Um ano e meio de pandemia e o setor cultural de Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte, resiste aos desafios impostos pela COVID-19 para tentar sobreviver. Com as medidas sanitárias, restrição de público e isolamento social para conter o avanço do vírus, o setor, que vive da aglomeração, sofreu um grande impacto financeiro.
De acordo com a Secretaria Municipal de Esporte e Cultura, é muito difícil mensurar numericamente quantos espaços culturais deixaram de existir. Muitas pessoas não conseguiram manter seus empreendimentos, por falta de recursos para despesas básicas, como água e luz, por exemplo .
De acordo com a Secretaria Municipal de Esporte e Cultura, é muito difícil mensurar numericamente quantos espaços culturais deixaram de existir. Muitas pessoas não conseguiram manter seus empreendimentos, por falta de recursos para despesas básicas, como água e luz, por exemplo .
A secretaria explica que neste período pandêmico, apenas por meio da LAB, que é uma lei federal, foi destinado para o município R$ 2.151.409,66, dos quais, aproximadamente, 80% desse recurso foi empregado em 2020 e o restante poderá ser aplicado em 2021.
“Essa implementação foi uma construção popular, que contou com a participação da sociedade civil e do Conselho de políticas culturais”, acrescenta.
Ainda segundo a secretaria, com o relaxamento das medidas sanitárias, o município que está na onda verde e o setor como um todo, vêem uma luz no fim do túnel, com a reabertura de casas de espetáculos e outros espaços destinados à cultura.
Desafios e apoio ao setor
Raquel Miranda, fundadora do Coletivo La Noche é Cênica, afirma que a pandemia trouxe um impacto direto nas ações culturais que eram realizadas de forma presencial, interrompendo suas atividades e diminuindo a renda de artistas, produtores, gestores e espaços.
Além disso, segundo a fundadora do coletivo, esse momento pandêmico pode ter, de alguma forma, dificultado a mobilização e atuação dos conselhos de Política e Patrimônio Cultural, de forma a interromper os trâmites a respeito da publicação de mais um edital do Fundo de Preservação do Patrimônio Cultural.
“Por outro lado, a colocação em prática da Lei Aldir Blanc atenuou os impactos da pandemia sob o setor, além de ter fomentado uma redistribuição de recursos dentro do município. Ou seja, iniciativas não tão maduras tiveram a oportunidade de acessar recursos nunca antes alcançados, para ampliar e fortalecer as atividades”, complementa.
O coletivo nasceu em 2016, a partir da junção de dois grupos de artes cênicas: Soma Grupo de dança e os integrantes da peça teatral - A História da Cidade Onde a Mata Virou Rio e Névoa Virou Santa, dirigida pela Tríade Cia de Teatro.
Segundo Miranda, o setor cultural de Ribeirão das Neves é diverso e potente em suas vertentes artísticas. Porém, não são valorizados, faltam políticas públicas que contemplem os fazedores de cultura.
"Até então, foram abertos apenas dois editais do Fundo de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão das Neves, um em 2015 e outro em 2019. A distribuição de recursos através desse fundo com regularidade é de extrema importância para fomentar as ações culturais no município”, explica a fundadora do coletivo.
Miranda esclarece que, antes da pandemia, promover a cultura em Neves já esbarrava em várias dificuldades, como formar públicos, ter acesso a recursos para a realização dos eventos, patrocínios e até mesmo o transporte dentro do município, que dificulta o acesso das pessoas às ações culturais. Dentre várias outras questões.
"O custo financeiro para o consumo de uma cultura centralizada é muito alto. Ribeirão das Neves é uma cidade fragmentada, com bairros e regiões distantes. Então conseguir fomentar nesse cenário sem apoio do poder público é extremamente desafiante. Mas quando conseguimos, se torna um alento”, destaca.
De acordo com ela, em contexto pandêmico, houve a distribuição de recursos da LAB, o que ajudou muitos produtores e gestores culturais, espaços, artistas e grupos a conseguirem dar seguimento às atividades.
