Com a reabertura gradual, produtores culturais têm apostado em ações independentes que foram abortadas com a chegada da pandemia ou em novas iniciativas. É o caso do evento Vai Ter Samba, que já teve duas edições realizadas no Megaspace, em Santa Luzia, e está com outras duas programadas, para o próximo sábado (25/09) – com shows de Vitinho, Sorriso Maroto, Mumuzinho, Akatu, Samba Brother e DJ Ávila – e 2 de outubro.
Realizador do festival, o produtor Philippe Xavier diz que essa sequência de eventos está sendo possível por causa do cumprimento dos protocolos de combate à COVID-19 e porque, passadas as duas primeiras edições, não houve impacto significativo no aumento do índice de contágio, conforme apontam os boletins epidemiológicos.
Ele diz que está trabalhando apenas com 10% da capacidade de público do espaço, o que, ainda assim, representa um público numeroso, já que o Megaspace tem capacidade para comportar até 200 mil pessoas. Essa proporcionalidade é o que permite a Xavier seguir com uma produção que envolve artistas de grande alcance popular, o que implica custo alto, e ainda assim fechar a conta ao final do evento.
“Na verdade, fazer esse tipo de festival não é tão bom como era antigamente, mas para quem estava há um ano e meio sem trabalhar e está podendo voltar agora, mesmo com as limitações, mesmo com a conta mais apertada, já é muito gratificante, porque abre perspectivas”, aponta.
Ele adianta que, depois da edição de 2 de outubro, que deve manter o limite de 10% de ocupação do espaço, vai dar uma pausa de aproximadamente um mês para retomar a agenda no final deste ano ou a partir de 2022, já com a perspectiva de crescimento.
EXPANSÃO “A ideia é expandir à medida que os indicadores mostrarem que não está tendo impacto na taxa de contágio. Se os índices epidemiológicos seguirem caindo, a gente vai aumentando de tamanho. Quando vierem novas flexibilizações e a gente constatar que o evento não está impactando, a gente vai aumentar, sim. Acredito que, até dezembro, a gente já consiga fazer eventos com um público maior”, projeta.
Essa também é a perspectiva da produtora A Macaco, responsável pela realização do Festival Sarará, cuja próxima edição já tem data para ocorrer, em 27 de agosto de 2022, em formato totalmente presencial, no Mineirão, com uma programação que inclui Elza Soares, Zeca Pagodinho, Pabllo Vittar e Baiana System, entre outros.
AQUECIMENTO Como forma de preparar o terreno, foi criado o Quintal Sarará, que consiste em uma série de shows e apresentações de DJs que tiveram início no último fim de semana, em um espaço no Bairro Floresta, e segue até 10 de outubro, sempre às sextas-feiras, das 16h às 22h, e aos sábados e domingos, das 12h às 22h.
Segundo os organizadores, o Quintal Sarará foi pensado como um meio de, gradualmente, retomar o contato mais próximo com o público e se preparar para a edição do Festival Sarará 2022. A realização do evento respeita as recomendações de segurança da Secretaria de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte, recebendo um fluxo de até 300 pessoas por dia, sentadas, com distanciamento, sanitização, aferição da temperatura e uma equipe que orienta os presentes no sentido de que se evitem aglomerações.
“Depois de um ano e oito meses sem fazer evento, a gente estava com um pouco de receio com relação à forma como o público reagiria diante de um show como o da Marina Sena. Ficamos com medo de as pessoas não respeitarem os protocolos, e uma das coisas que mais emocionaram a produção foi ver que elas seguiram totalmente, todo mundo sentadinho, respeitando o distanciamento, acompanhando as músicas na palma da mão”, diz Bell Magalhães, diretora-executiva do Quintal Sarará.
“Foi bem surpreendente e a gente está bastante feliz. Entendemos que dá para fazer cultura, dá fazer shows com responsabilidade e com segurança”, afirma ela. As cantoras Céu e Nath Rodrigues e os grupos Lamparina e Samba das Pretas estão entre as atrações que ainda vão se apresentar por lá.
Impactos e perspectivas Apesar dos bons ventos que sopram com o avanço da vacinação e a redução dos índices relativos à pandemia, o que se tem pela frente, segundo agentes do setor cultural, é um longo caminho de recuperação, porque o impacto das restrições foi muito grande.
Bell Magalhães diz que a produtora A Macaco estava em plena ascensão e tinha conseguido, em 2019, realizar a maior edição do Festival Sarará até então, reunindo 40 mil pessoas na Esplanada do Mineirão. “A pandemia pegou a gente de surpresa. Nesse período, tivemos pouquíssimos auxílios, alguns editais que deram um pequeno suporte, mas não o suficiente para manter uma empresa com 10 funcionários trabalhando por um ano e oito meses sem poder produzir”, afirma.
“A gente teve que fazer mágica mesmo. Vivemos tempos sombrios e, obviamente, a gente deu uma ré no nosso percurso, então vai demorar um pouco para que a gente volte ao normal, consiga equalizar as contas.”
A produtora, no entanto, confia numa rápida recuperação. “Acho que essa retomada é muito positiva, porque as pessoas estão carentes de viver. O que nos cabe é ficar com um olho no peixe e outro no gato, pensar positivamente, tentando atender aos anseios do público, projetando a edição 2022 do Festival Sarará, mas com atenção aos desdobramentos da pandemia”
Ela observa que “o público do festival é muito engajado, muito politizado e muito consciente. As pessoas se sentiram seguras no primeiro fim de semana do Quintal Sarará, e isso nos dá boas perspectivas. E é muito bom ver as pessoas se encontrando de novo”.
A programação do festival foi divulgada depois que o índice de vacinação chegou a 60% da população. “Caso não seja possível realizar em 2022 como foi em 2019, um evento para milhares de pessoas, a gente toma as medidas cabíveis no momento. Mas a gente acredita que será possível fazer uma edição como nos velhos tempos”, diz Bell.
ESTUDO No âmbito do poder público, a secretária municipal de Cultura e presidenta interina da Fundação Municipal de Cultura, Fabíola Moulin, diz que será necessário um estudo mais aprofundado para se ter a real dimensão dos efeitos da paralisação do setor cultural.
No que diz respeito ao mapeamento dos impactos da pandemia para a classe artística da cidade, ela destaca que teve início nessa terça-feira (21/09) uma pesquisa on-line que busca identificar os reflexos da pandemia na atuação de agentes, grupos e espaços culturais do município.
A pesquisa é promovida com o apoio da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integra a 6ª Conferência Municipal de Cultura de Belo Horizonte. “É uma diretriz para as políticas públicas. É importante que a gente tenha esse desenho. Sabemos que o impacto é grande, o setor foi o primeiro a fechar e demorou muito para reabrir, aliás, muitas atividades ainda não foram retomadas plenamente. O setor contou com apoios de diversas formas, o que a gente pôde dar nesse período. É importante ter o levantamento desses dados”, aponta.
TENDÊNCIA A presidente da Fundação Clóvis Salgado, Eliane Parreiras, avalia que só se verá um volume de público significativo, suficiente para começar a sanar as contas, em 2022, mas ela se compraz com o fato de que a agenda cultural da cidade já está em movimento.
“A tendência de ampliação da programação e da capacidade de público nos espaços do Palácio das Artes já é uma realidade. Ter um cenário de recuperação, acredito que só a partir do ano que vem, mas o que quero dizer é que voltamos. Estou otimista, acho que é um caminho de ascensão, de volta de um público sedento por produções, com as empresas voltando a patrocinar, com as pessoas reencontrando os produtos culturais de maneira responsável”, diz.