Como foi o seu primeiro amor? Platônico ou não, feliz ou de triste lembrança, com 12, 15, 20 anos todo mundo teve um. É sobre primeiros amores, mas principalmente sobre a memória, a obra da artista belo-horizontina Rivane Neuenschwander exposta em 22 painéis de LED de Belo Horizonte e arredores. Até 31 deste mês, mais de 400 retratos de homens e mulheres serão apresentados ao público – são 15 por dia.
Projeto de Inhotim nascido durante a pandemia para levar o acervo do instituto de Brumadinho para outros meios, “15 segundos” (uma referência ao tempo em que cada obra é exibida no painel), permite várias leituras. Quem estiver na rua e olhar as imagens digitais feitas de lápis no papel pode se perguntar que pessoas são aquelas. Não sabemos, é gente do mundo todo que está ali – e isso é o que menos importa.
São várias camadas de interpretação. O trabalho nasceu em 2005, quando Rivane ainda vivia em Belo Horizonte. A artista está radicada em São Paulo há cinco anos. Grosso modo, o trabalho funciona da seguinte maneira: em um museu, um desenhista forense (o policial que faz retratos falados), faz o desenho do primeiro amor que a pessoa lhe descreve.
Ao longo do tempo, “Primeiro amor” passou por várias instituições – New Museum (Nova York), Kadist Art Foundation (Paris), Irish Museum of Modern Art (Irlanda), Cheekwood Botanical Garden & Museum of Art (Nashville), Museu de Arte Moderna de São Paulo (São Paulo) e Villa Medicis (Roma).
Atualmente, está em cartaz no Centro Pompidou-Metz, na cidade de mesmo nome, no Norte da França. A cada nova exibição, o corpo de desenhos feitos é enviado para Inhotim, que detém essa obra de Rivane. São esses trabalhos que estão exibidos pela cidade e no Instagram da instituição.
“Esse trabalho vem na esteira de uma obra que fiz no Palais de Tokyo, em Paris, em que pedia para as pessoas desenharem a Torre Eiffel de memória. A memória afetiva voltou em vários trabalhos meus de diferentes maneiras”, conta Rivane. Com “Primeiro amor”, ela queria trabalhar a memória afetiva misturada com a questão policial forense. “São pessoas acostumadas a fazer retratos de pessoas que sofreram violência física e emocional e, na época, eu me interessava pelo tema.”
POLICIAL
Mas já que a questão era o primeiro amor, a artista queria entender como um policial poderia traduzir isso. “Era a memória em palavra (o público) e a palavra em desenho (o desenhista forense)”, descreve Rivane. Nesse processo, ela descobriu especificidades.“A formação do policial forense varia de lugar para lugar. Em Nova York, por exemplo, havia um livro do FBI em que eles compunham olhos com nariz e boca para chegar no retrato. Em Belo Horizonte (ela começou o trabalho aqui, em seu ateliê, com amigos), o profissional não tinha nada, trabalhava só mesmo com a conversa.”
Em sessões de 40 minutos a uma hora, os policiais, em cada uma das cidades onde a obra foi apresentada, tentavam puxar da memória do público as imagens. Segundo Rivane, o mais difícil no processo foi encontrar profissionais para fazer os desenhos. “É sempre uma dificuldade, pois hoje é uma coisa em extinção, já que é tudo computadorizado.”
A obra está sempre crescendo, pois, ao marcar sua sessão na instituição em que está sendo apresentado, a pessoa que for participar do “Primeiro amor” tem que conceder a doação do desenho original – uma cópia digital é enviada para cada participante.
Para a versão do projeto “15 segundos”, o trabalho de Rivane ganha nova leitura. “É uma tentativa de ampliar a experiência, colocar o trabalho para ser ressignificado, já que ele existe sem necessariamente ter a performance. Na pandemia, há tanto excesso virtual quanto de perdas. Imaginei que o trabalho teria algum impacto na cidade, pois ao ver as imagens as pessoas entendem que são retratos falados. Acho que ele pode causar estranheza, um pequeno ruído. Trata também da questão memorial, pois as 600 mil pessoas (que morreram em decorrência da COVID-19) têm nome, endereço, família, toda uma história atrás”, comenta.
