baixou em mim”, de Ílvio Amaral e Maurício Canguçu, e “Wilde. Re/Construído”, com texto e direção de Sérgio Abritta, como alguns dos poucos exemplos de espetáculos que conseguiram emplacar temporadas desde a reabertura dos teatros, ela diz que o movimento de retomada é lento porque os produtores estão descapitalizados.
“Ninguém tem dinheiro para colocar um espetáculo em cartaz, porque isso tem um custo com transporte, alimentação, equipamento, enfim, mesmo pensando em despesas mínimas, o pessoal está sem dinheiro”, aponta.
Ela classifica o impacto da pandemia como “desastroso” para o setor e salienta que, no âmbito das artes cênicas, o cenário é particularmente dramático para os artistas circenses de pequenas companhias.
Diretor do Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais (Sinparc), Rômulo Duque concorda que o cenário é desolador, mas ele confia na reestruturação do setor e vislumbra, inclusive, a realização presencial da 47ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança de Minas Gerais, entre janeiro e fevereiro do próximo ano.
Um aceno nesse sentido é a realização de uma espécie de recorte da Campanha no formato on-line, que teve início em julho e segue até o final deste mês, com oito espetáculos, exibidos nas redes sociais do Sinparc, como forma de “amenizar a situação e viabilizar o trabalho das pessoas”, segundo Duque. Ele diz, no entanto, que há um entrave: o projeto da Campanha, que até o ano passado contou com patrocínios via Lei Rouanet, está paralisado no setor de análise do Ministério da Cultura.
“Estamos, no momento, com pouca comunicação com os órgãos públicos federais, mas botando fé em que teremos o projeto aprovado e os recursos disponibilizados até o final deste mês. Aí, é reunir os produtores para, até dezembro, começar a desenhar essa 47ª Campanha, quiçá toda em formato presencial, ocupandoocupando os teatros da cidade, com um núcleo de acompanhamento responsável pelo cumprimento das ações de combate à pandemia”, diz.