"A exposição tem esse nome ('Prospectiva') porque a ideia que tenho é de olhar para a frente, então, mesmo apresentando coisas mais antigas, estou olhando para o futuro. É uma chance boa de ver essas coisas juntas, com uma panorâmica e sob essa perspectiva de viver o presente e propor, através do trabalho, do encontro com o público, novas possibilidades"
Carlos Vergara, artista plástico
O Museu Inimá de Paula inaugura nesta quarta-feira (6/10) a primeira exposição de um artista convidado, desde sua reabertura à visitação pública. Trata-se de “ Prospectiva ”, que reúne mais de 80 criações do gaúcho radicado no Rio de Janeiro, Carlos Vergara . Essa é a primeira vez que Vergara realiza um individual em Minas Gerais.
“A exposição tem esse nome porque a ideia que tenho é de olhar para a frente, então, mesmo apresentando coisas mais antigas, estou olhando para o futuro. É uma chance boa de ver essas coisas juntas, com uma panorâmica e sob essa perspectiva de viver o presente e propor, através do trabalho, do encontro com o público, novas possibilidades”, diz o artista, que em novembro completa 80 anos.
Entre as principais obras reunidas no Inimá de Paula está o maior conjunto de painéis de Vergara, de 5,40m x 5,40m cada, feitos a partir de monotipias no Cais do Valongo – antiga zona portuária do Rio de Janeiro, reconhecida pela Unesco por sua importância histórica, por ser o local onde cerca de 900 mil africanos escravizados chegaram à América do Sul – e nos trilhos do bonde do Santa Teresa, no Rio de Janeiro, onde mantém seu ateliê.
SÉRIES
“O museu precisou adaptar as paredes para comportar os quadros da série que dá nome à exposição”, conta a diretora do Inimá de Paula, Claudia Tunes. A mostra abarca outras três séries: “Sudário”, com monotipias colhidas por Vergara em sua viagem ao Sul da França, em 2019; “Natureza inventada”, com 10 esculturas em aço corten e duas pinturas; e “Empilhamento”, com a obra mais antiga do conjunto, de 1968, que consiste em uma grande coluna formada por bonecos de papel kraft e papel enrugado, empilhados como uma torre de babel.
“Sudário” foi uma obra que surgiu quando Vergara percorreu o caminho do sagrado feminino, que teria sido trilhado pelas três Marias – Maria Madalena, Maria Jacobina e Maria Salomé – e por Santa Sara, a escrava egípcia que se tornou padroeira dos ciganos, em fuga dos romanos, segundo conta o artista. “Não é um projeto cristão ou antropológico, esses lugares todos têm sinais do inefável, do sagrado. Não estou atrás de religião”, diz.
Cais do Valongo, Santa Teresa, Sul da França. Vergara assente que sua inspiração se relaciona diretamente com os lugares que visita. “Essa exposição mostra um pouco isso também. Tem obras que fiz no Sul da França, no Rio de Janeiro, no interior do Rio Grande do Sul, enfim, coisas que fiz por aí em minhas andanças. Sou um artista viajante.” Ele afirma que somente a intuição o guiou no momento de dividir a mostra nas quatro séries que a compõem.
"Vínhamos com alguma regularidade a Minas, eu e Krajcberg, e íamos muito a Itabirito e outras cidades do interior, onde ficávamos andando no meio do mato. Um dia, descobri Rio Acima. Fiz muita coisa por lá, na cerâmica Morgan, que tinha uma mina de óxido de ferro amarelo, que era calcinado nos fornos para fazer o vermelhão. Fiquei apaixonado por aquilo, por aquele pigmento que gerava uma fumaça de uma cor intensa que tomava conta de tudo"
Carlos Vergara, artista plástico
PIGMENTO
"Vínhamos com alguma regularidade a Minas, eu e Krajcberg, e íamos muito a Itabirito e outras cidades do interior, onde ficávamos andando no meio do mato. Um dia, descobri Rio Acima. Fiz muita coisa por lá, na cerâmica Morgan, que tinha uma mina de óxido de ferro amarelo, que era calcinado nos fornos para fazer o vermelhão. Fiquei apaixonado por aquilo, por aquele pigmento que gerava uma fumaça de uma cor intensa que tomava conta de tudo"
Carlos Vergara, artista plástico
Quando fala das viagens que já fez e que foram inspiradoras para seu trabalho, Vergara reserva um lugar especial para Minas Gerais, estado com o qual diz ter uma relação duradoura e profícua. Na década de 1970, acompanhando o amigo Frans Krajcberg (1921-2017), ele conheceu, na cidade de Rio Acima, em Minas Gerais, o pigmento que até hoje emprega em suas criações.
“Vínhamos com alguma regularidade a Minas, eu e Krajcberg, e íamos muito a Itabirito e outras cidades do interior, onde ficávamos andando no meio do mato. Um dia, descobri Rio Acima, fiquei muito amigo das pessoas de lá e, a partir daí, as visitas se tornaram mais frequentes. Fiz muita coisa por lá, na cerâmica Morgan, principalmente, que tinha uma mina de óxido de ferro amarelo, que era calcinado nos fornos para fazer o vermelhão. Fiquei apaixonado por aquilo, por aquele pigmento que gerava uma fumaça de uma cor intensa que tomava conta de tudo”, relata.
