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Estado de Minas TEATRO

'Wilde.Re/Construído' faz última sessão como deveria ter sido a primeira

Montagem fecha hoje sua temporada 2021 no palco para o qual foi concebida, diante do público. Pandemia impediu estreia no formato presencial


07/10/2021 04:00 - atualizado 07/10/2021 07:56

Cena do espetáculo
Texto sobre a trajetória de Oscar Wilde foi premiado pelo edital Palco em Cena, do Cine Theatro Brasil Vallourec, onde ocorre a sessão de hoje (foto: IGOR CERQUEIRA/DIVULGAÇÃO)

O espetáculo “ Wilde.Re/Construído ” fecha, nesta quinta-feira (7/10), um ciclo que, de certa forma, reflete o período de pandemia a partir do início de 2021. Montada com recursos do Edital Palco em Cena, do Cine Theatro Brasil Vallourec , a peça, com texto e direção de Sergio Abritta, estava programada para estrear em janeiro deste ano. 

Até um mês antes, a produção tinha a expectativa de que pudesse ser apresentada no formato presencial . Como os índices epidemiológicos não permitiram, ela foi levada a público no formato on-line, diretamente do palco do Cine Theatro Brasil Vallourec, com uma estrutura que incluía, além dos atores, projeções de vídeo, um rico cenário e uma banda executando a trilha sonora original em cena.

Passado o tempo, com a flexibilização das medidas restritivas e a reabertura dos equipamentos culturais, “Wilde.Re/Construído” encontrou abrigo no Teatro João Ceschiatti, do Palácio das Artes, onde cumpriu uma temporada de quatro apresentações ao longo do mês passado, com o público presente. 

Agora, o espetáculo retorna, fechando sua agenda em 2021, ao Cine Theatro Brasil Vallourec, em única apresentação hoje, desta feita com a expectativa e a possibilidade de uma plateia cheia, dentro do limite de 50% da capacidade de público.

''Eu acho que a obra de Wilde nem precisa mais ser estudada, porque já foi revolvida e analisada à exaustão. Mas achei que era necessário, agora, trazê-lo à tona para focar justamente na vida dele, no lado humano. Ele tinha uma trajetória literária brilhante, que foi interrompida por uma condenação homofóbica respaldada nas leis da Inglaterra vitoriana, e isso se relaciona com uma intolerância que persiste até hoje na nossa sociedade''

Sérgio Abritta, dramaturgo e diretor


MAIS FRIA

“Estamos voltando ao palco onde estreamos, virtualmente, no início do ano, o que é muito bacana, porque é uma peça que certamente não teria sido feita sem o edital do Cine Theatro Brasil, em função de todos os problemas que a cultura, no geral, enfrenta neste momento”, diz Abritta. 

Ele compara os dois momentos em que a montagem ocupa o palco para o qual foi concebida e avalia que, no início do ano, havia o porém de a apresentação ser remota e, portanto, “mais fria”, e agora, ainda em razão dos cuidados contra a COVID-19, retorna com uma estrutura menor – a encenação de hoje não traz a banda no palco, por exemplo.

Assistente de direção e autor da trilha sonora original, Fernando Chagas, que integra a banda tocando violão, diz que as músicas foram todas gravadas, com produção de Marcelo Jiran, e que sua execução na apresentação de logo mais será mecânica, como foi na temporada do Teatro João Ceschiatti. 

“Por uma questão de logística e também porque ainda estamos às voltas com a pandemia, a gente optou por usar a trilha gravada nessas últimas apresentações do ano, que marcam o retorno presencial. Para 2022, a gente pretende voltar com a banda, porque dá um efeito muito legal”, diz Chagas.

''Quisemos fazer essa ponte entre a vida de Wilde e os dias atuais, do passado com o presente, para tentar entender por que isso persiste, por que a luta pela diversidade ainda é necessária e por que essa prática absurda da homofobia permanece. Ainda existem dezenas de países que criminalizam a homossexualidade. É inacreditável discutir, ainda hoje, o amor entre as pessoas''

Sérgio Abritta, dramaturgo e diretor


INTRÍNSECA

Sergio Abritta destaca o papel da trilha na montagem e, assim como Chagas, alimenta a esperança de que ela possa voltar a circular no próximo ano com seu formato original, com a banda no palco. “Em muitos espetáculos, a música apenas comenta a ação. No caso de ‘Wilde.Re/Construído’, como o Fernando também fez a assistência de direção, a música é intrínseca, não dá para separar. A gente quer voltar a fazer, no futuro, com a banda ao vivo. São músicas, às vezes com letra que, mais do que comentar, acrescentam elementos à história”, diz.

Ele afirma que a temporada do mês passado no Teatro João Ceschiatti – um espaço com capacidade menor, com 150 lugares, ao passo que o Cine Theatro Brasil tem mil lugares – serviu como termômetro para que a produção pudesse, finalmente, sentir a recepção do público, o que não é possível no formato on-line. 

Segundo Abritta, com a mediação da tela, mesmo quando a reação do público é calorosa, não é possível saber, justamente por se tratar de algo remoto, distante dos olhos e das impressões da equipe envolvida na montagem.

“Com essa temporada no Teatro João Ceschiatti, pudemos ver que a resposta do público foi muito bacana”, comenta, esperançoso de que, no próximo ano, o espetáculo possa chegar a outras plateias. 

