Paulo Ricardo, que completou 59 anos na última quinta-feira (23/09), diz estar se sentindo como um garoto que está começando a carreira. Uma das razões é a investida, inédita em sua trajetória, no formato voz e violão. Com seu instrumento em punho e acompanhado apenas pelo músico Ícaro Scagliussi, ele fez, entre meados de agosto e o início deste mês, dois shows – em Manaus e Ribeirão Preto –, que, conforme aponta, serviram como ensaio para a turnê “Voz e violão”, que oficialmente tem início com a apresentação neste sábado (25/09), em Belo Horizonte, no Grande Teatro do Palácio das Artes.
O ex-baixista e vocalista do RPM, banda que fez sucesso estrondoso nos anos 1980 com músicas como “Louras geladas” e “Olhar 43”, diz que, por um lado, sente a palpitação de um neófito, mas, por outro, se alegra por desbravar novos caminhos. “Essa vai ser a primeira vez na vida em que me apresento em um teatro no formato voz e violão. Em Manaus e Ribeirão Preto, foram shows menores, em casas noturnas, para lapidar esse repertório, então, agora, a responsabilidade é maior”, diz.
O repertório, ele aponta, inclui desde os hits do RPM até composições mais recentes, registradas em seus álbuns lançados em carreira solo, além de uma homenagem a “um grande artista mineiro”, cujo nome prefere manter em sigilo. Paulo Ricardo destaca que sua aproximação mais engajada com o violão tem lhe aberto possibilidades. Antes, ele recorria ao instrumento apenas em alguns números durante os shows – o recorde, ele diz, foi na turnê de lançamento de seu álbum “Acoustic live”, de 2005, quando tocou “umas cinco ou seis músicas” ao violão.
“Sempre tive pé atrás com esse formato, porque, vindo do rock, o tipo de coisa que faço não é para voz e violão, mas a pandemia deixou a gente sem escolha, e descobri maneiras muito ricas de revisitar meu repertório nesse formato, remetendo ao blues, ao folk, e trazendo nova vida para essas músicas”, destaca.
“Sempre fui baixista, e o baixo precisa da bateria, então estou em casa quando toco com banda, a memória muscular faz com que os dedos já saibam o caminho no braço do instrumento. No violão não, eu tenho que esquecer tudo, esquecer dos arranjos originais, até para não ficar preso a qualquer indução rítmica ou de qualquer elemento que não esteja ali. A ideia de banda é substituída por uma outra viagem musical, então tenho que estar mais atento”, diz o músico.
OUTROS PROJETOS
A turnê “Voz e violão” dá seus primeiros passos ao mesmo tempo em que um álbum neste formato está prestes a chegar ao mercado, com previsão de lançamento para o final de outubro. O fôlego de garoto em começo de carreira de que Paulo Ricardo fala se relaciona não só com a experiência desbravadora com o violão, mas também com os muitos projetos com que está às voltas neste momento de relaxamento das medidas restritivas de combate à pandemia.Além do disco “Voz e violão”, ele prepara um álbum de inéditas para o próximo ano e quer lançar, em breve, um volume 2 de seu “Acoustic live”, trabalho cantado em inglês, com o qual prestou reverência a artistas e bandas que o influenciaram. “Está acontecendo um engarrafamento de projetos, já que não pudemos fazer nada no ano passado por causa da pandemia. Já tínhamos, em 2020, desenhado um segundo ‘Acoustic live’, com outros clássicos do pop rock internacional, então a qualquer momento estaremos com esse volume 2 e mais um show na estrada. A pandemia deixou a gente com acúmulo de tesão, de vontade de fazer as coisas, de botar o bloco na rua”, diz.
Quando fala em “mais um show”, a soma é não apenas com o “Voz e violão”, mas também com “Rádio pirata ao vivo – 35 anos”, espetáculo que ele levou ao palco da casa de shows Audio, em São Paulo, no início deste mês, e com o qual também quer rodar o país. Como o próprio nome entrega, “Rádio pirata ao vivo – 35 anos” celebra a efeméride em torno da bombástica turnê que gerou o segundo álbum do RPM, lançado em 1986. Paulo Ricardo explica que essa é outra iniciativa que ficou represada em função da pandemia.
“Essa turnê de 35 anos também já estava toda planejada para o ano passado. A quarentena foi decretada na semana em que a gente ia fazer Rio de Janeiro e São Paulo, depois de ter estreado em Curitiba. Estamos retomando agora e sei que existe uma expectativa grande por parte do público. ‘Rádio pirata ao vivo’ foi um show icônico que fizemos no Brasil inteiro, com apresentações em estádios lotados, sob direção do Ney Matogrosso. Foi um espetáculo que trouxe grandes inovações, como o uso de raio laser no projeto cenográfico”, recorda.
