O autor britânico-tanzaniano
Abdulrazak Gurnah
,
ganhador do
Nobel
de literatura de 2021
, assegurou que não deixará de falar sobre a
migração
e outros temas polêmicos, como as políticas dos
governos europeus
, que classificou de "desumanas".
O romancista de 72 anos foi laureado na quinta-feira passada (7/10) com o prêmio máximo da literatura por seu relato inabalável dos efeitos do
colonialismo
e da emigração na vida dos
refugiados
.
"Escrevo sobre essas condições porque quero escrever sobre as interações humanas e o que acontece com as pessoas quando estão reconstruindo suas vidas", disse o escritor, em uma coletiva de imprensa em Londres, após o anúncio da Academia Sueca.
Gurnah, o quinto escritor nascido na África a ganhar o Nobel de literatura, fugiu para a Inglaterra no fim de 1967, e obteve a cidadania britânica com o passar do tempo.
Ele cresceu falando suaíli, mas também aprendeu inglês em Zanzibar, onde o Reino Unido era a potência colonial na primeira metade do século 20, antes que a ilha fosse unificada com a Tanzânia.
Apesar de ter produzido a sua literatura em inglês, Gurnah conserva os vínculos com sua terra natal e uma identidade que influenciaram as suas obras. "Sou de Zanzibar, não existe nenhuma confusão em minha mente sobre isso", afirmou.
IMAGINAÇÃO
"Minha experiência, tanto de trabalho como de vida, transcorreu aqui na Grã-Bretanha. Mas isso não é, inteiramente, o que constitui a sua vida imaginária ou sua vida imaginativa", disse.
Após mais de cinco décadas no Reino Unido, Gurnah considera que agora existe menos racismo descarado e maior conscientização sobre o tema, mas que as instituições do país continuam sendo "tão mesquinhas e autoritárias como antes".
O escritor citou como exemplo o escândalo "Windrush", com a revelação de que numerosos imigrantes caribenhos foram perseguidos pelo governo britânico nos últimos anos, apesar de terem chegado ao país legalmente nas décadas de 1950 e 1960, e o tratamento hostil oferecido aos solicitantes de asilo.
"Isso me parece ser apenas uma continuação da mesma feiura", afirmou. Gurnah também disse que "desconfia da força" que estaria por trás da saída britânica da União Europeia, o Brexit, para a qual seus defensores fizeram uma campanha em 2016, em parte, sobre a base de limitar a imigração e recuperar as "liberdades perdidas".
"Talvez haja algo de nostalgia nisso, mas também pode haver algo de autoengano", considerou. "Sinceramente, creio que é um erro".
O ganhador prêmio Nobel também se mostrou implacável em suas críticas à política de outros países europeus, como a Alemanha, que, segundo ele, não "enfrentou sua história colonial".
Seu último livro, "Afterlives", narra a história de um menino roubado de seus pais pelas tropas coloniais alemãs, que, ao retornar à sua aldeia, descobre que seus pais já se foram e sua irmã foi entregue.
Gurnah considerou que a linha dura dos governos europeus atuais ante o aumento da imigração procedente da África e do Oriente Médio é tão cruel quanto ilógica.
"Nessa resposta aterrorizada - 'Quem são essas pessoas que estão vindo?' - [há] falta de humanidade, falta de compaixão." Ele disse ainda que “não há razões morais nem racionais para isso: essas pessoas não chegam sem nada, elas vêm com sua juventude, energia, potencial".
E enfatizou: "Focar apenas na ideia de que 'aqui estão eles, vindo para arrebatar algo de nossa prosperidade' é desumano."