“Espero que a trajetória dessa peça seja longa, porque não foi fácil fazer. Trabalhamos muito de maneira virtual, até o momento em que fomos para cena e, mesmo assim, com todo mundo de máscara, de forma que os atores mal viam o rosto uns dos outros, então foi muito difícil, mas acho que o resultado valeu.”

DRAMA HUMANO

O diretor explica que o espetáculo foca muito mais na figura de Oscar Wilde (1854-1900) do que na sua obra, porque ele acredita que as agruras que o célebre dramaturgo e escritor viveu em razão de sua orientação sexual ainda ecoam na sociedade atual. Essa foi, segundo Abritta, a motivação para escrever “Wilde.Re/Construído”.

“Eu acho que a obra de Wilde nem precisa mais ser estudada, porque já foi revolvida e analisada à exaustão. Mas achei que era necessário, agora, trazê-lo à tona para focar justamente na vida dele, no lado humano. Ele tinha uma trajetória literária brilhante, que foi interrompida por uma condenação homofóbica respaldada nas leis da Inglaterra vitoriana, e isso se relaciona com uma intolerância que persiste até hoje na nossa sociedade”, aponta.

Abritta acredita que, neste momento em que se observam processos de desconstrução de “heróis” que estão nos livros de história como praticantes de atos grandiosos e que, no entanto, perpetraram várias injustiças, Oscar Wilde chega na contramão, porque foi quem primeiro levantou, no Ocidente, a bandeira em favor da diversidade, contra os preconceitos – e nem sempre esse pioneirismo é lembrado ou devidamente valorizado.

PRISÃO

“Wilde podia ter fugido da Inglaterra, os amigos deram a ele todas as oportunidades para isso, e ele preferiu ficar, deu o corpo para ser imolado, digamos assim. Seria fácil ele ter ido para a França, onde suas montagens eram um sucesso, mas ele preferiu enfrentar o julgamento, porque achava um absurdo estar sendo acusado por sua homossexualidade. E aí, depois, acontece tudo o que nós sabemos, a prisão acaba sendo a causa da morte dele, porque sai do cativeiro, depois de dois anos submetido a trabalhos forçados, acabado, inclusive mentalmente, sem dinheiro e com a fama arruinada”, diz Abritta.

No texto e na encenação de “Wilde.Re/Construído”, o dramaturgo e diretor estabelece uma relação direta dos episódios vividos por seu personagem com os dias atuais. Para tanto, se vale de uma estrutura dramatúrgica em que três amigos do autor de “O retrato de Dorian Gray” contam pequenos fragmentos relativos aos 10 últimos anos de sua vida, o que abarca desde o apogeu de seu sucesso, passando pela prisão, até seu trágico fim em Paris, onde morreu na miséria e abandonado.

Ao mesmo tempo, a música, as projeções e alguns pequenos vídeos em que os atores aparecem falando do momento atual constroem um painel sobre a persistência do preconceito e da intolerância. Abritta revela que, em uma das projeções, aparece a imagem atual, registrada em um país indeterminado, de um homem sendo açoitado porque foi condenado por sua homossexualidade.

PONTE

“Quisemos fazer essa ponte entre a vida de Wilde e os dias atuais, do passado com o presente, para tentar entender por que isso persiste, por que a luta pela diversidade ainda é necessária e por que essa prática absurda da homofobia permanece. Fazemos essa ponte citando alguns acontecimentos, como a própria lei inglesa que o condenou e que só foi revogada no final do século 20. Ainda existem dezenas de países que criminalizam a homossexualidade. É inacreditável discutir, ainda hoje, o amor entre as pessoas”, diz.

Abritta destaca que “Wilde.Re/Construído” propõe um jogo de misturar épocas, o que está expresso tanto no figurino, que se insere num contexto de meados do século 20, quanto na música, que tangencia gêneros como o rock, o jazz e o blues, que, obviamente, não existiam na Inglaterra vitoriana. Compositor de todas as músicas do espetáculo, Fernando Chagas diz que procurou criar um arco temporal que a trilha sonora atravessa.

“A gente busca uma sonoridade capaz de dar conta dessa ponte que o espetáculo promove, pegando desde a tradição da música irlandesa – já que Wilde é irlandês –, passando pela música celta, a música da Galícia, e segue caminhando até passar por grupos de rock ingleses dos anos 1960 e 1970. Vamos fazendo essa mistura de épocas.”

Ele ressalta que o fato de ter atuado como assistente de direção contribuiu decisivamente para a construção dessa trilha, pela proximidade que teve com o trabalho cênico e pela possibilidade de interlocução com as outras áreas do espetáculo – iluminação, cenografia, produção. 

“Pude criar uma narrativa musical com paisagens sonoras que ajudam a potencializar a cena, e não uma música que fosse só ilustrativa. A ideia foi tentar trazer a música para que se fundisse à cena, para que fosse quase um personagem submerso nas ações de outros personagens, do que acontece no palco”, aponta.

“WILDE.RE/CONSTRUÍDO”
Texto e direção: Sérgio Abritta. Com Alexandre Toledo, Alex Zannon e Marcus Labatti. Única apresentação nesta quinta (7/10), às 21h, no Cine Theatro Brasil Vallourec (Av. Amazonas, 315, Centro). Ingressos a R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia)


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