PARALELOS
Se um show a partir do “Acoustic live 2” ainda está por vir, Paulo Ricardo considera que as turnês “Voz e violão” e “Rádio pirata ao vivo – 35 anos” já estão caminhando juntas, paralelamente. Ele diz que a primeira tem vocação para teatros e espaços mais intimistas, ao passo que a segunda pede shows grandes, em locais abertos, para o público dançar. “São coisas que podem correr em paralelo, até porque a gente tem a flexibilidade de fazer o ‘Voz e violão’ no meio da semana e o ‘Rádio pirata’ nos fins de semana, mais com clima de festa”, aponta.Fazendo a comparação entre um e outro formato, ele diz que, por um lado, há o conforto e a descontração de pisar em um terreno conhecido e, por outro, o caráter desafiador e ao mesmo tempo prazeroso de se explorarem novos horizontes. “A gente sempre gosta mais do que é novo, então estou feliz em tocar violão, redescobrindo minhas músicas com esse instrumento. O show ‘Rádio pirata’ é aquela comidinha caseira, o ‘Voz e violão’ é como sair para um restaurante sofisticado, é mais gourmet”, define.
Ele reitera que o violão tem lhe proporcionado muitas descobertas e que isso o tem feito crescer como músico. “É surpreendente como o violão ocupa todas as frequências. Nos primeiros ensaios desse projeto, colocava um pandeiro, tentava agregar outros elementos, mas depois vi que não precisa, o próprio violão já dá a marcação. Esse espetáculo exige mais de mim como músico, como intérprete e até como compositor. Tocar mais e melhor o violão me abre muitas possibilidades”, ressalta.
Apesar do formato diminuto, a apresentação que ocupa o Grande Teatro do Palácio das Artes hoje não é calma ou plácida. Paulo Ricardo enfatiza que é um show de rock e que sua performance com o violão está mais para Elvis Presley do que para João Gilberto. “É um show de rock, que passeia pelo folk e pelo blues. Tem uns momentos mais tranquilos, quando eu e Ícaro tocamos sentados, como na música ‘A cruz e a espada’, que gravei com o Renato Russo, muito delicada. Mas é uma apresentação que começa e termina com a gente em pé, chutando o balde ou, no caso, o banquinho”, salienta.
DISPUTA JUDICIAL
Em março deste ano, o nome de Paulo Ricardo esteve no meio de um imbróglio envolvendo o uso do nome RPM e o direito de cantar as músicas que foram gravadas pelo grupo. A juíza Elaine Faria Evaristo, da 20ª Vara Cível de São Paulo, expediu sentença pela qual o cantor não pode mais explorar individual ou comercialmente as músicas do RPM. A ação foi movida em 2017 por seus ex-companheiros de banda, Luiz Schiavon, Fernando Deluqui e Paulo Pagni, que morreu em 2019.Paulo Ricardo diz que houve uma má interpretação generalizada – dos magistrados envolvidos no caso, da imprensa e do público. “Estamos vivendo no império das fake news. Até você provar que focinho de porco não é tomada demora. Vários veículos estamparam essa manchete, ‘Paulo Ricardo proibido de cantar as músicas do RPM’. Ninguém é proibido de cantar nada, isso não existe. Imagina se alguém vai poder impedir a mim, que sou o compositor, de cantar minhas músicas. O RPM é uma marca fantasia, RPM não compõe nada, quem compunha eram pessoas físicas, no caso, eu, muitas vezes em parceria com o Schiavon. É um absurdo dizer que eu não posso mais cantar minhas músicas”, desabafa.
“O que acontece é que, por um acordo que assinamos, todos precisam pedir autorização aos compositores para regravar uma música do RPM. Eu, para gravar minhas próprias músicas, tendo um ex-RPM como parceiro na composição delas, preciso da autorização dele, e nisso ele pode me atrapalhar, é verdade”, completa. Ele lamenta que os ex-companheiros de banda tenham entrado com a ação, que chama de “estapafúrdia”, ao final de uma turnê realizada em 2017 que marcava o reencontro do grupo para promover o quarto álbum de estúdio, “Elektra”, lançado em 2011.
“Ao final da turnê, eles não queriam parar, não queriam mudar, queriam continuar fazendo a mesma coisa, e eu não, já estava pensando no meu trabalho solo. Eu não tenho interesse na marca RPM. A Justiça não entende as especificidades de determinadas profissões, Justiça do Trabalho lidando com artista não dá, a gente não tem funcionário, a gente trabalha para o evento. O que eles fizeram foi tentar confundir o negócio da marca RPM com direito autoral. Aparentemente, a juíza caiu nessa confusão”, diz.
“O chato é que eles entraram na Justiça direto, não me ligaram, então não consigo nem chegar neles, o advogado blinda. É uma coisa chata, desnecessária. Era só ter ligado, ‘Paulo, vamos ver aqui o que fazer para continuar sem você’. O RPM foi uma banda de sucesso, com canções do sucesso, que eu considero que são do público, então esse imbróglio é uma coisa lamentável para quem era fã da banda. Mas as canções estão aí, vão permanecer, e eu continuarei cantando com muito prazer o que eu compus”, afirma.
Show “Paulo Ricardo – Voz e violão”
Neste sábado (25/09), às 21h, no Grande Teatro do Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537). Ingressos a partir de R$ 90 na bilheteria do teatro ou pelo site www.eventim.com.br. Capacidade reduzida e distanciamento entre cadeiras. Uso obrigatório de máscara. Informações: (31) 3347-7895.