Novos territórios O projeto “15 segundos” nasceu há um ano. Fruto da pandemia, a iniciativa foi concebida como uma forma de Inhotim ir até o público no momento em que o público não podia ir até Brumadinho. A primeira edição exibiu, em painéis de LED em Belo Horizonte e no Instagram do instituto, trabalhos de Marilá Dardot, na série “Primeira página”, com frases tiradas das páginas dos jornais.
“É um projeto muito ligado à própria maneira de se pensar Inhotim”, afirma o curador Douglas de Freitas. Neste ano e no próximo, as iniciativas do instituto estarão trabalhando no programa Território Específico, levando o debate entre a função da arte e da botânica tanto nos níveis local quanto no global.
“Hoje, não é só pensar Brumadinho, Minas Gerais. A internet é também uma maneira possível de se discutir o território”, acrescenta Freitas, lembrando, contudo, que Inhotim, por suas especificidades, exige do público uma visitação presencial.
“Todos os museus enfrentaram desafios durante a pandemia. Mas Inhotim, por sua convergência entre botânica e arte, pressupõe uma experiência forte. Então, uma das dificuldades foi como expandi-lo para fora do próprio território sem tentar reproduzir a visita, já que não é possível”, afirma. Outro artista que integra o acervo do instituto participará do “15 segundos” neste ano, mas o nome ainda não foi anunciado.
GALERIA DA ARTISTA FOI RESTAURADA
Inaugurada em 2009, em Inhotim, a Galeria Rivane Neuenschwander é localizada na edificação mais antiga do instituto, em Brumadinho: uma casa de 1874, remanescente da antiga fazenda que havia no local. O espaço recebeu a obra “Continente/Nuvem” (2008-2009), que basicamente mostra bolinhas de isopor se movimentando sobre placas translúcidas no teto.
“A galeria é um bom exemplo de como o trabalho da Rivane tem um dado controlado, mas também incontrolável. Ela cria a estrutura: sob um teto de acrílico e bolinhas de isopor que se movimentam com um ventilador. Mas a configuração da obra está sempre mudando, dependendo da visitação”, comenta o curador, Douglas de Freitas.
A obra passou recentemente por um processo de restauração com a equipe de Inhotim. E este será o tema do sétimo episódio da série “Bastidores”, com lançamento no próximo dia 16, às 11h, nos canais digitais da instituição.
A CÉU ABERTO
Confira onde ver
• Av. Afonso Pena, 3.328, Praça Milton Campos (esquina com Av. Contorno)
• Av. Prudente de Morais, 697 (esquina com Rua Carlos Gomes)
• Rodovia MG-30, 1.346, Trevo do Seis Pistas
• Av. Cristiano Machado, 4.101 (em frente ao Minas Shopping)
• Av. Presidente Carlos Luz, 4.213 (ao lado da Usiminas, sentido Pampulha)
• Av. dos Andradas, 3.520, Santa Efigênia (próximo ao Boulevard Shopping)
• Av. Raja Gabáglia, 350 (próximo à Avenida do Contorno)
• Av. Presidente Carlos Luz, 1.205 (em frente ao Cemitério da Paz)
• Av. Antônio Carlos, 1.694 (próximo ao Hospital Belo Horizonte)
• Av. Raja Gabáglia, 4.453, Santa Lúcia
• Av. Senhora do Carmo, 899 (esquina com Av. Uruguai)
• Av. Mário Werneck, 2.601, Buritis (sentido Anel Rodoviário)
• Av. Getúlio Vargas, 506, Funcionários
• Alameda Oscar Niemeyer, 1.280, Vila da Serra
• Av. Contorno, 8.991, Gutierrez
• Rua Santa Catarina, 10, Centro
• Av. Álvares Cabral, 1.846, Lourdes
• Av. Raja Gabaglia, 1.062, Cidade Jardim
• Av. Alfredo Balena, 402, Santa Efigênia
• Rua dos Tupis, 143, Centro
• Av. Afonso Pena, 3.900 (em frente ao Tribunal de Justiça)
• Av. Princesa Diana, 360, Alphaville