“A pandemia começou em março (de 2020). Após alguns meses, procuramos alguma maneira de continuar com as atividades do coletivo. Nesse sentido, realizamos uma edição virtual do 'Conexões Fragmentadas', utilizando muito nossas redes sociais", comenta Miranda.
Ela conta que quando soube da possibilidade de recursos através da LAB, o coletivo se reuniu para pensar em projetos que poderiam concorrer tanto no âmbito municipal quanto estadual da lei.
"Ainda este ano vamos realizar um projeto que foi contemplado no edital do Fundo Estadual (FEC) em 2019. Além disso, o próximo passo é planejarmos e traçarmos metas para os próximos anos, possivelmente, explorando mais o eixo de formativo", conclui Miranda.
Adaptações - uma nova realidade
Marcos Brey, músico independente há 20 anos na cidade, diz que o impacto da pandemia foi enorme, sendo o maior problema que a cultura do município já enfrentou.
“Precisei reagir com muito trabalho e coragem, porque foi desesperador ver tudo desmoronando. Inicialmente fiquei muito assustado, com medo e tenso. Porém o jeito era enfrentar esse momento com trabalho duro, pensando sempre em adaptações para atravessar essa fase”, comenta o músico.
Marcos Brey explica que, como artista independente, sempre pensou em alternativas para gerar receita. Mas quando tudo fechou, ele viu que precisava pensar e fazer mais para conseguir sobreviver não somente como artista, mas como pessoa.
“Não consegui me adaptar a essa nova realidade rapidamente. Na verdade, ainda estou me adaptando. Mas algumas ideias me ajudaram a concluir projetos e iniciar outros, me deixando ativo na carreira e também gerando renda. Por exemplo, estabeleci parcerias, intensifiquei as elaborações de projetos para captar recursos, explorei outros campos da minha atuação profissional dentro da cultura, e criei um selo musical para distribuição digital de música independente e periférica, o Semifusa Ecos, que é um braço do Instituto Cultural Semifusa”, pontua.
O músico conta que apesar da pandemia, entende que o setor cultural de Neves avançou, pois houve uma mobilização dos artistas e da sociedade civil para pensar em soluções, ajudar uns aos outros, e criar um diálogo com o poder público, algo que não existia.
“A Lei Aldir Blanc foi um grande mote para que essas transformações acontecessem. Além disso, houve um processo de informação e conhecimento enorme, um grande aprendizado de forma coletiva”, explica o músico.
O profissional conta que no ano passado executou o projeto 'Coração Negro', que foi financiado com recursos do Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão das Neves. E também, teve o álbum 'Luzir', que foi viabilizado por meio da LAB estadual.
O álbum 'Luzir' foi lançado em cinco meses, no meio da pandemia. E ele diz que foi seu maior desafio profissional até o momento, pois houve a preocupação de não promover a contaminação das pessoas que estavam envolvidas no projeto.
“A maior mudança foi fazer encontros com menos pessoas da banda. Gravamos o ensaio para que os outros músicos pudessem estudar e criar seus arranjos. As faixas de teclado, por exemplo, foram todas gravadas em casa e enviadas para o produtor mixá-las. Os vocais de apoio e a percussão nunca estiveram em um ensaio. Estudaram em casa e gravaram no estúdio separadamente. Foi preciso também interromper os trabalhos durante a onda roxa, o que gerou um certo atraso. Mas foi necessário”, relata Marcos Brey.
Segundo o músico, o plano agora é divulgar o disco. A música de trabalho é 'Flor', e o clipe, que é o mais acessado no canal do YouTube do artista.
“Quero continuar divulgando esse trabalho para as pessoas. Já estou fazendo pequenas apresentações em algumas cidades da Região Metropolitana de BH, através do projeto 'Noite de Cinema'. E ainda pretendo fazer um show de lançamento no formato presencial. Esse é o meu grande desejo. Mas vou esperar um pouco mais, para garantir a total segurança dos profissionais envolvidos e dos meus fãs”, conclui o músico.