O cineasta Sérgio Rezende é conhecido pelas grandes produções focadas em personagens e momentos da história do Brasil, como “Lamarca” (1994), “Guerra de Canudos” (1996), “Zuzu Angel” (2006) ou “O paciente – O caso Tancredo Neves” (2018). Nesse sentido, seu novo filme, “O jardim secreto de Mariana”, que estreia nesta quinta-feira (30/9), em Belo Horizonte (UNA Cine Belas Artes, 18h30), surge como um ponto fora da curva.
Trata-se, segundo o próprio diretor, de um drama sobre relacionamentos, maternidade e amor, nascido de seu desejo de fazer um longa sobre jardins, com enfoque na natureza. Não por acaso, a obra foi parcialmente filmada no Instituto Inhotim, em Brumadinho.
O enredo acompanha a história do economista e produtor de orgânicos João, vivido pelo ator Gustavo Vaz, e da bióloga Mariana, interpretada por Andréia Horta – um casal apaixonado, que vive em um refúgio bucólico e sonha em ter filhos.
A relação é interrompida de maneira intempestiva, eles passam cinco anos sem se ver e, ao cabo desse período, João vai ao encontro de Mariana em busca de redenção. O amor, que ainda existe entre os dois, é então posto em xeque. O elenco traz ainda Paulo Gorgulho, como pai de João, e Denise Weinberg como a mãe de Mariana.
Em entrevista coletiva virtual realizada na última terça-feira (28/9), Rezende explicou que o embrião desse projeto, que remonta ao início da década passada, foi o híbrido de documentário e ficção “O cinema é meu jardim” (2004). “Minha mãe foi uma grande jardineira e, a partir desse projeto de 2004, tive a ideia de fazer um filme sobre jardim e sobre cinema. Em 2011, escrevi o primeiro tratamento desse filme, ‘O jardim secreto de Mariana’, que originalmente ia se passar fora do Brasil”, conta.
Ele explica que, na época, não conseguiu levantar os recursos, porque era uma produção cara, que demandava viagens internacionais. O projeto foi para a gaveta, até que, anos depois, a produtora Erica Iootty, encantada com o roteiro, escrito por Sérgio em parceria com sua filha, a poeta Maria Rezende, o ressuscitou e resolveu levar adiante a empreitada de realizar o longa.
OLHAR FEMININO
“Adaptei o roteiro para o Brasil, mas dramaturgicamente é a mesma história. Já em 2019, Maria entrou para colaborar com o roteiro, com esse olhar feminino sobre as relações, falando da coisa da maternidade. Foi uma coisa que enriqueceu muito o processo. Foi uma gestação de 10 anos, mas as filmagens mesmo aconteceram em três semanas, em Inhotim e em Friburgo (RJ)”, conta o cineasta.Ele destaca que “O jardim secreto de Mariana” é um filme simples, realizado de maneira orgânica e espontânea, com o ritmo dramático dado pelos protagonistas. “A intuição tomou a frente. Tem, por exemplo, muitas cenas com chuva, e uma grande parte delas não estava prevista no roteiro. Ficou bacana para o filme, já que ele está muito em torno da natureza. Enriqueceu muito a narrativa.”
Na entrevista coletiva, Andréia Horta corroborou a fala de Rezende sobre o processo fluido de feitura do longa. “Quando me convidou para atuar e me apresentou o filme, fiquei muito intrigada, por ser uma obra tão delicada, uma história de amor. O Sérgio sabe muito o que ele quer, mas conversamos muito – eu, ele e o Gustavo. A gente cortou, escreveu, acrescentou, desdobrou. Sérgio diz que foi um filme feito de um jeito muito simples e foi mesmo, tudo muito tranquilo de se resolver. Acho que tem a ver com esse convite para o encontro com a natureza. Foi uma experiência leve e rica, embora falando de amor, que nem sempre é leve, mas sempre é rico”, diz.
Maria Rezende também tem essa visão sobre o processo. “Mexemos nessa versão nova, passada no Brasil, e agreguei com esse olhar da maternidade. Quando os atores entraram, vieram novas camadas dos personagens, eles trouxeram muitas coisas bonitas. Quando a gente chegou na ilha de edição, a montagem foi um sopro, porque o filme estava pronto já, ele fluiu. Ficou tanto tempo para acontecer que, quando aconteceu, foi muito fluido”, destaca.
Ter Inhotim e Brumadinho como locações guarda, segundo o diretor, um significado importante para a obra, especialmente porque as filmagens ocorreram poucos meses depois do rompimento da barragem da Vale, uma das maiores tragédias da história recente do Brasil. Ele ressalta o contraste entre o Instituto de Arte Contemporânea, com seus jardins exuberantes, e a cidade em que está instalado, um “lugar sufocante, com poeira, minério de ferro, trem passando” – uma oposição que também está dentro do filme, perpassa os sentimentos dos personagens.
“Foi uma experiência tão forte para mim que comecei, durante as filmagens, a bolar um outro filme, que se chama ‘O rompimento’ e se passa na semana da tragédia em Brumadinho. É um filme que acompanha o drama de uma mulher”, diz, acrescentando que a imagem da lama irrompendo dentro de uma casa ficou em sua cabeça desde então.
Rezende considera que Brumadinho traz as cicatrizes tanto do rompimento da barragem quanto da mineração, e que “O jardim secreto de Mariana” é, também, um filme sobre cicatrizes. A produtora Erica Iootty destaca o significado das filmagens em Brumadinho. “Inhotim tem essa conexão da arte com a natureza, do belo com o humano. E Brumadinho ainda sofre as consequências da tragédia que viveu. Nós queríamos mostrar que a cidade existe e resiste”, afirma.
“O jardim secreto de Mariana”
• (Brasil, 2021, 85min). De Sérgio Rezende, com Andreia Horta e Gustavo Vaz. No UNA Cine Belas Artes 3, às 18h30