O clarinetista Caetano Brasil está em busca de um Pixinguinha arejado e conectado com a contemporaneidade. É o próprio músico, indicado ao Grammy Latino no ano passado por seu álbum “Cartografias”, de 2019, quem diz que é com “respeito e ousadia” que resolveu abordar a obra do mestre no álbum “Pixinverso – Infinito Pixinguinha”.
A previsão de lançamento é para o próximo ano. As recriações para “Um a zero” e “Carinhoso”, que já vieram a público como singles e estão disponíveis nas principais plataformas, dão uma ideia das interseções que o trabalho propõe.
Mineiro de Juiz de Fora, onde mora, Caetano Brasil se iniciou no choro quando tinha 10 anos e, desde então, Pixinguinha faz parte de seu repertório, assim como Jacob do Bandolim. É com base nesse lastro que ele se permite experimentar sobre uma obra canônica, movido pelo desejo de estreitar laços entre o choro, o jazz contemporâneo e a world music.
TÍTULO
Essa intenção está expressa no título, conforme observa o instrumentista: “Pixinverso” compreende a ideia de “Universo Pixinguinha”, mas também traz a palavra “inverso”, no sentido de avesso, de algo “em sentido contrário ao de determinada direção ou ordem”, como defino o dicionário.
“A obra de Pixinguinha é muito generosa, já nasce maravilhosa e perfeita, mas permite a recriação, permite o olhar de quem relê, então entro nesse projeto colocando minhas referências e influências, o que eu percebo do meu espaço e do meu tempo, deste mundo caótico e cibernético. Isso também faz parte da minha música”, diz.
Caetano comenta que tem pensado muito na necessidade de uma reconexão com o “Brasil de verdade” e que esse caminho passa pela obra de Pixinguinha. O clarinetista considera que é uma música que atinge o ápice de um gênero genuinamente brasileiro, tendo um potencial de adesão ímpar. “É muito difícil não se conectar com ela. ‘Carinhoso’ o sujeito pode nem saber de quem é, mas ele já ouviu a melodia”, diz.
“Depois de viver muita coisa, pesquisar muito sobre a música do mundo, sobre o jazz, acho que é o momento oportuno para conectar esse Brasil de verdade, ainda mais nesse atual cenário de escuridão e desesperança, atravessado por tantas coisas. Essa recriação é até paradoxal, porque é um encontro que está mais no sentido da presença do que da nostalgia. Pixinguinha é, Pixinguinha está”, destaca o músico.
As gravações finais do álbum serão realizadas por Caetano no fim deste mês, com seu quarteto. Em novembro, quando mais um single será lançado, os convidados especiais entram em estúdio para dar sua contribuição. Neste rol constam o multi-instrumentista carioca Pedro Pais e conterrâneos de Caetano, como o quarteto de cordas Scherzo, o acordeonista Leandro Domith e a cantora Laura Conceição, que é ligada ao universo dos slams e do hip-hop.
VINIL
O repertório de “Pixinverso” é composto por 10 músicas e o álbum foi pensado como um vinil, com um “lado A” dedicado aos temas mais conhecidos e um “lado B” contendo os mais obscuros – como o single que sai em novembro, “Canção da odalisca”.
“No lado A são as músicas mais conhecidas do Pixinguinha, que têm um lugar muito sólido, e é onde minhas interferências, os diálogos que propus, ficam mais evidentes; e no lado B é onde tenho a chance de mostrar para o público coisas pouco conhecidas, inclusive uma música inédita chamada ‘Quebra-cabeça’, que não tem gravação oficial, só o registro em partitura”, comenta.
Caetano diz que, quando mergulha na música de Pixinguinha, leva consigo não apenas suas ideias e o amálgama de tudo o que aprendeu ao longo de sua trajetória, mas também proposições extraídas de várias outras fontes. Sua recriação de “Carinhoso”, que, conforme diz, “une o clássico ao caos e à inconstância do mundo contemporâneo”, é livremente inspirada na versão para piano solo de Radamés Gnattali, do concerto “Pixinguinha 70”.
“Minha música é muito misturada, gosto disso, de pegar nuances e ideias que às vezes vão para lugares completamente diversos entre si. Gosto do desafio de fazer tudo conversar. Quero traduzir nesse projeto pessoas, estilos e linguagens que são referências para mim”, diz. Além de Gnattali, muitos outros músicos estão indiretamente presentes nas versões que criou para as composições de Pixinguinha, conforme ele afirma.
“Piazzolla, Moacir Santos, Debussy, Ravel, todos estão presentes nesse projeto. Música é música, não tem limite. Se é bonito e me inspira, então me ajuda a criar essa história, e esse projeto é muito imagético, os arranjos revelam paisagens. Tenho assumido essa estética no meu trabalho. A gente tem muito em quem se inspirar, se apoiar.”
E a inspiração fundamental é Pixinguinha, que, para Caetano, é um divisor de águas na música mundial. “Ele é um símbolo que vai além da matéria, do homem Pixinguinha. Ele representa essa essência da brasilidade, que está ligada à nossa negritude. Enegrecer nossas referências é um trabalho urgente. A gente precisa se conectar com esse Brasil preto, que carrega nossa dor, mas também nossa alegria, nosso canto, nossa essência. Pixinguinha soube como ninguém transitar entre o terreiro de candomblé e a sala de concerto. Acho que não tem nada tão brasileiro quanto isso”, diz.
“Trazer Pixinguinha neste momento vai para muito além de uma urgência artística minha, sinto como uma necessidade, me apoderar desse discurso”, completa.