O uso desses pigmentos é o que leva Vergara a se dizer um discípulo direto de Mestre Ataíde, que ele considera ser o inventor da pintura brasileira. “O que percebi, nos meus estudos, é que isso que faço vem de uma linhagem inaugurada por Mestre Ataíde, que usou muito os pigmentos de Minas Gerais. Certa vez, fui a Congonhas, onde estavam restaurando algumas obras, e perguntei qual o pigmento que estavam usando. Tirando o azul, era tudo pigmento terroso do quadrilátero ferrífero de Minas. Se existe uma pintura que se pode chamar de genuinamente brasileira, foi Mestre Ataíde quem a inventou.”
GRANDIOSO
Claudia Tunes destaca que “Prospectiva” tem um caráter grandioso, já que reúne um conjunto vasto e representativo de um dos expoentes da figuração brasileira, que, conforme diz, emprega uma técnica única em suas criações. “O Vergara ocupou todos os andares do museu. Não é qualquer artista que faz isso. Estamos usando até um espaço que é permanentemente dedicado às obras do Inimá. Elas foram temporariamente tiradas de lá para que o trabalho do Vergara pudesse entrar. A última vez em que a gente fez isso foi em 2018, com a exposição do acervo do Santander. O museu está maravilhoso”, diz.
Ela destaca que o momento é de muito entusiasmo. “Ter essa exposição aqui com a possibilidade da presença do público é um grande passo. É muito importante para a cidade que se volte a trazer eventos culturais de porte, porque a população estava carente disso.”
A diretora considera que essa é uma reabertura “com chave de ouro” e informa que a agenda do museu está completa até o próximo ano. “Na pandemia, a gente fez muitas exposições virtuais, mas não tem o mesmo impacto. Está sendo uma grande alegria”, afirma.
Vergara é um dos principais representantes do movimento da Nova Figuração no Brasil. Em 1963, expôs na Bienal de São Paulo pela primeira vez. Dois anos depois, participou da mostra “Opinião 65”, considerada um marco na história da arte brasileira. Em 1969, foi convidado para a 10ª Bienal de São Paulo, conhecida como a Bienal do Boicote, devido à recusa de diversos artistas em participar como retaliação à aprovação ao Ato Institucional nº 5.
Vergara pintou premiados painéis em Paris, Nova York, Cidade do México, Madri, Genebra e Tóquio, entre outras. Em 1978, teve o livro “Carlos Vergara” editado pela Funarte, como parte da coleção “Arte brasileira contemporânea”. Ele também já levou sua arte para a Bienal de Veneza (1980), Lisboa e dezenas de outras cidades no Brasil e no mundo.
“Prospectiva”
Individual de Carlos Vergara. No Museu Inimá de Paula (Rua da Bahia, 1.201, Centro). A partir desta quarta-feira (6/10), até fevereiro de 2022. Às terças, quartas, sextas e sábados, das 10h às 18h30; às quintas, das 12h às 20h30; aos domingo, das 10h às 16h30. Gratuito.
TJMG exibe painel e quadros de Heleno Nunes
Autor dos painéis expostos no terminal rodoviário de Belo Horizonte e com trabalhos presentes também em locais como a Cidade Administrativa e o Hospital Mater Dei, o artista plástico Heleno Nunes tem um conjunto de obras aberto à visitação pública no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
O carro-chefe da mostra é o “Painel da Justiça”, que ele realizou para o Fórum Bárbara de Oliveira Miranda, em Lagoa da Prata, sua cidade natal, e que foi concluído poucos dias antes de vir para Belo Horizonte, na semana passada.
“Terminei esse painel no (último) dia 25 e no dia 28, com a autorização do juiz local, ele já foi levado para ser exibido no Tribunal de Justiça”, conta. O presidente do TJMG, desembargador Gilson Soares Lemes, pediu então que Nunes produzisse novas obras para incrementar a exposição, segundo Nunes, que pintou 20 quadros especialmente para essa mostra.
Não há uma temática que atravessa as obras expostas, mas que todas elas mantêm a característica marcante de seu trabalho, que é a representação de figuras humanas. “Tem gente que faz exposição de quadros de natureza-morta ou quadros de santo. Nunca trabalhei com essa ideia de temática. Pinto figuras humanas, que é o mais importante no meu trabalho, então tem um quadro que é uma representação de Cristo, tem outro que é um camponês e por aí vai.”
MOVIMENTO
Por conta dessas figuras, que normalmente aparecem com pés e mãos grandes, vistas sob ângulos inusitados, o trabalho de Nunes é, de forma recorrente, comparado ao de artistas como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti ou Portinari.
“Tem diferença porque os personagens deles são mais estáticos. Minhas figuras estão sempre em movimento e aparecem em ângulos diferentes”, ressalta, acrescentando que não se sente diretamente influenciado por esses expoentes das artes plásticas no Brasil.
“Quando era bem jovem e nem conhecia Tarsila, fui um dos desenhistas do suplemento ‘Gurilândia’, do jornal Estado de Minas, e, naquela época, meus personagens já tinham essas características – pé grande, mão grande.”
Assim que a exposição no TJMG for encerrada, no próximo dia 20, Nunes deve iniciar a pintura de um novo painel em uma parede com 30 metros de comprimento no TJMG.
Heleno Nunes
Exposição de painel e quadros, no hall do edifício-sede do TJMG (Av. Afonso Pena, 4.001, Serra). As visitas podem ser feitas de segunda a sexta, das 8h às 18h, até 20/10. Entrada franca.